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Verbete Draft: o que é CRISPR

Dani Rosolen / 20 jul 2022
Imagem: Gerd Altmann from Pixabay
Dani Rosolen - 20 jul 2022
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

CRISPR

O que é: CRISPR ou CRISPR-Cas9 é um dos mais avançados métodos de edição genética. Funciona como uma “tesourinha” que permite cortar uma parte indesejada do DNA de seres vivos para mudar, silenciar ou reparar o gene em questão.

A sigla é um acrônimo do termo, em inglês, Clusters of Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats. Ou, em português, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.

Para que serve: Este “palavrão” designa a sequência de letrinhas (nucleotídeos) do DNA das bactérias encontradas em outras partes de suas moléculas em ordem contrária (daí o P da sigla, de palíndromo). Essas estruturas foram descobertas por cientistas japoneses na década de 1980 e batizadas de CRISPR, embora eles ainda não soubessem qual era a sua utilidade.

Até que, mais tarde, pesquisadores descobriram que esta era uma estratégia usada pelas bactérias para identificar o DNA de um vírus em um ataque. Assim que o invasor injeta fragmentos de ácido nucleico na bactéria, ela aloca esse material próximo a um CRISPR e ele fica ali armazenado como uma “memória”.

A partir disso, a bactéria consegue produzir uma molécula de RNA Guia, que vai identificar material semelhante ao do vírus em um novo ataque e produzir uma enzima, a Cas9. Esta proteína, por sua vez, funciona como uma tesoura e destrói/corta parte do material genético do vírus, impedindo que ele cause danos na molécula.

Segundo o geneticista Guilherme Yamamoto, head de inovação genética e bioinformática da Dasa (já falamos sobre a empresa aqui), médico assistente na Unidade de Genética Clínica do ICr-HC-FMUSP e coordenador de bioinformática do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células Tronco da USP:

“Basicamente, este é o sistema imunológico das bactérias. É quase como se fosse uma vacina nos seres humanos”

Esse mesmo mecanismo das bactérias foi pesquisado em células de outros organismos vivos e descobriu-se, por exemplo, que é possível “informar” à Cas9 uma parte do DNA que se deseja editar, ligar ou desligar, como por exemplo, sequências específicas que geram doenças.

Neste episódio do canal do YouTube Ciência Todo Dia, o diretor e apresentador Pedro Loos faz uma analogia entre a evolução das edições genéticas e a dos métodos de edição de vídeo. Ele diz que, antes, era necessário cortar manualmente os pedaços de um filme e depois juntá-los na sequência desejada para editá-los.

Com as fitas de DNA, era mais ou menos a mesma coisa. Ou seja, a facilidade trazida pelos aplicativos modernos de edição de vídeo de hoje está para o que a CRISPR representa na genética em termos de custos e tempo gasto no processo.

Quem inventou e quando: Apesar do CRISPR ter sido descoberto nas bactérias em 1980, só em 2012 as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna identificaram como ele funciona em outras células, inclusive humanas, e como usar essa técnica.

A dupla publicou o estudo na revista Science e, por conta dele, recebeu o Prêmio Nobel de Química em 2020 (detalhe: antes delas, apenas cinco mulheres tinham ganhado o Nobel, desde 1901, nessa categoria).

“Existem várias outras ferramentas que surgiram antes da CRISPR, como TALENs e ZFN, por exemplo. Mas este sistema, que basicamente serve para encontrar e atacar DNA, permitiu fazer coisas que a gente não conseguia antes”, afirma o médico geneticista.

Vantagens e usos: A grande vantagem do CRISPR, diz o especialista da Dasa, é ser um sistema identificador de alvo, digamos assim. “Com essa ferramenta, conseguimos encontrar, ligar, desligar ou detectar o gene que quisermos. E isso permite também edições transitórias, sem passá-las para os descendentes.”

A descoberta, como o próprio júri do Nobel afirmou, ajuda no “desenvolvimento de um método de edição de genes que contribui para novas terapias contra o câncer e pode tornar realidade o sonho de curar doenças hereditárias”.

 “Além de terapia gênica, é possível usar o CRISPR na Ciência para, por exemplo, saber quais são os genes que estão aumentados e fazendo dar água no pulmão de uma pessoa com infecção de Covid. Posso detectar esses genes e desligá-los”

Guilherme Yamamoto complementa que é possível ainda usar o método na parte de diagnósticos: “Hoje a gente utiliza o método PCR. Como a CRISPR também funciona como um detector, daria para usá-lo. Aí é uma questão de conseguir baratear os custos e fazer um kit como o do PCR. Acredito que isso aconteça daqui dez anos mais ou menos”.

Com essa tecnologia de edição genética, cientistas já conseguiram eliminar o vírus HIV de camundongos contaminados, curar doenças hereditárias em embriões (não implantados), tratar câncer em humanos e a diabetes em camundongos, entre outros feitos detalhados aqui.

Na agropecuária, o CRISPR permite criar plantações, como de soja, mais resistentes a intempéries e animais mais produtivos, sem transformá-los em transgênicos, apenas ligando e desligando genes.

“É possível, por exemplo, ligar o gene que faz aumentar os músculos de uma vaca para que ela produza mais carne e alimente mais pessoas”, diz Guilherme Yamamoto.

Pesquisas e invenções de startups: Segundo artigo da revista FAPESP, uma equipe coordenada pelo cirurgião Silvano Raia e pela geneticista Mayana Zatz trabalha, no Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL) da USP, para desativar os três principais genes que levam à rejeição no xenotransplante (transplante entre espécies) que usa órgãos de porcos.

Cientistas já usaram CRISPR para esterilizar mosquitos que transmitem malária, identificando e destruindo seu gene de reprodução. Assim, é possível se antecipar e, em vez de combater e tratar a doença, eliminar seu transmissor.

Já a startup argentina BioHeuris conseguiu desenvolver, com CRISPR, culturas de algodão, alfafa, arroz, soja e sorgo resistentes a herbicidas, que devem chegar ao mercado em 2026. E a agtech japonesa Sanatech Seed criou o primeiro tomate CRISPR para tratamento de pacientes com pressão alta. O fruto geneticamente modificado tem benefícios nutricionais aprimorados que ajudam a combater a hipertensão e começou a ser vendido em outubro passado.

De volta ao Brasil e ainda falando de tomate, o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) usou o CRISPR para desenvolver uma versão do fruto mais resistente ao sal e à seca. E a Embrapa criou duas novas variedades de cana-de-açúcar (em testes no campo): uma delas tem maior digestibilidade da parede celular, o que proporciona melhor aproveitamento da biomassa da cana para a geração de energia e nutrição animal; a outra tem mais concentração de sacarose.

Além da questão alimentar, que engloba as preocupações com as mudanças climáticas, o CRISPR pode ajudar a combater o aquecimento global com plantas que tenham um “apetite” ainda maior por CO2. E quem está atrás de “fabricar” estas plantas, a partir da edição genética, é um grupo de cientistas do Innovative Genomics Institute, criado pela co-inventora do CRISPR, Jennifer Doudna

Desvantagens e polêmicas: Apesar da inovação, ainda há limitações. A técnica permite fazer o mesmo reparo em vários lugares diferentes do DNA ou vários reparos diferentes em apenas um só lugar — mas não os dois ao mesmo tempo.

Outro entrave, pelo menos por enquanto, é que ainda se trata de uma tecnologia cara, mas que, de acordo com Guilherme Yamamoto, com o uso e “popularização”, tende a baratear nos próximos anos.

A possibilidade de o CRISPR “cortar” a parte errada do genoma ou executar mudanças que não eram previstas é o principal problema apontado por especialistas. Segundo Yamamoto:

“Poderiam tentar, por exemplo, criar bactérias que comem plástico e soltá-las no mar para destruir essa substância. Mas imagina se elas passam a ‘comer’ também as partes de plástico das embarcações ou atacam as carapaças dos ouriços, das conchas e de outras cadeias de carbono? Ou se eu esterilizo e mato todos os mosquitos — mas também as abelhas?” 

Outra questão é a ética. Afinal, até que ponto podemos mexer na genética dos seres vivos? Em novembro de 2018, o caso do pesquisador chinês He Jiankui trouxe esse problema à tona. Ele utilizou o CRISPR para editar, in vitro, os genes de embriões humanos a fim de torná-los imunes ao HIV (os embriões eram de um pai com a doença).

Acontece que eles foram implantados – o que é proibido — em uma mulher, que teve as gêmeas Lulu e Nana. Um terceiro bebê também teria nascido dessa “experiência”.

O cientista foi demitido e condenado, em dezembro de 2019, a três anos de prisão (e foi solto neste ano, segundo o MIT Technology Review).

De acordo com Guilherme Yamamoto, não existe legislação específica para CRISPR, mas recomendações de comitês de ética e consensos da comunidade científica de que ainda não há capacidade técnica e segurança suficiente para editar bebês humanos.

“A grande questão é que a gente não sabe todas as consequências de ligar e desligar genes para sempre, no caso dos embriões. Pode ser que na vida adulta o gene desligado faça uma coisa e na embrionária, outra… Então, não temos certeza de todas as consequências nem como garantir que todas as ligações e desligamentos serão onde a gente queria”

A própria Jennifer Doudna já expressou preocupações sobre o uso da técnica e pediu que haja controle governamental.

Mercado mundial (e no Brasil): De acordo com um relatório da Zion Market, o mercado global de edição de genoma CRISPR deve atingir o valor de 15,84 bilhões de dólares até 2028. Para se ter uma ideia, no ano passado a cifra era de 1,08 bilhão de dólares.

O estudo ainda aponta alguns players como empresas-chave neste mercado: CRISPR Therapeutics AG, GenScript, Lonza, Merck KGaA, Precision Biosciences, Sangamo Therapeutics e Thermo Fisher Scientific, além das grandes farmacêuticas. Já este artigo cita 30 startups estrangeiras envolvidas com a tecnologia.

Para o especialista da Dasa, no entanto, é difícil calcular o valor deste mercado.

“Uma coisa é o tamanho do mercado de biotecnologia, ou seja, empresas que fazem CRISPR. A maioria desses negócios está nos Estados Unidos e na Europa e na mão de grandes farmacêuticas. Outra coisa são empresas que trabalham controlando o mosquito da malária ou tornando o milho mais resistente… Imagina quanto isso pode impactar o PIB de um país. É com este enfoque que muitas startups estão trabalhando”

Em relação ao nosso ecossistema, ele afirma: “No Brasil, ainda não vemos startups atuando com essa tecnologia, até porque a pesquisa científica de base aqui não recebe investimentos. É bem provável que o que veremos seja a transferência de tecnologia de outros países a fim de adaptá-las às necessidades brasileiras.”

Ele conta que a Dasa está tentando trazer o CRISPR para o Brasil para terapia gênica de anemia falciforme por meio de uma parceria com o Innovative Genomics Institute (o já citado instituto de Jennifer Doudna):

“O Pedro Bueno [presidente do Grupo Dasa] escolheu fazer essa colaboração, primeiro porque a Doudna é uma das cientistas responsáveis pela técnica. E, segundo, porque essa doença é muito importante nos descendentes de negros da África e, consequentemente, nas populações afrodescendentes das Américas”

De acordo com ele, este será provavelmente um dos primeiros usos de terapia gênica com CRISPR que vai chegar aqui num prazo de três a cinco anos, calcula. “Já existem outras terapias gênicas para algumas doenças, mas não usando esse método.”

O geneticista afirma que a pesquisa está em fase experimental e é viável porque consiste em retirar as células da medula de um paciente, levar para o laboratório numa bolsa de sangue, fazer as terapias e engenharias genéticas necessárias fora do indivíduo, testar se tudo o que mudou era o que se pretendia e, uma vez garantido que a mudança foi só no gene da hemoglobina que inibe a anemia, colocar as células de volta no paciente.

Um futuro não tão distante: Além dos estudos do instituto de Doudna, outra promessa para tratar a anemia falciforme e também outra doença sanguínea, a talassemia, é um remédio que pode receber autorização para ser comercializado já em 2023.

Segundo a Fast Company, será a primeira droga criada a partir do CRISPR. O medicamento, batizado de exa-cel (exagamglogene autotemcel), foi criado pela Vertex e pela CRISPR Therapeutics, que pretendem enviá-lo para aprovação regulatória nos EUA, Reino Unido e Europa até o final deste ano.

Guilherme Yamamoto também dá dimensão do que surgirá em outros mercados, como o da beleza, a partir do momento em que as pessoas começarem a descobrir o que é possível criar com CRISPR.

“Em camundongos, existe um gene que, se desligado, faz com que o animal deixe de produzir pelos. Já existem várias empresas tentando criar um creminho para fazer esse mesmo efeito em humanos. O mercado de depilação no Brasil é de bilhões de reais, então se houver um produto desse tipo, com certeza vai vender muito”

Ele destaca: “Vão surgir iniciativas disruptivas de CRISPR em áreas não tão óbvias como a medicina e a agricultura. O que é importante para a área de inovação é os pesquisadores estarem antenados sobre o que seria interessante desligar ou ligar para trazer um uso impactante”.

Para Doudna, o que devemos observar nos próximos cinco a dez anos, segundo entrevista concedida à Bloomberg em abril, são plantas e culturas editadas pelo CRISPR e seu uso para diagnósticos e medicina preventiva.

Já daqui 25 anos, ela diz que imagina um futuro em que o CRISPR poderá ajudar a combater o Alzheimer e que é possível até termos bebês editados, mas destaca que não está defendendo a prática, apenas apontando que muita coisa pode vir a acontecer neste prazo. É esperar para ver…

Para saber mais:
1) Assista ao TED “How CRISPR lets us edit our DNA”, de Jennifer Doudna;
2) Leia o livro “A Decodificadora”, de Jennifer Doudna;
3) Observe, neste vídeo postado no The Atlantic, a enzima Cas9 quebrando uma molécula de DNA;
4) Leia no New York Times o artigo “CRISPR, 10 years on: Learning to rewrite the code of life”

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