Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete deste mês é…
DUPE
O que é: Em inglês, é a abreviação de “duplicate” ou simplesmente duplicado, em português. O termo refere-se a produtos que buscam copiar itens caros/de luxo (ou mesmo seus ingredientes), em especial no mundo da moda e skincare, com preços bem mais baratos, mas sem reproduzir a marca na qual estão se baseando. Um ponto curioso é que o termo dupe também é utilizado para falar de um suposto engano.
Dupe x pirataria: Alexandre Pierro, mestrando em Gestão e Engenharia da Inovação e sócio fundador da PALAS, consultoria pioneira na ISO de inovação na América Latina, afirma que as duas terminologias são diferentes, justamente porque os dupes não levam o logo ou a etiqueta da marca na qual estão se inspirando.
“Pirataria seria copiar o logo de uma grife, por exemplo, e colar no produto, vendendo como se fosse o original daquela empresa. O dupe, no entanto, vai na linha de uma empresa achar que existe um produto ou serviço que pode ser duplicado — e até melhorado –, com uma apresentação um pouco diferente. Um exemplo atual é o Threads, da Meta, que é uma cópia do Twitter.”
Falando do universo fashion, a moda, como destaca a consultora de estilo Priscila Citera neste texto, nasceu da cópia. Ela afirma: “A cópia se estabelece no momento em que as classes ascendentes procuram copiar os trajes da nobreza que, para se diferenciar, vai remodelar os modos de vestir […]”
Para Pierro, o fenômeno dupe tem a ver com o modelos 6 Ds do crescimento exponencial, que inclui entre os “Ds” a democratização.
“A ideia é baratear as coisas para fazer com que mais pessoas tenham acesso. Por isso, o dupe é usado muito no mundo fashion. Afinal, qual a parcela da população que consegue comprar de grifes?”
O especialista ainda complementa: “A partir do momento que conseguimos acessibilizar o consumo, permitimos que mais gente se sinta parte de um mesmo ecossistema.”
Origem: O conceito em si não é novo, mas a lógica foi repaginado pelas geração Z (hoje, 20% da população no Brasil) por motivos financeiros. Ou resumindo: pela falta de grana.
Segundo Pierro, além da questão financeira, há outro fator que impulsiona o dupe: esses jovens pensam muito mais no coletivo.
“Faz muito mais sentido para eles que não existam produtos nichados para uma pequena parcela da população, mas sim que possam ser utilizado por qualquer pessoa e assim criar um senso de pertencimento”
Aqui, vale um parênteses: muitas vezes o dupe acaba incentivando o consumismo — e com práticas não tão éticas e sustentáveis na cadeia de produção dos objetos de desejo. Paradoxalmente, essa é considerada a geração com mais preocupações socioambientais na hora de adquirir um produto.
Ainda sobre a origem do termo, de acordo com o Know Your Meme, a palavra já é usada por youtubers (hoje influenciadores) da área de beleza desde 2000, para avaliar versões mais baratas de maquiagens caras.
Uma curiosidade é que dupe é empregado também por comunidades gamers para criar bugs com o fim de obter duplicatas ou cópias de moedas ou itens exclusivos.
Orgulho de ser dupe: Se antes, algumas pessoas escondiam que estavam usando uma réplica de uma bolsa, enquanto outras torciam o nariz para um batom que imitava a criação de uma empresa famosa, ou ainda sentiam vergonha de usar uma peça de roupa que tentasse se passar por uma de marca descolada, hoje esses dupes são exaltados pelos jovens nas redes sociais, em especial no Instagram e no TikTok, onde esse termo se popularizou.
E a própria mídia na área de moda e beleza, em especial, fomenta esse mercado com listas sobre dupes de produtos (vide esta aqui da Teen Vogue).
Para ter uma ideia da busca pelo termo, no dia da publicação deste texto, a #dupe acumulava 5,1 bilhões de visualizações no TikTok, atualmente a rede mais usada pela geração Z.
Dupe de tudo: No começo, o que se restringia apenas ao mundo da beleza, com dupes de batons, cremes e demais produtos de skincare, tomou dimensões maiores ao fazer a cabeça dos influenciadores.
Eles passaram a buscar dupes de praticamente tudo e divulgá-los em suas postagens com a #dupechallenge ou fazer paródias com produtos de shoppings e supermercados, mostrando que a maioria (de pulseiras a tops, canecas a móveis, tênis a bolsas e até pó de café) são, na verdade, uma imitação de marcas mais conhecidas.
Há até quem diga que existe um dupe de terapia. O artigo da Bustle, cita um vídeo viral de uma criadora de conteúdo literário que diz que romances como Normal People, de Sally Rooney, e Luster, de Raven Leilani, funcionariam como uma imitação de terapia… E há ainda dupes de receitas culinárias, como uma influenciadora que criou sua imitação de um prato da Domino’s.
Na área tech também não é diferente — e há tempos, na verdade. Marketplaces como Shopee e AliExpress fazem sucesso oferecendo versões de smartwatches ou fones de ouvidos da Apple. E marcas oficiais também aproveitam a deixa, desenvolvendo suas versões mais baratas dos mesmos produtos da empresa criada por Steve Jobs.
No Brasil, em sites e blogs, é possível encontrar sugestões de dupes nacionais para produtos importados como fragrâncias, maquiagens em geral e roupas — duplicações de vestuário podem ser compradas inclusive em lojas fast fashion, que oferecem peças inspiradas em marcas como Balenciaga, Hermès, Versace (como mostra o Metrópoles) e por aí vai.
Como as marcas embarcaram nesta tendência: Uma vez que se tornou impossível combater os dupes, muitas empresas resolveram “abraçá-los”, criando alternativas mais baratas aos produtos de sua própria marca. A grife francesa Mugler, por exemplo, fez parcerias com a fast fashion H&M para produzir dupes de algumas de suas peças.
Pierro analisa que a melhor estratégia para as marcas é realmente incorporar esse movimento. Ele cita como um contraexemplo a Kodak, marca que teve a oportunidade de abraçar uma inovação, mas preferiu nadar contra a corrente.
“A foto digital foi feita por engenheiros da empresa, mas a criação não foi aceita pela Kodak porque eles ganhavam ‘rios de dinheiro’ com os filmes fotográficos. O engenheiro saiu de lá e levou essa inovação para outro lugar. Então, se você não abraça a inovação ou uma nova tendência, mais cedo ou mais tarde, acaba perdendo”, diz.
Por isso, sua dica é estar de olho nos sinais dos tempos: “Assim, você antevê seus concorrentes e aceita, por mais que doa, as mudanças de mercado.”
No contrafluxo: Já para aproveitar essa tendência, mas a fim de exaltar a qualidade do produto original, a canadense Lululemon, de roupas fitness, criou uma ação de marketing inovadora em uma de suas lojas em Los Angeles.
Em um fim de semana de abril deste ano, ela permitiu que pessoas que tinham comprado dupes de sua calça modelo Align trocassem a peça por originais. A meta era conquistar novos clientes. À publicação Fast Company, Nikki Neuburger, diretor da marca disse:
“… parte do motivo pelo qual tínhamos total confiança ao fazer isso é porque realmente sabemos que nossos produtos são os melhores; e ao experimentá-los, achamos que as pessoas teriam aquele momento sensorial ‘aha’”.
Vantagens: A principal seria dar acesso aos consumidores “comuns” a produtos que antes eram restritos ao segmento de luxo e altamente exclusivos. Pierro explica:
“Vamos fazer uma analogia com os smartphones da Apple e de outras marcas. O iPhone é absurdamente caro e tem lá suas vantagens, mas os modelos da Samsung e Xiaomi também funcionam e com eles consigo dar acesso à tecnologia a pessoas que não teriam como comprar um iPhone por questões financeiras. Por isso, o dupe é muito válido para difundir uma inovação, um novo processo, novas formas de pensar e consumir”
Além de tudo, de acordo com ele, todo esse processo acelera a economia, gerando “faíscas” para a criação de inovações. “Imagina se só existisse o iPhone, quantas pessoas poderiam ter um smartphone? E nós teríamos a evolução que vivenciamos hoje? Possivelmente, não.”
Ele lembra que quanto mais nichado e restrito é um produto ou serviço, menos as chances de trazer grandes impactos à sociedade — e ao mercado.
“Há uns dois ou três anos, foi lançada a rede social de áudio Clubhouse, que só funcionava em sistema iOS e mediante convite. Quanto tempo esse app despertou interesse? Pouco, porque não houve uma democratização e o potencial de inovação se perdeu”
Outro ponto considerado positivo nos dupes, ao falar de acesso do ponto de vista psicológico, é que, para muitas pessoas, conseguir consumir algo que está na moda leva à aceitação em alguns círculos sociais, impactando na autoestima e na realização de um desejo.
Desvantagens: A primeira e mais óbvia desvantagem para o mercado é a questão dos direitos autorais e da propriedade industrial. Esse “copia e cola” em cima de trabalhos de pesquisa e desenvolvimento de produtos de outras empresas e a possível concorrência desleal praticada pelos copiadores pode levar as marcas plagiadas a buscar uma reparação. Vale ressaltar que pela legislação de muitos países essa prática de duplicação não é considerada atividade ilegal.
Pierro ainda destaca que se todo esse processo de duplicação for feito da forma correta, pagando-se os devidos royalties, as empresas “copiadas” não sairão perdendo, de fato, recebendo pela patente. “Remédios genéricos podem ser considerados dupes. Eles dão oportunidade a pessoas com uma renda menor de terem acesso a tratamentos adequados. E as grandes empresas e farmacêuticas também ganham com isso, por conta das patentes [que no caso de medicamentos têm validade de 20 anos]”
Para o mercado e a sociedade, de forma geral, os dupes também podem afetar a inovação e a criatividade.
“De uns dez anos para cá, as inovações estão cada vez mais difíceis de acontecer. O que surgem são repaginações, dupes, de coisas já existentes. A pandemia, por exemplo, não trouxe nenhuma tecnologia diferente, mas acelerou a adoção do que já existia, como o teletrabalho. Aí entra o problema: se estamos apenas duplicando aquilo que está sendo feito, deixamos de criar coisas novas”
Em sua coluna na Folha de S.Paulo, Ronaldo Lemos diz que essa febre dos dupes “é sintoma de um fenômeno mais profundo e inquietante: a erosão da autenticidade e da autoria.”
Ele ainda afirma que as ferramentas de inteligência artificial aceleraram esse processo, criando inclusive dupes de nós mesmos para fins como chamadas de vídeo ou para replicar nosso estilo de escrita em respostas de e-mails, por exemplo. O autor chega ainda a questionar se a deepfake de Elis Regina no comercial da Volkswagen não seria um dupe.
Outro ponto negativo dos dupes é que, muitas vezes, a duplicação de produtos é feita para se ganhar oportunidade de mercado, mas de qualquer jeito, entregando itens de baixa qualidade. E, no caso de produtos de beleza, há riscos de o que saiu “baratinho” causar danos à saúde dos consumidores.
Existe ainda toda a questão da cadeia de trabalho por trás dessas produções de baixo custo (claro que o alto valor cobrado por grifes não as isenta desse tipo de prática). Fora a parte da sustentabilidade. Afinal, as imitações mais baratas incentivam o consumismo e o descarte rápido, e como consequência, provocam uma série de impactos ambientais.
Panorama futuro: Analisando o movimento do mercado, Pierro acredita que o dupe é uma tendência que continuará a gerar frutos.
“Quando vemos grandes players de mercado, como a própria Meta, copiando softwares de concorrentes para trazer uma outra experiência ou grande marcas de carros copiando a Tesla, acredito que seja um movimento que veio para continuar”
Ele destaca, no entanto, que diante de uma tendência sempre surge uma contratendência e é preciso entender como essa distensão gerará novos padrões de consumo – e se manter informado para poder acompanhar as mudanças.
“A gente fala muito hoje que o analfabeto do século 21 não é quem não sabe ler e escrever, mas quem não sabe aprender, desaprender e reaprender. É preciso reaprender continuamente com as novas gerações e insights — e os empreendedores devem também reaprender sobre os modelos dos seus próprios negócios.”
Para saber mais:
1) Acesse, no USA Today, o artigo: “Who needs pricey Lululemon leggings or Dyson Airwrap when you can get affordable dupes?”;
2) Leia esta edição da newsletter The Brief que traz o assunto em destaque;
3) Confira, na Fast Company, a estratégia da Lululemon para combater seus dupes no artigo: Lululemon’s brilliant dupe strategy should be duplicated by every brand;
4) No Neofeed, leia: “O fenômeno ‘dupe’ conquista os jovens: cópia ou espírito do tempo?” ;
5) O Green me Brasil destaca: “Explicamos o que é a nova tendência ‘“dupe’ e por que é tão ruim para o meio ambiente”.