Imagine o drama: seu avô se perde numa viagem e, sofrendo do Mal de Alzheimer, passa dias desaparecido. Esse foi o susto enfrentado por Daniele Ortiz e sua família. O incidente se deu durante uma excursão a Aparecida (SP). Quando a avó retornou do banheiro, o marido já não estava lá – e logo o ônibus precisou partir.
“Ele conversava com todo mundo e as pessoas não percebiam que ele estava perdido”, lembra Daniele. “Parecia apenas um idoso passeando.” Foram três dias até que os parentes, aliviados, reencontraram o patriarca.
Anos mais tarde, o episódio inspirou a criação de uma solução inovadora: uma pulseira com tecnologia GPS desenvolvida pela equipe Robotics School, do SESI de Ourinhos (SP). O protótipo valeu o título nacional do First Lego League 2013, em Brasília, e o vice mundial no World Festival, em St. Louis, nos Estados Unidos.
Natural de Ourinhos, a 370 km da capital paulista, Daniele era a técnica daquele time – e seu filho Daniel, então com 11 anos, um dos integrantes. Naquela temporada, o tema da FLL, principal torneio de robótica do planeta (promovido no Brasil pelo SESI), era Senior Solutions, ou seja, soluções para a terceira idade, voltadas a deixar os idosos mais engajados, conectados, independentes.
Batizada de Pulseira Guardian, a solução da equipe de Ourinhos emite um sinal de geolocalização e funciona integrada a um aplicativo, por meio do qual o responsável pelo idoso pode mapear seus movimentos num raio pré-estabelecido. Resistente à água, o adereço emborrachado traz, gravado em código de barras (por segurança), o telefone do familiar ou cuidador a ser acionado, caso o idoso se perca.
“Conversamos com engenheiros do SENAI, estudamos as tecnologias necessárias, incluindo GPS e tornozeleira eletrônica”, diz Daniele. “Adquirimos os conhecimentos que precisávamos para aplicar ao desenvolvimento da pulseira.”
A pesquisa de campo abarcou ainda conversas com geriatras, profissionais da Secretaria de Saúde e também com membros de um grupo da terceira idade frequentado pela mãe de Daniele, incluindo pessoas que já estavam passando por algum processo de esquecimento ou confusão mental, comuns nessa fase da vida.
Patentear o produto não é uma prioridade porque o foco do SESI é educacional. “Mesmo assim, fazemos uma investigação de viabilidade, independentemente de se o projeto vai se tornar real um dia.” No caso, a equipe estudou a possibilidade de a pulseira ser oferecida pela rede pública a pacientes diagnosticados com Alzheimer. O custo aproximado seria de R$ 230 por unidade.
Se viesse a ser desenvolvida, a Pulseira Guardian também poderia ser usada por crianças em viagens à Disney, por exemplo. Na época do projeto, a repercussão levou a turma do SESI de Ourinhos à TV, com aparições no Bom Dia Brasil e no Esquenta!, da Rede Globo, e num episódio da série “Futura Profissão”, do Futura.
“Fomos procurados também por muitos jornais. E por pessoas”, ela conta. “Houve um senhorzinho que nos procurou: ‘Estou começando a ficar esquecido. A minha família se preocupa demais. Como eu faço para comprar a pulseira?’”
Daniele tem 41 anos. Cresceu “entre componentes e soldas”, brincando nas duas oficinas eletrônicas vizinhas, a de seu avô e a do seu pai. Fazer o curso técnico em Eletrônica durante o Ensino Médio foi uma escolha natural. Mais tarde, ela cursou Processamento de Dados, em Ourinhos, e Matemática em Jacarezinho (PR).
Graduada, começou a trabalhar como professora de informática na rede municipal. Fez ainda Pedagogia e licenciatura em Análise de Informações. Por volta de 2008, participou da implantação pioneira dos primeiros kits LEGO na rede SESI, levando aos alunos o aprendizado da robótica educacional. E, no ano seguinte, começou a trabalhar a formação das equipes para participarem das primeiras competições:
“A equipe Robotics School, de Ourinhos, tem um grande histórico de competições. Já no primeiro ano, em 2009, fomos campeões estaduais de duas modalidades. Foi uma participação brilhante. Eu não esperava!”
O bom desempenho valeu a Daniele um convite do SESI para acompanhar outro time, de São José do Rio Preto, no Mundial realizado em Taiwan. De volta, com a vivência fresquinha na bagagem, ajudou a equipe de Ourinhos a alçar novos voos.
“Em 2010, fomos vice estaduais, ficamos em quinto no Nacional e fomos para a Holanda, onde conquistamos o terceiro lugar em Programação”, lembra Daniele. Na temporada seguinte, 2011/2012, a equipe arrebatou os troféus de Estratégia e Inovação de Robô da etapa nacional. Mais um ano se passou e vieram o título brasileiro e o vice mundial em St. Louis, com a Pulseira Guardian.
Aquela temporada foi sua última como treinadora. Há cinco anos, Daniele atua como analista técnica educacional, capacitando professores de 13 escolas do SESI na região para trabalhar com ciência e tecnologia na sala de aula. Os kits de robótica educacional da LEGO estão ao alcance de todas as turmas, em qualquer disciplina.
“Do sexto ao nono ano, por exemplo, os estudantes já vão ter contato nas aulas de Matemática e Ciências. Mas se o professor de Geografia quiser desenvolver um trabalho com o material, está disponível.”
Daniele destaca alguns dos benefícios da abordagem, como o aprimoramento do raciocínio lógico e da capacidade de trabalhar em equipe. As apresentações orais ajudam os alunos a perder a timidez. Outro ganho é no aprendizado de pesquisa.
“Para desenvolver projetos há todo um trabalho de base. Não é apenas ‘copiar e colar’ um arquivo da internet. O aluno precisa buscar certas fontes, aprende como documentar e como fazer uma pesquisa embasada.”
Daniel, o filho, tem agora 17 anos e vai prestar vestibular para Engenharia e Análise de Sistemas. Daniele continua engajada nas competições: ela atua como juíza em torneios internacionais e faz parte, como voluntária, da coordenação da Olimpíada Brasileira de Robótica, da qual o SESI participa. Em novembro, a etapa nacional, em João Pessoa, classificará a equipe campeã para o Mundial na Austrália.
“Estou envolvida nessa área porque acredito muito na transformação desses alunos, e no preparo deles para o mundo.”