Uma página em branco pode ser encarada como falta de ideias, bloqueio criativo. Mas também pode ser vista como uma oportunidade para, partindo do zero, se abrir a uma infinidade de caminhos diferentes. É nesta forma de olhar que se apoia a [Em Branco], agência de comunicação (re)fundada por Luciana Branco, 41, em 2016.
Mais do que um trocadilho, a ideia é que o nome seja a expressão de um modus operandi: criar campanhas de comunicação sem recorrer a lugares comuns ou ideias pré-concebidas, desenvolvendo estratégias para marcas e clientes do setor cultural baseadas em pesquisas e na busca de um olhar mais humano, com possibilidade de impacto social.
Um exemplo é a campanha criada pela [Em Branco] em torno da exposição Tarsila Popular, organizada pelo Masp entre abril e julho deste ano. A agência levou artistas de rua — todas mulheres — para visitar a mostra na companhia da sobrinha-neta da pintora, Tarsilinha do Amaral. Inspiradas pela visita, essas artistas produziram suas próprias obras e releituras, que serão estampadas em breve pela cidade de São Paulo.
“A exposição foi um sucesso, teve público de 400 mil pessoas, mas quantas milhões deixaram de ir?”, diz Luciana. “Por isso, achamos que Tarsila tem também de ocupar as ruas, por meio das obras dessas artistas incríveis, que dialogam com a obra dela.”
APÓS UMA ASCENSÃO RÁPIDA, ELA MONTOU SEU PRIMEIRO ESCRITÓRIO
Formada em Jornalismo pela PUC-SP, Luciana é uma paulistana com alma de forasteira. Dos 8 aos 18, viveu em Florianópolis, “numa casa em que as ondas do mar batiam no muro”.
“Isso me forjou como alguém conectada ao tempo da natureza e das pessoas. O mar num dia está lisinho e no outro é um verdadeiro redemoinho. Se formos pensar, as pessoas não são assim também?”
Após a graduação, passou um mês estudando arte no Instituto Lorenzo de Medici, em Florença, na Itália. De volta ao Brasil, ingressou na equipe de comunicação do escritório Sofia Carvalhosa.
Ao longo de quatro anos, foi de estagiária a assistente sênior, atuando como assessora de imprensa do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Depois emendou empregos em outra agência, atendendo multinacionais, e num escritório de moda.
Em 2004, decidiu dar uma pausa e repensar a vida. Foi quando ex-clientes começaram a procurá-la para novos projetos.
Assim nascia seu primeiro negócio: a Luciana Branco Comunica, montado em sua casa e, depois de seis meses, foi transferido para um sobrado, no bairro de Pinheiros. A ideia era atender poucos clientes, com dedicação total a projetos e estratégias.
O FIM DE VÁRIOS “CASAMENTOS” PERMITIU REPENSAR A VIDA E A CARREIRA
Durante 12 anos, ela atendeu empresas como Nestlé, Nokia e Microsoft. Até que, em 2016, vários “casamentos” chegaram ao fim. Primeiro, o seu casamento de fato, após dez anos; na sequência, sua assistente deixou a agência para empreender e, por fim, um dos clientes mais robustos, a Diageo (multinacional de bebidas alcoólicas que detém marcas como Johnnie Walker, Smirnoff, Guinness e Tanqueray), decidiu não renovar contrato.
Luciana diz que aquele foi o momento para um novo estalo:
“Foi quando, a partir de muita reflexão e de um processo de autoconhecimento intenso, entendi a importância de não ter soluções prontas. Percebi como é bonito entrar numa conversa sem ter respostas, realmente querendo escutar”
Assim, “desarmada”, ela começou a traçar um novo passo de sua trajetória profissional. Decidiu recomeçar com estrutura mais enxuta, reduzindo a equipe de 20 para apenas quatro colaboradoras. Reformulada como [Em Branco], a agência deixou o sobrado para se estabelecer no Civi-co, polo de negócios de impacto.
A retomada das atividades se deu de forma orgânica. Mesmo assim, o começo foi difícil, numa casa nova e com a obrigação de se reerguer após à perda de um cliente importante, em meio à crise econômica e às complicações pessoais. “Foi um ano de pouca entrega de projetos, mas de muito trabalho interno, fundamental para chegarmos aonde estamos”.
A COMUNICAÇÃO COMO FERRAMENTA DE IMPACTO REAL, “SEM TRUQUE”
A Diageo “foi, mas voltou”. A [Em Branco] hoje atende o portfólio de scotch da empresa e mais três clientes (além da família de Tarsila do Amaral): a distribuidora de filmes Flow, o Festival inFINITO e o Instituto Olga Rabinovich. Motivada pelo Civi-co, a empresa investe em promover mudanças sociais por meio de suas ações junto às marcas.
Luciana diz que a ideia é levar os clientes a desenvolverem projetos de impacto social real, sem truque. O que seria um “truque”, nesse caso?
“A empresa incluir transexual em uma campanha, mas sem criar uma ação específica que auxilie esse grupo, é truque. A sociedade precisa de mais ações e de mais conversa sobre temas como esse.”
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Promover impacto sem truque passa por convencer as marcas a adotar uma postura menos narcisista em sua comunicação, olhando de fato o consumidor final.
“Quando um cliente quer muito falar só sobre si mesmo, costumo perguntar se ele tem algum amigo que vive postando selfies em redes sociais. Não é chato? Às vezes as marcas fazem um ‘selfie brand’, só falam delas e deixam de se perguntar com quem estão conversando”
Segundo Luciana, as sessões de meditação que realizou no período de transição foram essenciais para estender um olhar de empatia às dores e necessidades dos outros — e aplicar essa visão nas campanhas.
O DIA DOS PAIS COMO OPORTUNIDADE PARA FALAR DE ABANDONO PATERNO
Para o Dia dos Pais deste ano, a agência foi incumbida de desenvolver o conceito da campanha do uísque Johnnie Walker. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o Dia dos Pais é a quarta data em número de vendas no Brasil, com gastos inferiores em relação a Dia das Mães, Natal e Dia dos Namorados.
Pensando em como valorizar a data, Luciana foi pesquisar o tema “paternidade” e topou com alguns dados importantes. Segundo o IBGE, 83,6% das crianças brasileiras têm uma mulher como principal responsável dentro de casa. Além disso, 5,5 milhões de pessoas com até 30 anos de idade não têm um pai no seu registro de nascimento. E a legislação de certa forma desvaloriza a figura paterna, concedendo apenas cinco dias de licença-paternidade.
Cerca de um mês antes da data, a Diageo havia ampliado mundialmente para seis meses o período de licença-paternidade para todos os funcionários. Com esse “gancho”, e graças aos insights coletados, a [Em Branco] desenhou uma campanha bem mais ambiciosa do que seria a abordagem tradicional de propor “um brinde entre pais e filhos”. Luciana explica:
“Hoje, ser pai não tem o significado de antes. A propaganda é um convite bonito a se atualizar, incentiva os pais a explorarem as possibilidades. Combina demais com o slogan da marca, ‘continue andando’. Ou seja: falhei, mas posso fazer melhor”
No vídeo lançado pela marca, entrevistados falam sobre a relação com seus pais, o que faltou da parte deles e o que gostariam de fazer diferente na criação dos seus filhos.
DESAFIOS: APROXIMAR-SE DE LIDERANÇAS E DOSAR O ESTILO DE COMUNICAÇÃO
De julho de 2018 até julho deste ano, a [Em Branco] faturou R$ 2,8 milhões. A empreendedora conta que, neste momento, seu objetivo é se aproximar mais de lideranças empresariais, abrindo conversas e engajando empresas a promover transformações sociais.
Luciana reconhece, porém, que precisa também trabalhar a maneira como ela própria se comunica, às vezes de forma muito enfática.
“Meu maior desafio hoje é esse, aprender a dosar essa ênfase, que pode soar como uma competitividade que não necessariamente tenho dentro de mim. Não quero perder a paixão — e sim aprender a dedicar energia ao que importa”
Outro desafio, diz, é entender que toda transformação requer tempo e paciência.
“Vivemos em um mundo que convida todos a terem responsabilidade, um mundo que mostra que pretensos líderes e heróis não vão fazer nada por ninguém. É um chamado para que as pessoas façam algo a partir do lugar que ocupam.”
“Como pode ser grande um povo cujos artistas não têm sequer material para trabalhar?” Para responder a essa queixa histórica, dois pintores se uniram e fundaram a Joules & Joules, que produz tinta a óleo de qualidade a preço justo.
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