À margem das grandes redes, pequenas e médias editoras surgem, sobrevivem e renovam o mercado editorial no Brasil. Longe de best-sellers e de grandes tiragens, estes novos livreiros empreendedores lançam obras inéditas, clássicos reeditados em edições caprichadas, autores das regiões onde vivem ou estrangeiros que ainda não haviam sido traduzidos. Eles também acumulam funções, atuando de ponta a ponta no negócio. Reinventam-se e oxigenam um setor que lida, já há alguns anos, com o temor de sua implosão. Nessa história há ilusões, aprendizados, erros e inspiração. A seguir, listamos algumas delas.
Nos últimos meses, na agenda do editor Leandro Sarmatz, 43, não constam apenas encontros com autores, mas também com eletricista, arquiteto e contador, além de horas dedicadas a orçamentos de envelope, computador e cadeira – ou seja, um pouco de tudo o que está envolvido na criação de uma nova empresa. A empreitada é a Todavia editora que acaba de chegar ao mercado pelas mãos de um time experiente: André Conti, 35, Ana Paula Hisayama, 46, Marcelo Levy, 60 e Flávio Moura, 39, que se conheceram na antiga casa, a Companhia das Letras, além de Alfredo Nugent Setubal, 25.
A editora, que atraiu atenção em seu lançamento, é voltada a gêneros diversos, de quadrinhos a jornalismo literário, passando clássicos e filosofia. Quatro livros serão lançados logo de largada, no segundo semestre deste ano. A equipe se reuniu inicialmente em um coworking no bairro de Pinheiros, em São Paulo, mas em abril se mudaram para o novo escritório na Vila Madalena – o que justificou a agenda cheia no início do ano. Leandro fala da diferença:
“Nos lugares onde trabalhamos antes tínhamos toda a estrutura. Agora, estamos orçando até envelope. Isso é novo para todos, mas é estimulante. É um aprendizado”
Leandro conta que a Todavia se apoia em alguns pilares, que revelam também suas frentes de negócio: “O editor, hoje, é um curador de conteúdo, e é o que queremos ser. Também vamos promover eventos, clubes de leitura, estar presente nas redes sociais e em feiras. Outra coisa é que vamos valorizar o digital: as obras também estarão disponíveis em e-books”.
O negócio começa com três investidores de peso – Alfredo Setubal (Itaúsa), Guilherme Affonso Ferreira (fundo Teorema) e Luiz Henrique Guerra (fundo Indie) e a previsão de lançar cerca de 60 livros por ano. “Seremos uma editora de porte médio. Para se ter ideia, uma grande como a Companhia das Letras publica de 30 a 40 livros por mês”, diz.
AS VANTAGENS DE NÃO SER GRANDE
Não ser tão grande, prossegue, traz a vantagem de poder cuidar de perto de cada lançamento. As vendas serão feitas em livrarias de todos os portes, das grandes às de bairro. A previsão é ter a empresa rodando no azul em cinco anos. “Livro é um negócio de maturação lenta”, afirma Leandro.
Quem também começou com plano de negócio, planilhas e cronograma foi a Ubu, editora fundada por ex-diretoras da finada Cosac Naify – Florencia Ferrari, 40, Elaine Ramos, 42 – e Gisela Gasparian, 36. Executiva do mercado financeiro, Gisela tinha uma jornada de trabalho exaustiva, que a levou a um forte estresse e duas pneumonias. Quando decidiu parar e tirar um período sabático, recebeu o convite, por meio de amigo em comum com Florencia e Elaine, para tocar o planejamento e a parte financeira da Ubu. Gisela conta que não tinha experiência prática no mercado livreiro, mas contou com seu histórico familiar: seu avô, Fernando Gasparian, foi proprietário da editora Paz e Terra e fundador da livraria Argumento, no Rio de Janeiro.
O negócio contou com dois investidores e, do planejamento ao “bloco na rua”, como diz Gisela, foram apenas seis meses. O portfolio atual da Ubu, de cerca de 40 livros (nem todos lançados ainda), foi negociado por Florencia e Elaine com o antigo chefe Charles Cosac.
A decisão foi por títulos que não seriam apostas, mas “obras de aceitação garantida” – um deles, Os Sertões, de Euclides da Cunha, que nas mãos da Ubu ganhou um novo tratamento gráfico. As tiragens vão de dois a quatro mil exemplares, com preços que podem variar de 24 a 150 reais.
Livros feitos com edição cuidadosa, aliás, é o que a Ubu busca como diferencial. As vendas são feitas pelo site, em feiras e grandes livrarias escolhidas à dedo, e com as quais foi possível negociar uma margem de lucro de menos de 50%. O que ainda incomoda Gisela nesse esquema das grandes livrarias é a consignação. “Também fazemos alguns experimentos, como venda em lojas de decoração”, diz. Para ela, ainda é cedo para ter lucro:
“Queremos crescer, mas não ser tão grandes para não comprometer a eficiência. Também não buscamos best-sellers”
Elas também buscam usufruir de formas mais eficientes de trabalho, a partir de mudanças aparentemente simples. No dia a dia, por exemplo, não existe reunião. Tudo o que precisam conversar é dito na hora, no coworking onde trabalham no centro de São Paulo. Além das sócias, a equipe conta ainda com mais cinco funcionárias (sim, todas mulheres!).
A HORA E A VEZ DOS INDIES
Enquanto o volume de vendas de livros no Brasil, segundo dados Nielsen, caíram 17%, o mercado indie vai de vento em popa. A última Feira Plana, que aconteceu de 17 a 19 de março, em São Paulo, não nega. Em sua quinta edição, o evento contou com mais de 200 expositores no espaço da Bienal de Artes, no Ibirapuera. Outro sinal de expansão é o fato de que, a partir de maio, a biblioteca da Plana vai se consolidar em um novo local, com acervo de mais de dois mil títulos independentes.
Também no mês passado a Lote 42, uma das editoras mais famosas desse cenário, promoveu a primeira festa no ano, com uma série de lançamentos na Banca Tatuí. É nesse local, uma antiga banca de jornal no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, que são distribuídos os livros da Lote e de mais de 150 editoras indies. Como conta João Varella, 32, a ideia para lançar a banca veio da necessidade de atender a nova onda de editoras e ter um espaço para os eventos de lançamentos. Referência no meio, a Lote virou notícia em 2014 depois de prometer 10% de desconto a cada gol sofrido pelo Brasil nos jogos da Copa – e, mesmo com o desastre do 7×1 contra a Alemanha, e se saiu tão bem que, na época, virou case de “enfrentamento de crise”.
Quem também já tem estrada neste mercado é Eduardo Lacerda, 34, que iniciou a sua Patuá há seis anos. Ele acha fundamental a existência de cada vez mais iniciativas do tipo no país. “Uma editora de Manaus apostando em um poeta de Boa Vista, uma revista de São Paulo conhecendo uma prosadora do Recife: é isso, editoras e editores podem promover trocas e diálogos e fortalecer a cultura e a literatura de todo um país”, diz, e mais:
“Precisamos desses profissionais, desses apaixonados pelo livro. E precisamos que empreendam”
E Eduardo cuida de incentivar os empreendedores. “Embora cada um vá encontrar o seu próprio jeito, acho que eu consigo evitar que alguns editores tenham que passar por tantos problemas quanto os que passei. Eu não sabia nem como tirar um número ISBN quando comecei”, diz.
Hoje, são quase 500 livros publicados pela Patuá, e um grande desafio é manejar o universo de cerca de 500 autores que se envolvem no projeto. “Todos acabam se tornando muito próximos. Se por um lado eles nos apoiam e se engajam na divulgação, por outro lado demandam atenção, ficam frustrados quando um resultado não é positivo, se decepcionam com nosso trabalho. É tudo normal, mas em uma empresa com menos proximidade não há com quem falar; aqui eles sabem exatamente para quem reclamar. É um desafio, mas também uma conquista”, afirma.
A Patuá começou com uma sócia, Aline Rocha, mas hoje a equipe fixa é composta por Eduardo e o editor Ricardo Escudeiro. Em dezembro de 2015, a Patuá lançou o Patuscada, mescla de livraria, espaço cultural e bar na Vila Madalena, em São Paulo, onde acontecem lançamentos, saraus, encontros, oficinas e leituras. A venda dos livros da editora acontece nos eventos que ali organiza. Eduardo explica a conta: em uma tiragem de 100 exemplares é preciso vender 60 só para pagar os custos envolvidos na edição. Geralmente, essa meta é atingida já no lançamento e, depois, as obras são comercializadas no site, no Patuscada, em feiras e eventos. E as livrarias?
“Evitamos vender em livrarias. Conseguimos algumas boas vendas no passado, mas atualmente está cada vez mais impossível”
Algumas coisas mudam, outras apenas se mantêm e fortalecem. “Somos uma editora de leitores” é como se define a Carambaia, fundada em 2014 por Fabiano Curi, 46. A sacada do portfólio é trazer obras que já caíram em domínio público, e elas são lançadas em tiragens pequenas, de 1 000 exemplares, traduzidas diretamente do original e com um ensaio introdutório assinado por especialista. Como conta Fabiano, os livros da Carambaia são para leitores experientes, que comprariam uma edição nova de Dom Casmurro, por exemplo, por gostarem de ter uma edição caprichada em casa. Já foram lançados 17 livros, sendo o mais recente Jaqueta Branca, de Herman Melville – título que antecedeu a obra mais conhecida desse autor, Moby Dick.
O negócio começou com um investimento pessoal de Fabiano, que não tem sócio nem investidor. Como ele diz, seu objetivo não é alcançar grande escala, mas sim, qualidade gráfica. Na sua equipe estão Graziella Betting, editora, Renata Minami, de comunicação, e Lilian Périgo, da área administrativa. A maioria das vendas da Carambaia acontece pelo e-commerce do site, mas também em algumas livrarias, aquelas em que o editor diz ser possível negociar uma margem de lucro “mais justa ao negócio”. São elas Blooks, Martins Fontes Paulista, Unesp, Da Vinici, Arlequim, Letras e Letras, Quixote e SBS. Fabiano, que tem doutorado em teoria e história literária, trabalhou como jornalista e professor universitário antes da Carambaia:
“Aprendi a ser empreendedor por observação, na prática, e com a equipe que trabalha comigo”
No último ano as vendas dobraram, mas o negócio ainda não dá lucro, pois tudo o que entra como faturamento é revertido na estrutura da editora. “Surgimos em um período de crise e digo que nunca trabalhamos na calmaria. Estamos caminhando, mas ainda tem um processo. A previsão, em um cenário otimista, é ter retorno financeiro em cinco anos”, diz Fabiano.
SER PEQUENO, À MARGEM, E SER FELIZ
Em Itabuna, na Bahia, fica a sede da Mondrongo, a “nanoeditora” que Gustavo Felicíssimo, 45, comanda há seis anos. Ele era funcionário da Fundação Cultural de Ilhéus, mas escrevia poesia e já havia trabalhado com revisão de textos. O ponto de partida para se tornar livreiro foi o convite para publicar duas peças do Teatro Popular de Ilhéus (um dos mais importantes da Bahia) em um único livro, que saiu com tiragem de 500 exemplares. Sem investimento, a saída de Gustavo foi pagar a gráfica a prazo e, com o dinheiro arrecadado das vendas, lançar outros autores baianos e começar a fazer o caixa da editora. Por ano, a Mondrongo lança de 60 a 70 obras, com tiragens baixíssimas — em média de 150 exemplares cada. O foco inicial eram escritores baianos, mas hoje são publicados autores de diversos estados, com destaque para aqueles do Nordeste.
A Mondrongo não vende em livrarias (com exceção das de algumas universidades baianas) – apenas pelo site, em eventos de lançamento e feiras literárias. Os tempos de compra a prazo ficaram para trás; hoje, Gustavo paga à vista e consegue rodar na gráfica de cinco a seis títulos por vez. Ele tem investido o que ganha na estrutura da editora e, por conta disso, não tem reserva de caixa. “Não tenho como lidar com um grande contratempo, se houver.” Os planos futuros incluem abrir uma loja da Mondrongo em Itabuna.
PEQUENOS BRANCALEONES
“Não quero entrar no mercado tradicional; o que busco é um outro modelo, mais ousado”, diz Rachel Gontijo Araújo, 38 anos, fundadora d’A Bolha, no Rio de Janeiro. A ideia começou ainda em Chicago, quando Rachel e Stephanie Sauer, com quem iniciou o negócio, cursavam mestrado em Belas Artes na Escola do Instituto de Artes de Chicago. Elas queriam voltar para o Brasil e acreditavam que haveria espaço para autores ainda não publicados no país, cujas obras conheceram durante o período acadêmico. Rachel vê A Bolha como um deságue de toda sua experiência, “algo orgânico”:
“A Bolha é uma batalha pessoal, é um projeto de vida. Para mim, o trabalho de um editor é abrir espaços”
Inicialmente, elas conseguiram quatro livros e convidaram autores brasileiros (um deles foi Daniel Galera) para traduzir. Em 2014, o espaço que ocupavam no Rio de Janeiro pegou fogo; ninguém se feriu, mas alguns livros foram consumidos no incêndio. Aos poucos o negócio se recuperou e o acidente fez ressurgir a possibilidade (e a vontade) de continuar se reinventando.
O investimento para dar início à editora foi pessoal, parte de Rachel, parte de Stephanie (que hoje não está tão envolvida no dia a dia do projeto). A Bolha ainda não é um projeto sustentável, como conta Rachel, mas entre 2011 e 2015 foram lançados 30 livros, entre narrativas visuais e literatura independente, sendo que um dos projetos de que ela mais tem orgulho foi a publicação de duas obras de Hilda Hilst: The Obscene Madame D e Letters from a Seducer (em inglês).
As vendas acontecem no site e em um espaço coletivo no bairro de Botafogo, além de outros locais independentes. “As grandes livrarias pedem até 50% do valor e, assim, acabam excluindo as pequenas editoras. Falta vontade de entender o mercado de forma qualitativa”, diz. No site ela também divulga, eventualmente, crowdfundings que funcionam como uma pré-venda colaborativa. “Os livros vão sair de qualquer maneira. O financiamento é um jeito de envolver os consumidores no nosso processo e de crescer como nosso público”, diz Rachel.
O Brasil é um país de leitores? Tainã Bispo acredita que sim. Ela migrou de carreira, criou duas editoras independentes (a Claraboia, que só publica mulheres, e a Paraquedas), um selo editorial e um serviço de apoio a escritores iniciantes.
“Mais livros, menos farmácias”: como um grupo de uma centena de amigos – na maioria, profissionais da saúde – se uniu em torno desse mantra e do amor pela literatura para pôr de pé a Casa 11, onde o lucro importa menos que o propósito.
A praça é dos livros: Paulo Werneck, fundador da revista literária Quatro Cinco Um, conta como ele e o arquiteto Alvaro Razuk tiraram do papel A Feira do Livro, cuja segunda edição ocupa (até domingo) a área diante do Estádio do Pacaembu.