Rodrigo Oliveira, fundador da GR6: “Hoje mais jovens querem ser funkeiros do que jogadores de futebol. Precisamos mostrar que eles podem”

Nascido em Recife, Rodrigo Oliveira se mudou para São Paulo com a família quando tinha apenas 9 anos. Na cidade, eles viveram por mais de cinco anos num porão, e, como trabalho, o jovem chegou a andar vários quilômetros nas madrugadas colando cartazes políticos nos postes da cidade. Mas foi na música que ele acabou se encontrando.

Três décadas depois, o empresário Rodrigo está à frente da GR6, onde construiu um verdadeiro império do funk e da música urbana. Tendo rompido recentemente a barreira dos 40 milhões de inscritos, o GR6 Explode é atualmente um dos canais mais acessados do YouTube no país — perdendo só para mega sucessos como a Galinha Pintadinha.

Por mês, a empresa organiza cerca de mil shows e grava mais de 70 clipes, com uma base de artistas que inclui nomes como MC Hariel, Don Juan, Livinho, MC Ryan, entre vários outros (incluindo MC Bin Laden, que hoje está no Big Brother Brasil 24).

Essa trajetória começou para Rodrigo em cima dos palcos, como vocalista do grupo de pagode 6ª Arte. “Eu corria para trazer uma melhora para minha família. Acreditava ser a única pessoa que podia virar esse jogo, e graças a Deus consegui.”

Com o sucesso do grupo, o empreendedor começou a levar MCs para tocar nas festas que organizava. O projeto deu tão certo que ele logo decidiu deixar a carreira de artista para trás e atuar 100% por trás dos holofotes.

Após montar em plena pandemia uma estrutura ambiciosa para sua nova sede na Zona Norte da capital paulista, com direito ao maior estúdio de música da América Latina, o objetivo agora é expandir para o mercado internacional. 

“Quero abrir uma GR6 na Europa, uma em Miami… O primeiro passo deve ser em Portugal, porque os artistas estão performando muito por lá”, conta o empresário.

Na conversa a seguir com o Draft, Rodrigo aborda sua trajetória pessoal e profissional, a diversidade do mercado musical no Brasil e a importância de manter viva a esperança de jovens das periferias que sonham virar artistas e mudar de vida por meio da música.

Você iniciou sua trajetória na música como artista, com o grupo de pagode 6ª Arte. O que te levou para o lado de empreendedor nesse mercado?
Eu comecei na música por necessidade. Um amigo me chamou para cantar num grupo de pagode porque me viu cantando forró num barzinho. Ali enxerguei um caminho para mudar de vida. Foi uma transformação do pagode para festas, funk e para empresário. 

Era um caminho para que não fizesse coisas erradas, como muitos amigos que morreram vendendo drogas, roubando… Fui um cara muito abençoado por isso. Foi um desafio, mas um caminho que eu gostava. 

Eu cantava pagode, e as pessoas passaram a encher os lugares. Aí comecei a levar junto um MC da quebrada e botava para tocar. Percebi que tinha um caminho ali

Acabei parando de cantar porque o negócio cresceu muito e comecei a fazer eventos, a trazer para festas os caras do Rio e da Baixada, onde o funk estava muito forte. 

Foi quando conheci o MC Daleste, que queria que eu empresariasse ele, o Léo da Baixada. Fui eu quem pagou o primeiro clipe do MC Guimê, da música “Tá Patrão”, que saiu por 400 reais. 

Você tinha vindo do Recife para São Paulo com a família quando tinha só nove anos? Foi difícil essa adaptação?
Cheguei em São Paulo em 1994, fomos morar num porão. Meu pai já vinha de Recife devendo para todo mundo. 

Minha vida tinha tudo para dar errado. Até se eu fizesse alguma coisa errada, a família teria apoiado. Pelo menos estaria trazendo dinheiro para casa. 

Também trabalhei demais. Andei 15 km na madrugada com escada nas costas, para pregar propaganda de político em poste. Trabalhei na editora Abril, na Fiat, numa empresa de borracha… 

Eu corria para trazer uma melhora para minha família. Acreditava ser a única pessoa que podia virar esse jogo, e graças a Deus consegui.

Você já imaginava a dimensão que o negócio iria alcançar?
Nem nos melhores sonhos imaginava o que aconteceu na GR6. Esperava muito menos na minha vida. Todo dia eu acordo e acho que estou sonhando. Moro num dos lugares mais caros do país, tenho casa nos EUA e comando uma das maiores empresas da América Latina. 

Não dava para imaginar. Brinco que Deus apertou o play e esqueceu de tirar a mão. Já editei mais de 100 artistas de música urbana vendáveis, mais de 100 em construção… 

Temos a maior plataforma, um dos maiores canais de YouTube da América Latina, a maior distribuidora de conteúdo de música urbana da América Latina. Fechamos os maiores contratos com todas as gravadoras, Sony, Warner, Believe, ONErpm, Som Livre. Amigos que cantavam comigo no pagode hoje trabalham na empresa, vendendo shows na nossa plataforma.

A GR6 é considerada a maior produtora de música urbana da América Latina, com um canal no YouTube que tem mais de 40 milhões de inscritos. Que elementos fazem com que a GR6 tenha destaque nesse mercado tão competitivo?
O que fez a diferença foi eu estar aqui, viver isso todos os dias, sempre buscando inovar. A GR6 não é uma empresa jovem, já tem 20 anos no mercado. De CNPJ são 10, mas estou há 20 performando. Então andei em todos os circuitos. Vendi show, fiz festa, fui empresário de MC e dono de produtora, editora e agora gravadora. 

Acredito que eu, os artistas e os grandes profissionais que a gente vai trazendo, que têm o nosso perfil, fizeram isso acontecer. 

Estamos em evolução constante, todo dia pensamos em coisas novas: ah, vamos fazer DVD para um artista, uma feira da música, comemorar 40 milhões de inscritos, mudar nossa diretoria, chamar um cara das antigas… O Ice Blue, dos Racionais, por exemplo, agora vai ser nosso vice-presidente

Então, estamos sempre inovando. A GR6 é uma empresa velha, mas a Coca-Cola é velha também e continua performando. Eles não param de divulgar nem de fazer coisas novas.

Quantos shows a GR6 costuma fazer em média? E quantos clipes gravam?
Hoje fazemos 1 mil shows e gravamos de 70 a 80 clipes por mês, um investimento de mais de 1 milhão de reais mensais em videofonogramas e fonogramas.

Vocês atuaram e atuam com grandes artistas do funk, nomes como MC Kevin, MC Ryan, MC Livinho, Hariel, Don Juan… Como é esse contato diário com os artistas?
Primeiro a gente tem que ter gestão de pessoas, estar próximo dos artistas para só depois pensar no negócio. 

Tirei o MC Kevin de uma casa invadida, abandonada, e ele ficou dez anos comigo. Dez dias depois que ele pediu distrato para a GR6, aconteceu aquilo lá [MC Kevin morreu no dia 16 de maio de 2021 após cair da varanda de um prédio]. Quando conheci o MC Pedrinho, a mãe dele estava fazendo frango à passarinho e as irmãs dormindo, tudo num cômodo só 

Sou muito próximo dos meus artistas, esse é o diferencial da GR6. Não é só dinheiro. É estar ali, perguntar o que ele tem, do que a família precisa… Se o cara não está bem em casa, não vai produzir. 

Qual é o processo de descoberta e chegada dos artistas? Como fazem para saber quem já está bombando ou deve bombar nesse cenário?
Hoje é muito mais fácil, porque agora temos nossa plataforma GR6, que virou referência. A gente tem a Base Records [selo da empresa voltado para a nova geração de artistas], que cuida dos artistas que chegam. Eles podem jantar, almoçar, dormir e ainda pagamos uma ajuda de custo. 

Inclusive, por lá explodiu um artista chamado MC Luki, que a gente subiu para a GR6. Em novembro, ele estava me pedindo 60 reais. O moleque era ajudante de pedreiro. Hoje, faz mais de 100 mil reais de agenda por mês 

Então, com o financeiro que a GR6 conseguiu, pudemos alinhar esses projetos.

Até o início dos anos 2000, o funk e outros ritmos periféricos ainda eram mal vistos e sofriam preconceito. Esse pensamento já mudou, principalmente com essa popularização? Ou ainda existe muito preconceito com ritmos que vêm da quebrada?
Temos que falar do trabalho que a Anitta fez do funk para fora, os players que ela conseguiu. Estamos entrando nos grandes festivais: Lollapalooza, Rock in Rio, The Town, Festival de Verão em Salvador. 

Essa entrada da TV também melhorou muito, porque existia muito preconceito. E vários artistas da GR6 performaram, como MC Livinho, MC Ryan, Hariel, artistas que estão na TV hoje. 

As pessoas entendem que não é só aquela coisa periférica, “putaria”, como costumavam falar da música. Os moleques cantam uma coisa consciente, uma mensagem de que é possível mudar de vida 

Respeito muito a Anitta e a Ludmilla pelo que fizeram pela música, os Racionais lá atrás também. Pavimentaram o caminho que a gente está pisando hoje, foi muito bom para a música urbana.

Hoje vocês vêm atuando em feats com outros gêneros musicais, como sertanejo, samba, piseiro, trap… Eles devem crescer ainda dentro da GR6?
A gente trabalha com todos os gêneros. Maiara e Maraisa, João Gomes, Safadão, que gravou com o Ryan, Don Juan gravou com Gusttavo Lima, Livinho gravou com Luan Santana e Ivete. Isso ajuda muito a performar. 

O Bin Laden, que é um artista nosso, hoje está no Big Brother. Ele gravou com Gorillaz, um feat internacional. É muita coisa, a gente conseguiu andar nesse caminho. Eles também ajudaram muita gente, tem seguidor deles que não curtia funk. 

Outro dia fui no meu nutrólogo, que cuidou da Maiara e Maraísa, Marília Mendonça, um cara muito famoso em São Paulo. Ele me falou que gostou do Bin Laden no Big Brother. Achava que o funk era uma coisa, mas hoje viu que era outra. As pessoas precisam enxergar isso 

Quem abriu essas portas foi a Globo, a Anitta, o Safadão, que permitiram conhecer esse outro lado do funk. Esse nutrólogo era um cara que não gostava do funk, mas gostou mais do Bin Laden que da Wanessa Camargo e do Rodriguinho, que é do pagode. Com essas portas se abrindo, o preconceito vai diminuindo.

Diferente de muitas outras empresas, vocês acabaram investindo e crescendo durante a pandemia. Como foi esse período?
Em 2019, logo antes da pandemia, fechei um dos maiores contratos da música brasileira, com a Universal Music. A partir daí, quando fechou tudo, fiquei pensando o que fazer para mostrar resultado para eles. 

Então construí a nova GR6, uma estrutura gigantesca, e comecei a trabalhar em muitos fonogramas. 

Fiz feat com Alok e um monte de artistas — a música “Cracolândia”, um grande sucesso, com mais de 400 milhões de visualizações —, investi no digital e em estrutura. Quando reabriu, já começamos gigantes 

Se todo mundo estava voltando a trabalhar, nós já estávamos trabalhando fazia tempo. Isso porque a gente tinha recursos em parceria com empresas internacionais, a Ingrooves, a Virgin Music e a Universal. Por isso a gente saiu na frente.

A GR6 e a KondZilla sempre foram meio rivais nesse universo. Como aconteceu a parceria GR6Zilla? O que é exatamente o projeto?
Não foi uma parceria, a gente só ficou mais próximo. Eu sempre ajudei o KondZilla, fui o cara que deu a primeira câmera para ele, o primeiro carro, o primeiro apartamento. Muitas pessoas não sabem disso. Oitenta por cento dos nossos conteúdos de artistas lá de trás também estão no canal dele. 

Ele tentou abrir um escritório, falei que para mim não dava mais e cada um ficou com seu próprio canal. Aconteceu o que aconteceu, a GR6 ficou gigante. Então tentei me reaproximar do KondZilla, mas acho que não deu certo, porque ele está em outra vibe de negócios, quer ser apresentador. 

É um grande cara, um dos grandes representantes do nosso movimento. O único que eu vejo que pode nos representar em alto nível hoje.

Vocês também têm feito outras parcerias com empresas privadas, como o Crias, com a Ogilvy, e também com o poder público, com a prefeitura de São Paulo, na criação de quadras esportivas. Qual a importância dessas relações?
Tenho muito respeito pela política e o poder público. Na eleição, a gente apoiou o Lula e tem um grande respeito pelo Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo, e a Aline Torres [Secretária de Cultura]. 

São pessoas que olharam bem para a música urbana, estão fazendo vários shows, dando muitas oportunidades. Mas esse projeto das quadras é da GR6, e a gente pediu ajuda para a prefeitura – não é uma parceria. 

Aconteça o que acontecer, vamos fazer o projeto, que é em homenagem aos nossos 40 milhões de inscritos no canal. Vai ter um artista se apresentando em cada comunidade 

Fomos conversar com a prefeitura para entender os melhores caminhos, quais quadras precisavam de reforma, mas não tem ninguém apoiando financeiramente.

Como você enxerga as movimentações de popularidade de gêneros como funk, sertanejo, trap? É algo que vai mudando constantemente?
Hoje o funk é uma parada mais orgânica. As pessoas gostam de escutar funk, trap, música urbana. Então ficou mais fácil fazer feats com sertanejo. 

O sertanejo não tem mais nada novo, tem Jorge e Mateus, Gusttavo Lima, Henrique e Juliano, Maiara e Maraisa. Ana Castela é mais nova, mas não é exatamente sertanejo, é mais um pop que vai levando para o sertanejo. 

Eles não têm esse público tão jovem, então onde o sertanejo vai buscar? No trap e no funk. O que para a gente também é bom, porque eles têm esse público mais velho. Ouvintes mais antigos precisam escutar para entender que o funk não é aquilo que pensavam, tem muita coisa boa. 

Existem algumas críticas quanto ao funk estar perdendo aquele status de manifestação cultural das periferias. A GR6 busca manter essa conexão com as raízes do movimento?
Essa mensagem tem que ser passada sempre. Muitos falam que a favela venceu, mas a favela não venceu. Alguns ali venceram, mas ainda temos muitos para resgatar. 

Como vamos fazer isso? Passando a mensagem, mostrando que a gente conseguiu. 

Hoje mais jovens querem ser funkeiros do que jogadores de futebol, porque é mais fácil. Precisamos mostrar que eles também podem estar aqui, ter um carro de 3 milhões de reais, casa em Orlando, morar nos Jardins, ir na Gucci ou na Lacoste 

Essa mensagem a gente não pode perder, para as pessoas não ficarem pensando em outras coisas, como já aconteceu comigo. Ainda bem que não fiz.

Quais os próximos passos para a GR6?
A GR6 profissionalizou demais a parada. Hoje já enxergo uma internacionalização. Quero abrir uma GR6 na Europa, uma em Miami… 

O primeiro passo deve ser em Portugal, porque os artistas estão performando muito por lá, acredito que por conta da língua. Tem gente lotando casas. 

Às vezes a música bate top 1 no Brasil, como “Let’s Go”, que ficou quase 150 dias na primeira posição, chegando a passar a Marília Mendonça; aí, quando começa a cair no Brasil, a música cresce em Portugal. O negócio lá está quente, os caras estão pagando absurdos 

Minha ideia é fazer a transição e abrir um selo da GR6, gravando artistas locais para lançar músicas por lá e fazendo feats. Esse deve ser o caminho. Precisamos nos estruturar no Brasil cada vez mais, solidificar aqui e começar a fincar uma bandeira lá também.