Maria Mazzucchelli, 42, e Raquil Lange, 44, cursaram Design Gráfico na mesma turma, tiveram seus filhos em épocas próximas e até já trabalharam juntas antes de empreenderem na Parangolé, que produz descartáveis para festas e é, também, uma consultoria de sustentabilidade. Raquil era produtora gráfica, estava em carreira solo depois de ter passado pela editora Cosac Naify e tinha um espaço de trabalho dentro do escritório de design corporativo de Maria.
Compartilhando as festinhas de aniversário das filhas, elas perceberam um ponto em comum: estavam incomodadas com a padronização das comemorações, o uso excessivo de plástico e isopor e a ausência de itens que fossem reaproveitáveis. “Chegamos à conclusão de que precisávamos fazer os produtos para usar nas nossas festas. Tanto que a primeira coleção foi muito baseada nas nossas filhas”, conta Raquil.
A Parangolé nasceu em 2009, com o investimento conjunto das sócias de 30 mil reais. Naquela época, elas contam que ter uma festa menos temática, com produtos que fugissem do padrão azul e rosa não era tão comum. Logo na primeira coleção, a dupla abriu mão do gênero para priorizar o design, como fala Maria:
“Como a gente não tinha muita grana, preferimos fazer coisas mais genéricas, com uso tanto para menino quanto para menina”
A empresa, que vende copos, pratos, talheres, canudos e outros itens de festa com design mais arrojado e feitos em papel, busca um caminho mais sustentável e de menor impacto para as comemorações infantis. As vendas começaram a ser feitas diretamente para o consumidor final, primeiro por um blog e, depois, pelo site. Hoje, o negócio segue vendendo online, mas ganhou outros caminhos ao longo de quase dez anos. O preço dos produtos é variado: os canudos, por exemplo, saem por 11,60 reais. Já os pratos custam de 17,30 a 26,50 reais, as bandeirolas ficam por 49 reais e as velas, 16 reais (a de carnaúba) e 55 reais (a de unicórnio).
A PRIMEIRA BATALHA FOI FAZER AS FÁBRICAS ENTENDEREM A PROPOSTA
A Parangolé cria a estampa das coleções (às vezes, contrata artistas para personalização) e terceiriza a fabricação. Depois, vende diretamente pelo site ou em redes de varejo. O maior desafio que as sócias encontraram, logo no começo, foi negociar com as fábricas, principalmente pelo fato de trabalharem com papel, e não com plástico. “Nosso primeiro contato foi com uma fábrica do Rio de Janeiro que usava cera no copo de papel. A gente não queria nada além de papel para que o produto fosse biodegradável. Resolvemos tirar a cera do copo e deu super errado, ficou mole”, conta Raquil.
Hoje, elas consideram que muitas indústrias já estão mais preparadas para atender a esse mercado sustentável, entregado, inclusive, uma quantidade menor de produtos. “Lá no começo, pra fazer um modelo de copo, tínhamos que pedir 10 mil ou 30 mil itens. Ainda hoje muitos fabricantes trabalham assim, mas as coisas mudaram um pouco e a gente já consegue fazer 5 mil de cada produto.”
Elas acreditam que a chegada da Parangolé ajudou o mercado a se adaptar porque trouxe uma nova opção dentro do universo das festas. “As fábricas que a gente acionou eram as mesmas que produziam para as redes de fast food. Então, começamos a confundir a própria indústria”, brinca Raquil.
O ESFORÇO DE FOCAR NAS GRANDES REDES SEM PERDER A ESSÊNCIA
Durante um ano e meio, o consumidor final que comprava online foi o único cliente da Parangolé. Até as sócias perceberem que precisavam aumentar o volume de vendas. “Começamos a bater na porta de grandes varejistas, principalmente supermercados”, diz Maria. Foi aí que surgiram os novos desafios.
O primeiro foi aumentar o mix de produtos das coleções, incluindo itens com os quais nunca tinham trabalhado, como as velas. “O varejo nos disse que se a gente quisesse entrar, tínhamos que ter mais variedade”, conta Raquil. As sócias trataram, então, de fazer isso sem perder a essência ou ter que se render ao plástico e, ainda por cima, mantendo um preço competitivo (embora, reconheçam que a Parangolé sempre teve um valor mais alto do que os concorrentes de gôndola).
“Fomos atrás de novos fornecedores e batalhamos por preço em algumas áreas”, afirma Maria. Consolidadas nos supermercados, elas resolveram que era hora de entrar nas grandes lojas especializadas em festas. E foram com confiança. Só que deu tudo errado, como lembra Maria:
“Fizemos parcerias maravilhosas e não vendíamos nada. Foi bem no momento em que o país entrou em crise e as pessoas escolhiam pelo o que havia de mais barato”
Apesar dos perrengues para entrar nas lojas de festas, estar nos supermercados deu visibilidade à Parangolé para além do nichos das comemorações da classe A, onde atuam com mais força. E isso, segundo elas, mexeu um pouco com o mercado e incomodou alguns fabricantes. Até um deles querer comprar a empresa.
A proposta não era ruim: “Era um valor coerente. O que não fazia sentido eram aquelas linhas pequenas embaixo do contrato dizendo que a gente receberia metade do valor no ato e a outra metade pelo desempenho”, fala Maria, que recrimina o fato de nenhuma cláusula prever a responsabilidade de quem estava comprando em investir para ter uma boa performance.
Na prática, as empreendedoras ficariam três anos trabalhando para o comprador, recebendo um salário atrelado ao desempenho e sem poder atuar nessa área de forma independente. “A conta não fechava e a gente ficou com receio de se sentir presa e da empresa perder a essência”, conta Maria. Mesmo sem fechar negócio, elas avaliam esse episódio como um dos momentos de maior aprendizado. “Até então, a gente não sabia medir resultado. Essa proposta nos fez entender o valor real da Parangolé”, fala Maria. Raquel completa:
“A gente sempre quis vender o sonho de uma festa e da própria marca, mas existe um fator real: o quanto você fatura”
Neste ano, a previsão de faturamento é de 750 mil reais, valor que se mantém estável há dois anos, segundo as sócias.
APESAR DAS CONQUISTAS, ELAS QUASE DESISTIRAM DA EMPRESA
Quando duas pessoas da área de design gráfico resolvem empreender no ramo de festas, a parte de criação está garantida. Porém, uma empresa é mais do que criatividade e elas precisaram aprender sobre gestão. Foi o que aconteceu com a dupla na base da tentativa e erro.
Mas teve um momento — quando o volume de vendas aumentou por causa da entrada no varejo — que as sócias sentiram necessidade de uma ajudinha extra e contrataram um consultor que se tornaria sócio assim que as metas definidas fossem atingidas. “Gostávamos do desafio e víamos tudo como oportunidade de aprender. Mas, ao mesmo tempo, precisávamos entender mais do negócio. Tínhamos muitos achismos e poucas certezas”, diz Raquil. Esse consultor ficou com elas por cerca de dois anos até que virou sócio da empresa, no começo deste ano, quando as duas já estavam cansadas e buscando novos ares. Maria fala:
“A Parangolé era rentável, mas estava do mesmo tamanho de dois anos atrás. E nós estávamos desmotivadas”
A estagnação fez as fundadoras demitirem os três funcionários da empresa e pensaram até em fechar as portas. Foi quando o sócio quis assumir a parte operacional, liberando-as para cuidar da área que realmente gostavam, criativa, e para atender uma nova demanda que começava a surgir: consultoria de sustentabilidade. Parecia o plano perfeito, mas não deu certo. “Pensávamos diferente dele. Era uma maneira de gerir que fazia sentido do ponto de vista financeiro, mas desconfigurou o que era a Parangolé de verdade”, conta Raquil.
Tendo a sustentabilidade como guia, as empreendedoras nunca pregaram o consumo desenfreado ou buscaram vender mais de determinado item só porque estava na moda, por exemplo. Elas contam que sempre houve uma preocupação de que o consumidor comprasse da Parangolé, mas somente o necessário para aquela festa, sem exageros. Segundo elas, essa visão era bastante criticada pelas pessoas, mas era como a dupla enxergava o negócio e como via sentido em empreender.
Com a nova gestão, essa forma de pensar foi desconstruída. Um exemplo: houve um grande foco na venda de canudos de papel porque era o momento do debate sobre o impacto desses itens feitos em plástico no meio ambiente. E elas não queriam vender canudo a qualquer preço, para qualquer pessoa e em qualquer situação. “A Parangolé tem um discurso de corpo, mente e fala. Na hora em que entrou uma fala diferente, não funcionou”, diz Raquil. A sociedade foi desfeita, sem brigas, e a empresa entrou em uma fase de transição, em que essa história de corpo, mente e fala está se realinhando.
COMO CONCILIAR SUSTENTABILIDADE E DESCARTABILIDADE
Desde sua criação, a Parangolé vende descartáveis. São produtos de menor impacto, sem plástico, biodegradáveis mas, ainda assim, para usar e jogar fora. Para diminuir cada vez mais o impacto, as sócias sempre se envolveram em pesquisas e novas formas de reaproveitar o que já usavam. Esse esforço em manter os princípios da empresa culminou em um convite para fazer a consultoria de sustentabilidade de um supermercados, avaliando todas as embalagens . Foi nesse momento que elas perceberam que a venda de descartáveis era incompatível com o discurso da empresa. “Deu um bug na nossa cabeça”, conta Maria.
Era hora de reavaliar o negócio. “A gente parou, olhou para dentro e decidiu que íamos fazer o melhor que podíamos”, afirma Raquil. Isso inclui buscar materiais cada vez mais sustentáveis para os produtos de festa, que ainda são o que sustenta a Parangolé, reduzir o número de itens à venda e oferecer o expertise que possuem para que outras organizações possam entrar na mesma onda.
As duas, agora, apostam nesse trabalho que chamam de micro revoluções — aquelas transformações que começam pequenas e, aos poucos, ganham corpo e volume. Além de supermercados, elas já prestam consultoria para um banco. “A micro revolução está ligada ao engajamento das pessoas. No começo você pode não reduzir tanto o impacto, mas vai conseguir engajar pessoas e, partir daí, fazer algo maior”, diz Maria. E Raquil vai além:
“Não adianta só parar de usar o saquinho do supermercado. É preciso mudar o mindset para que o resultado seja efetivo”
Juntamente com a consultoria, elas estão desenvolvendo uma nova linha de produtos, que inclui embalagens reaproveitáveis, como sacolinhas para pesar frutas e legumes no supermercado, e uma alternativa ao plástico filme. Os itens devem ser vendidos pelo site da empresa e pelo próprio supermercado.
Essa terceira vertente da Parangolé está em construção, mas elas já pensam na quarta, em que o negócio desenvolverá um projeto social junto a mulheres negras de cooperativas de reciclagem. “Queremos fazer o lixo chegar mais decente na mão dessas pessoas. Depois de tudo o que a gente está aprendendo, temo que fechar a cadeia”, afirmam. Que as novas fases da empresa se concretizem logo.
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