A Rádio Vozes completou um ano de vida em maio e comemorou como convém: uma festa de arromba, muita música, muitos artistas, outros penetras, e o tilintar de taças que só terminou ao raiar do dia. “Só foi comparável a dos meus 50 anos”, lembra a jornalista Patricia Palumbo, idealizadora do novo negócio e que completa 51 agora em 19 de setembro.
A felicidade não era só pelo aniversário. Mas pela consolidação de um sonho, a alegria por ter colocado no ar a primeira rádio brasileira totalmente (e unicamente) digital, com a possibilidade de oferecer conteúdo ao vivo e também por demanda, em formato de podcasts. A Rádio Vozes funcionava de fato, estava em uma plataforma de dar inveja a qualquer emissora tradicional, já tinha o reconhecimento da crítica com o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pelo programa Maritaca (de contação de história), mas ainda não era possível cantar vitória.
O primeiro ano no ar só foi possível graças ao investimento do sócio Eduardo Pinho e de quatro outros anjos. No total, colocaram cerca de 600 mil reais. O dinheiro serviu para montar toda a estrutura, criar um software que priorizasse a qualidade do som, realizar o pagamento mensal do Ecad por direitos autorais e oferecer um sistema de programação prático e fácil de navegar.
Tudo funcionando, tudo divino maravilhoso, uma playlist crescendo de maneira industrial, com cerca de quatro mil músicas, cinco vezes maior do que a média das rádios analógicas… Mas quem disse que seria fácil? Agora havia chegado o momento de fazer essa novidade girar, de atrair patrocinadores. E como conseguir fazer isso? Esta é a questão que martela a cabeça de Patricia e Eduardo no momento.
UMA RÁDIO SEM INTERVALO COMERCIAL E SEM JABÁ
A dupla começou a pensar o projeto em 2015. Patricia havia acabado de deixar a Rádio Eldorado, onde trabalhou por quase 20 anos e conquistou três prêmios APCAs. Eduardo vinha do mercado financeiro e procurava um projeto ligado à música brasileira para investir. No encontro, a jornalista falou de seu sonho e o empresário topou colocar o dinheiro.
Inicialmente, os dois imaginavam arrecadar como uma emissora tradicional: com venda de patrocínio, marcas oferecendo programas e anunciando durante a grade de programação. Só que sem intervalo comercial e sem jabá (dinheiro que as gravadoras pagam às emissoras para que toque determinado artista).
Estava tudo certo. Antes de ir ao ar, o Iguatemi topou um contrato de um ano. Nos primeiros meses, a Icatu Seguros também se tornou parceira. Patricia ainda criou seu aquário itinerante e levou a Rádio Vozes para o Festival Path, em São Paulo, e ao Festival Se Rasgum, em Belém. Até que começou a enfrentar um problema, que veio junto com o seu pioneirismo. Ela fala a respeito:
“Não ter concorrente foi bom e ruim. Tem a alegria de estar à frente e tudo ser novidade. Mas, por não tem comparação, o mercado ainda não nos entende”
Ela prossegue: “A gente diz que tem fidelização, que tem uma ótima de ouvintes, público qualificado e tudo. Mas o sujeito diz que não pode comprometer a verba publicitária no negócio, basicamente porque é novo. A gente está enfrentando essa dificuldade, mas não desistimos. Não esmorecemos. Acreditamos muito na proposta. É uma cultura de negócio nova.”
A DONA DA VOZ E DO APARTAMENTO MAIS MUSICAL DA CIDADE
Patricia, para quem nunca ouviu falar, carrega uma das vozes mais doces do rádio brasileiro. É possível passar um bom tempo ouvindo-a falar sem sentir falta da música na programação. Na Eldorado, ela ganhou notoriedade com o programa a Hora do Rush, mas se tornou conhecida mesmo e a jornalista mais querida dos músicos com a criação do programa Vozes do Brasil, que segue firme e forte há 19 anos.
A atração hoje é gravada no próprio apartamento da Patricia e distribuída para dez emissoras (analógicas) do país, além de estar na grade da Rádio Vozes, claro. Quase sempre tem convidados. Há poucas semanas, Guilherme Arantes tocou o interfone e foi autorizado a subir para tocar piano em sua sala. Otto, que acabou de lançar o disco Ottomatopeia, também apareceu na casa da jornalista para explicar a novidade. O ex-Titã Paulo Miklos, que chegou a apresentar um programa na Rádio Vozes ano passado, fez a primeira audição de seu trabalho solo de estreia no ‘apartaestúdio’. Isso tudo só em agosto.
O apartamento da Patricia, como ela sempre gosta de dizer, tem vocação para festas. E, com o respaldo dessa galera de peso, ela vai tocando a vida. Como ainda não consegue viver apenas da Rádio Vozes, ganha dinheiro com a prestação de serviços para o Sesc, faz também consultorias sobre música brasileira, curadorias, palestras, aulas, e integra o conselho da Enciclopédia de Música do Itaú Cultural. Ainda tem dois livros publicados e um terceiro que está no forno.
Entre todos esses afazeres, ouve sua rádio. E dá-lhe 4G. Conecta-se no carro, na rua, na bicicleta, onde for, e fica atenta na programação ao vivo. “Se eu conseguisse não pensar na Rádio Vozes um pouquinho seria maravilhoso. Mas até quando estou assistindo a um filme, me vem alguma coisa, ideia”, diz, e fala de como se sente no novo business:
“É uma mudança muito grande de vida. Não sou só uma jornalista fazendo um programa semanal, como era antes. Agora cuido de uma rádio inteira, 24 horas”
Atualmente os três programas de maior audiência na rádio dela são o próprio Vozes do Brasil, que Patricia apresenta, o Maritaca, sob o comando da jornalista Marina Piza, e o Tabuleiro, uma seleção musical que acontece na hora do almoço.
Os programas em geral são parcerias com jornalistas e produtores que sonham fazer rádio. A emissora digital ainda não consegue pagar um salário fixo a cada apresentador, mas oferece toda a estrutura para que o programa exista de maneira profissional. O Maritaca é o principal case de sucesso: foi pensado pela Marina, que tinha uma ideia antiga de fazer um programa infantil, com contação de histórias. E quem executou foi a equipe da Rádio Vozes. Em seis meses de existência, ganhou o principal prêmio do Estado de São Paulo, o APCA.
VOZES EM NÚMEROS: 5 MILHÕES DE ACESSOS
A estrutura é enxuta, mas carrega números de respeito. Em pouco mais de um ano, a Rádio Vozes teve 5 milhões de acessos. Em julho, foram 300 mil visitas à plataforma, crescimento médio de 25% em relação ao mês anterior. Patricia destaca que essa crescente tem sido constante e se mostra satisfeita com o andamento do negócio.
O custo mensal da emissora digital varia entre 25 mil e 35 mil reais. O valor é baixo se comparado ao de uma rádio tradicional, que gasta aproximadamente 400 mil reais para aparecer no dial. Patricia conta que atualmente são sete funcionários na emissora. Ela e a apresentadora Paulina Chamorro, além de cinco pessoas que fazem parte do estúdio Luppi Arts, onde é feita a produção, a montagem e a edição do que vai ao ar.
“A gente não teve faturamento. Mas também não acredito muito nessa coisa rápida. A gente está um ano no ar. O que é mais interessante é que temos uma fidelização maravilhosa. Tem 70% de fidelização. Ou seja, essa é a porcentagem do público que ouve e depois retorna para ouvir de novo”, diz a empreendedora.
O aplicativo da Rádio Vozes está disponível para iOS e Android e tem pouco mais de 20 mil downloads. A ideia agora é estruturar parcerias e buscar novas formas de arrecadação. Nada é descartado. Há a possibilidade de fazer crowdfunding, de montar a Rádio Vozes em feiras e eventos (como acontece esta semana, com o aquário itinerante na São Paulo Fashion Week), buscar patrocinadores, apoiadores e o que mais pintar por aí.
A jornalista tem como norte as rádios europeias. “Lá não tem esse sistema que nem o nosso de concessão e arrendamento. E no mesmo dial é possível existir dez emissoras de blues, dez de jazz, dez de música africana, dez de world music. Não sei se na Noruega ou na Dinamarca já está 100% digital. Não tem mais frequência modulada (FM), onda de rádio… O receiver já é de sintonizar a internet.”
Por enquanto, Patricia paga o preço por ser inovadora em um meio que se move lentamente em busca de atualizações, em uma mídia que no geral pouco valoriza seus profissionais e que patina em meio à revolução tecnológica. E paga consciente:
“A gente tem que persistir ou as coisas não mudarão. E mudarão para melhor. Estamos nesse momento da virada, de uma nova fase. A primeira de muitas”
Eis a voz de quem está há 20 anos ajudando a criar a trilha sonora da vida de muitos ouvintes. “A gente sabe que novas viradas virão, novos ajustes de rotas precisarão ser feitos. Mas estamos abrindo caminho. O dinheiro é o combustível para gerar a roda, não é o objetivo final. E é isso que está nossa aposta. Queremos crescer em um ambiente saudável, onde todos possam ganhar.” Por mais vozes como essa, no rádio e em qualquer lugar.
A indústria da música é fértil em produzir influenciadores digitais. Agora, uma joint venture entre a agência SUBA e a produtora Musickeria combina expertises para ajudar artistas e marcas a potencializar essa fusão.
A casa de shows intimistas nasceu sem planejamento, cresceu pela força de sua proposta e é um sucesso de público e crítica. Agora, em nova fase, chegou a hora de se consolidar também como negócio.