No camarim do estúdio, enquanto é maquiado para a gravação do Sebraecast, Lusa Silvestre, 48 anos, diz que não gosta de sets de filmagem. Soa estranho: afinal, ele está ali justamente para falar de sua carreira no cinema. Mas daí vem o complemento, em tom de piada: “No set não se pode tocar em nada, é difícil para quem é estabanado. Viu? Derrubei café aqui.”
Ao longo da gravação, ele mantém esse bom humor (e as câmeras do set em pé) enquanto fala sobre como sua vida mudou a partir de abril de 2017, mês em que deixou a WMcCann, uma das maiores agências de publicidade do Brasil (e onde ele trabalhara por 21 anos). Com a demissão, veio a coragem para se assumir como roteirista, profissão que ele tocava em paralelo à carreira de publicitário havia mais de uma década. “Sempre gostei de escrever. Agora saí do armário!”
Foi o gosto pela escrita que levou Lusa a optar pela faculdade de Publicidade e Propaganda, cursada na USP, no fim dos anos 80. Chegou a pensar em Jornalismo, Direito e até Cinema – mas achou que ia se divertir escrevendo para propaganda.
“Diziam que era divertido, e realmente foi durante todo o tempo de agência. Peguei a fase da propaganda clássica, dos outdoors, anúncios em revista. Era uma delícia.”
Na virada dos anos 2000, ele passou a trabalhar mais como executivo do que redator. O lado bom eram as viagens, que lhe davam prazer, mas sentia falta da escrita. Para compensar, teve a ideia de escrever para revistas, como colaborador, e enviou e-mails a editores (na “cara de pau”, sem conhecer ninguém). Na VIP, a primeira a lhe dar uma chance, foi colunista mensal por dois anos. Colaborou também com Playboy, Superinteressante, Época e Marie Claire, entre outras.
“Eu escrevia sobre a eterna luta entre os sexos, o nada, o irrelevante, o que eu via na rua, a calça saruel… Eu adorava!”
Em 2003, Lusa escrevia alguns contos gastronômicos (que seriam compilados em 2005, com o título de Pólvora, Gorgonzola & Alecrim) e pensou que um deles, “Presos pelo estômago”, poderia virar um curta metragem. Sugeriu a ideia ao diretor Marcos Jorge, que devolveu: “e se fosse um longa? Antes mesmo da estreia, em 2008, Estômago já havia arrebatado premiações em vários festivais de cinema: Rio, Berlim, Londres, Montevidéu, Biarritz… (ao todo, foram 52 prêmios!)
A vida dupla de Lusa estava em franco progresso, mas lhe consumia bastante energia. Ela ia para a agência de manhã e trabalhava em publicidade até meio-dia. Almoçava correndo e escrevia para cinema até 14h30, diariamente. Em várias noites ele se viu viajando ao Rio para participar de leituras de roteiro, e precisando retornar no dia seguinte direto para a agência.
“Eu me esfolava. O que ajudava muito era ter um norte em mente, lembrar do motivo de tanto sacrifício.”
São deste período os roteiros para filmes como Muita Calma Nessa Hora 2 ( 2014), com quase 2 milhões de espectadores. Convites, incentivos e oportunidades não paravam de chegar – mas cogitar abrir mão do do salário da agência era algo que assustava.
Juntos há 25 anos, Lusa e a psicopedagoga Chris têm dois filhos (Alice, de 18 anos, e André, de 17), então largar o emprego não era uma decisão fácil. O jeito foi continuar “equilibrando pratos” até que um deles caísse – e ele já suspeitava qual seria. Na visão de Lusa, fatores como as redes sociais vêm alterando o mercado da propaganda.
Sua saída aconteceu quando a agência perdeu uma conta. Na mesma época, outros cinco filmes seus já tinham estreado: Depois de Tudo (2015), Mundo Cão (2016), Um Namorado Para Minha Mulher (2016), O Roubo da Taça (2016) e A Glória e a Graça (2017). Outros dois já estão filmados, em fase de pós-produção: Amigas de Sorte e O Pulo do Gato. Até agora, são 10 filmes – por enquanto.
O roteirista segue enfileirando trabalhos e sabe que é uma exceção no mercado do cinema. Ainda assim, não vê o ambiente como arriscado. Ele destaca duas questões, ambas ligadas ao tempo – tempo de trabalho e tempo em cartaz:
“Se a produção, a ideia e o projeto seguem o caminho correto, dá certo, mas demora. Só que você vai ser pago por todos esses anos. Estômago, por exemplo, demorou quatro anos. A Glória e a Graça, dez”, diz Lusa, lembrando também que a permanência dos filmes nas salas de cinema às vezes não supera uma semana. “Mas hoje temos outras opções [para exibir o filme], como canais e video on demand.”
Lusa exercitou a pena também como cronista. Em 2014, foi convidado pelo O Estado de S. Paulo para escrever semanalmente para o site do jornal. Três anos depois, quando resolveu deixar a função para se dedicar exclusivamente ao cinema, somava já 120 crônicas publicadas.
“A repercussão era enorme, cheguei a ter cem mil compartilhamentos de textos meus! Pode ser que eu volte. Por enquanto, escrever roteiro me ocupa todas as horas do dia.”
Agora mesmo ele está trabalhando em nada menos do que quatro roteiros: Estômago 2, In Vino Veritas, Quase Eu e mais um filme que será rodado em setembro, com direção de Lázaro Ramos.
“Cada roteiro está em um estágio diferente de desenvolvimento: um tem mais coisa pra resolver, outro está quase no ponto de rodar…”, diz Lusa. “Vou levando sem precisar trabalhar nos fins de semana.”
Em algum momento no meio de tudo, Lusa achou tempo para escrever um segundo livro. Noturnas é um suspense psicológico previsto para chegar às livrarias no segundo semestre de 2018. O autor diz que pensou na história, inicialmente, para um filme. “Mas todo mundo dava palpite, então resolvi publicar como livro. Assim ninguém se mete no meu enredo!”
Tomara que a tática dê certo e o filme – além do livro, claro – saia logo!
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O Sebraecast apresenta uma série de entrevistas com empreendedores sobre startups, negócios criativos, negócios sociais, inovação corporativa e lifehacking. Confira a websérie em youtube.com/sebrae e o podcast em soundcloud.com/sebrae!