Oitenta mil por ano. Esse é o número aproximado de voos de helicópteros pelos céus de São Paulo. Com cerca de 410 aeronaves desse tipo (segundo informação da prefeitura), a capital paulista aparece com frequência no topo do ranking das cidades com as maiores frotas de helicópteros do planeta.
Trata-se, claro, de um meio de transporte para poucos. E assim permanecerá. Porém, a Revo aposta que pode baratear (relativamente falando) e simplificar esses deslocamentos.
Parte do grupo português OHI (Omni Helicopters International), que controla a Omni Táxi Aéreo, líder em transporte aéreo offshore na América Latina, a Revo surge no mercado com dois helicópteros que somam 13 assentos e um aplicativo que usa inteligência artificial para estabelecer os horários com maior demanda – semelhante à dinâmica de apps como Uber e 99.
“O cliente entra no aplicativo, escolhe a rota, vê os horários disponíveis e compra seu assento”, diz João Welsh, CEO da Revo. “Esse é um grande diferencial. Não precisa fretar a aeronave. Você compra um assento único ou dois, como numa companhia aérea.”
Cada assento custa entre 3,5 mil e 5 mil reais, dependendo do trajeto — a partir do final de setembro, os preços devem passar a flutuar de acordo com a demanda e o dia da semana. Não existe lotação mínima: mesmo se apenas um cliente reservar, o voo é realizado normalmente e o preço se mantém. Em comparação, segundo a empresa, o valor para fretar uma aeronave inteira em São Paulo vai de 16 mil a 25 mil reais.
Atualmente, são duas rotas fixas. Uma liga o Aeroporto Internacional de Guarulhos a um heliponto na Avenida Brigadeiro Faria Lima (onde fica a sede da Revo, na esquina com a Presidente Juscelino Kubitschek), em São Paulo. A outra rota conecta a cidade e a Fazenda Boa Vista, complexo residencial de alto luxo em Porto Feliz, perto de Sorocaba, a cerca de 100 quilômetros da capital paulista.
O objetivo da Revo é transportar 3 700 passageiros neste ano. A busca por passagens de segunda a sexta-feira, porém, ainda está aquém do esperado. “Aos finais de semana, já não temos mais disponibilidade, estamos na capacidade máxima”, diz Welsh. “Durante a semana, porém, precisamos começar a adotar novos horários e preços para entender onde é que está o público.”
Além de expandir o número de aeronaves e voos, a Revo pretende ampliar as alternativas. A startup já tem acordos assinados com a Eve Air Mobility, spin-off da Embraer, para adquirir eVTOLs — os chamados carros voadores — assim que os veículos estiverem disponíveis no mercado.
Português hoje baseado no Brasil, o CEO da Revo fala ao Draft, a seguir, sobre os planos da empresa, o futuro do transporte aéreo e dos carros voadores e o impacto da inteligência artificial para o planejamento no setor:
Como surgiu o projeto da Revo? E qual impacto vocês esperam que a empresa traga para a mobilidade de uma cidade como São Paulo?
A ideia da Revo começou a ser desenvolvida durante a pandemia, há cerca de três anos. Na Omni, somos a maior operadora de helicópteros da América Latina e começamos a pensar no que poderíamos fazer com nossa experiência em voar, prestando atenção nesse problema de mobilidade urbana.
Por outro lado, também começamos a falar com os produtores de eVTOLs [sigla em inglês para “veículo elétrico de pouso e decolagem vertical”], nessa mesma época. Pensamos o que podíamos fazer com nosso know-how, estando numa das cidades, dentro do nosso “quintal” [a América Latina, onde a Omni Táxi Aéreo atua], que tem um dos maiores problemas de mobilidade urbana no mundo.
Aí lançamos a Revo, um projeto que explora uma solução para a mobilidade das pessoas.
Identificamos que as revoluções de transporte na história começam sempre pela alta renda, pessoas que têm capacidade de compra e querem ser pioneiras. Por isso desenhamos o projeto inicial dessa forma, mas com o intuito de explorar as diversas tecnologias, as rotas e os horários em que faz sentido voar, para entender esse novo ecossistema
Hoje, as notícias fazem parecer que estaremos todos daqui a uns anos voando em eVTOLs. Só que as estradas não vão ficar vazias, senão voltaríamos todos a dirigir, porque seria mais fácil e prático.
Queremos entender esse equilíbrio entre voar e andar no chão. Algo que estamos iniciando agora com helicópteros, mas no futuro também com outras tecnologias.
Como funciona a jornada dentro da Revo para quem quer pedir um helicóptero?
Temos um aplicativo que faz a reserva completa, com rotas pré-definidas em horários fixos todos os dias. Essas rotas saem da zona sul para o Aeroporto de Guarulhos, um dos trajetos de maior estresse na parte urbana, e também para a Fazenda Boa Vista.
É uma tendência que temos visto muito, de pessoas de alta renda comprarem suas casas para passar um final de semana a alguma distância.
O cliente entra no aplicativo, escolhe a rota, vê os horários disponíveis e compra seu assento. Esse é um grande diferencial. Não precisa fretar a aeronave. Você compra um assento único ou dois, como numa companhia aérea.
Esse serviço inclui tudo. Pegamos o cliente de carro em sua casa e não tem que pagar bagagem extra. Se não couber na aeronave, oferecemos um transporte terrestre. E também fazemos o transporte final com o carro do heliponto até o destino.
Queremos integrar os transportes aéreo e terrestre para entender como fazer esse fluxo todo de forma equilibrada. Também realizamos o fretamento da aeronave na medida para o cliente, com um preço adequado, se ele quiser passar o final de semana em Angra, Guarujá, ou outro destino qualquer.
No geral, quanto tempo leva esse processo?
É possível fazer a reserva até 24 horas antes pelo aplicativo. A viagem para o aeroporto é muito rápida, uns dez minutos.
Mas costumo dizer que voar é a parte fácil, o mais complexo é levar o cliente até o helicóptero. Aí é que prestamos muita atenção. Obviamente, voar é nossa expertise, mas queremos poupar tempo tanto na parte inicial quanto final da viagem
Temos simulado a viagem por terra exatamente no mesmo horário em que pegamos o cliente, como se ele fosse entrar num Uber, para fazer essa medição.
Portanto, até o destino final, temos poupado de 40 a 45 minutos no trajeto durante os horários de maior tráfego.
Hoje vocês contam com quantas aeronaves? Como tem sido esse fluxo de passageiros?
O projeto se inicia com duas aeronaves. Uma já está voando, a outra deve começar em algumas poucas semanas. A aeronave maior tem até oito assentos e a menor leva até cinco pessoas.
No primeiro mês, estamos com uma média de cinco voos, um voo por dia mais ou menos. Mas temos visto uma maior tendência no final de semana. Durante a semana, há alguns, mas ainda está em processo de evolução.
Já existem outras empresas de voos fretados que oferecem serviços semelhantes. O que a Revo traz de diferencial?
Um dos principais fatores é a segurança. Estamos na melhor operadora de helicópteros da América Latina. Nossos principais clientes na Omni são empresas de petróleo, como a Petrobras e Shell, e nosso padrão de segurança é o mais elevado do mundo no uso de helicópteros. É o mesmo que utilizamos na Revo.
Isso é muito importante para a mobilidade urbana: as pessoas saberem que estão voando em segurança. O segundo fator é a possibilidade de transporte individual. Até hoje isso ainda não tinha sido possível, era preciso sempre fretar uma aeronave inteira
E, por último, a possibilidade de o cliente ter um serviço integrado. Ou seja, se quero sair da minha casa e chegar ao destino final, todo o transporte é organizado pela mesma entidade. Não é preciso juntar vários serviços e torcer para o tempo ser suficiente.
Nós fazemos toda a gestão do tempo para o cliente. Esse é um fator muito importante, pois traz conforto e comodidade.
Recentemente, a Omni recebeu o prêmio Shell de Liderança em Segurança. Há alguma diferença de cultura em relação à Revo nesse quesito?
A cultura de segurança da Revo é a mesma da Omni. Seguimos o mesmo padrão, mas com uma atenção diferente relacionada ao tipo de cliente.
Representantes da Shell, por exemplo, são pessoas já muito habituadas a voar. Já nós [da Revo] temos um público-alvo composto por clientes que estão voando nesse tipo de transporte pela primeira vez, que não entendem tão bem o que diferencia a segurança.
É nosso papel passar esses valores para que, mesmo não voando com a gente, consigam diferenciar um voo seguro de um não seguro. Essa é a única nuance, mas de resto seguimos os mesmos padrões.
Essa é a primeira iniciativa nesse sentido da Omni? Por que lançar o projeto em São Paulo, em comparação a outras grandes cidades?
É o primeiro projeto de mobilidade urbana da empresa. Escolhemos São Paulo porque nosso DNA está aqui, somos uma empresa brasileira [a sede da Omni Táxi Aéreo fica no Rio de Janeiro].
E São Paulo é uma cidade que tem todos os ingredientes. Um tráfego que, para além de livre ou congestionado, é imprevisível. Por conta disso, trouxemos a inteligência artificial, para nos ajudar a entender esses padrões
Ao olho do ser humano, identificar isso ainda é muito difícil. E é uma cidade de alto poder aquisitivo, existe um custo muito alto de viver em São Paulo.
Em terceiro lugar, tem também o fluxo de voos. No Aeroporto de Guarulhos, existe um fluxo muito grande de passageiros com passe premium, que viajam na primeira classe e classe executiva.
Por esses fatores todos, é a cidade em que faz mais sentido lançar um projeto desses.
Como tem sido esse uso da inteligência artificial para a mobilidade urbana, especialmente na projeção dos trajetos?
O que a IA faz é nos dar a resposta de quando faz mais sentido voar.
Não queremos oferecer horários aleatoriamente, então ela é alimentada com toda a informação de padrões de trânsito da cidade, o fluxo do Aeroporto de Guarulhos voo a voo, quantos passageiros viajam nas classes mais altas e as zonas da cidade em que vivem as pessoas de maior renda.
Depois, ao acessar todas as possibilidades, o sistema vai atualizando e nos dizendo o que devemos fazer com as aeronaves. Assim, criamos padrões de voo de forma inteligente e que faça sentido para os clientes
E isso vai se atualizando à medida que vamos voando mais. Não é algo estático. A informação vai mudando de acordo com as informações dos clientes.
Vocês tiveram um investimento inicial de 5 milhões de dólares. Para quais principais pontos foi direcionado esse investimento?
Esse investimento é somente para a plataforma, não inclui a parte da aviação e aeronaves. Estamos falando de dois terços em tecnologia, IA e desenvolvimento do aplicativo.
O resto tem a ver com toda a parte de estudo de mercado e design para criar uma marca que seja atrativa, transmita os valores da Revo.
Para você, pessoalmente, como está sendo essa mudança – de país, inclusive – ao assumir um empreendimento desse porte no Brasil?
Foi com muito agrado. Já estou no grupo há mais de dez anos e sempre viajo para o Brasil a trabalho.
Nos últimos três anos, estava como diretor de frota, e muito integrado nas conversas com fabricantes de eVTOLs, essa nova dinâmica da mobilidade urbana. Então, é um projeto que vai mexer com o assunto que eu estava explorando e começando a entender
No momento, estou sozinho aqui [no Brasil], mas devo me mudar com a família toda daqui a alguns poucos meses. Estamos todos contentes, é um bom desafio, um país do qual todos gostamos. Encaramos como uma coisa muito positiva.
Quais são os valores e as expectativas de faturamento?
Lançamos o preço inicial para a rota de Guarulhos por 3,5 mil reais por assento, mas o valor deve começar a flutuar em breve. A partir do final de setembro, deve mudar de acordo com a demanda. Então é normal que flutue em alguns horários, podendo chegar a 2,5 mil reais ou até subir um pouco, dependendo da procura.
Nosso objetivo principal é transportar cerca de 3 700 passageiros neste ano.
Que resposta têm recebido dos clientes? Quais os principais desafios até o momento?
O feedback tem sido bastante positivo. Os clientes estão gostando da experiência, das aeronaves, entendem que é uma aeronave com outro nível de segurança e um design com um certo impacto.
Também tivemos um bom feedback em relação à equipe. Há sempre um host que acompanha o passageiro durante todo o processo
Amanhã, vamos fazer um voo de um cliente que já virou regular e disse que, pelo valor pago e a economia de tempo, tem sido muito bom.
Aos finais de semana, já não temos mais disponibilidade, estamos na capacidade máxima. Durante a semana, porém, precisamos começar a adotar novos horários e preços para entender onde é que está o público.
Vocês pretendem ampliar as rotas fixas? E a área de atendimento?
Já estamos discutindo adicionar aeronaves à frota para o próximo ano. Mas precisamos começar a ter informação suficiente para usar no nosso algoritmo de IA.
Daqui a um ano, se, por exemplo, começarmos a estabelecer um padrão em Angra dos Reis, para onde temos voado muito, podemos abrir uma rota. O mesmo para outros destinos que têm muito fluxo aos finais de semana
Mas primeiro precisamos passar por todo esse processo de recolher informação para criar trajetos que façam sentido. Está em nossos planos incluir pelo menos mais cinco rotas nos próximos anos.
Como os eVTOLs se encaixam nesse futuro da empresa?
Queremos nos posicionar como uma solução de mobilidade urbana. Entre usar um helicóptero ou eVTOL, o que importa é ser a tecnologia que funciona melhor, com mais valor e segurança para nosso cliente.
Nosso trajeto até lá é avaliar os projetos com muita atenção e, quando acreditarmos que existe um vencedor, fazer todos os testes para realizar a transição em segurança para os eVTOLs.
Mas, na minha opinião, os eVTOLs não vão se tornar algo democrático já no primeiro dia. Toda nova tecnologia é cara.
Devemos passar por uma fase em que o acesso ao transporte aéreo urbano será só para alguns. Nossa intenção é conseguir desenvolver isso para que se torne o mais democrático possível
Não deve acontecer nos próximos cinco anos, pelo que sei hoje. Mas a longo prazo essa é a ideia.
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