Nos últimos meses, um tipo de publicação tem se tornado cada vez mais frequente no LinkedIn: os “posts de layoff”.
De maneira geral, a pessoa relata o ocorrido, destaca suas habilidades profissionais e diz que está #opentowork — ou seja, disponível para trabalho. Muitas vezes, o conteúdo vem acompanhado de uma planilha com o nome de colegas que também foram demitidos.
Segundo levantamento feito pelo Layoffs Brasil, cerca de 11 500 profissionais tiveram seus contratos de trabalho encerrados somente no mês de janeiro. Por sua vez, fevereiro mal começou e o número de demissões já chega a mais de 9 700 (e contando…)
A plataforma foi criada em março de 2022 por João Gabriel Santos, gerente de crescimento de produto (GPM), com o intuito de compilar as dispensas e auxiliar na recolocação das pessoas impactadas, e chegou a ser pauta do próprio LinkedIn.
Ao navegar pelo site Layoffs Brasil, é possível encontrar empresas de diferentes setores e profissionais atuantes em diversas áreas. Entretanto, dois aspectos chamam a atenção: grande parte das empresas são startups; e os times de marketing foram um dos mais atingidos.
O Draft entrou em contato com seis startups e scale-ups da lista para essa reportagem, mas até o momento da publicação, nenhum dos CEO topou dar entrevista. Três responderam por meio de notas. Uma delas foi o Méliuz. No dia 18 de janeiro de 2023, a startup mineira de cupons de desconto e cashback (que apareceu aqui no Draft em 2017, depois de ser premiada como “Startup do Ano” em 2016) demitiu 59 colaboradores, 6% do total de funcionários do Grupo CASH3.
Em 2021, os sócios do Méliuz já tinham assinado um artigo aqui sobre o tema “com quantos tombos se faz uma startup de sucesso?”. Agora, por meio de nota, a empresa informou que a revisão no quadro faz parte de um processo de reestruturação interna e tem como intuito aumentar a eficiência operacional e se adaptar ao cenário macroeconômico para continuar atuando de maneira ainda mais responsável junto aos seus colaboradores, usuários, parceiros e acionistas. Segundo Israel Salmen, CEO e fundador do Méliuz:
“Apesar do Méliuz estar em uma posição confortável por possuir um caixa robusto, foi necessário ajustar os planos, assim como muitas empresas de tecnologia fizeram, para nos adaptarmos ao cenário macroeconômico desafiador e incerto que se instaurou após a pandemia. Diante da alta taxa de juros, inflação alta e, consequentemente, um e-commerce menos aquecido, é preciso garantir a saúde financeira da companhia para que a operação continue saudável, rentável e em crescimento”
Entre as demais startups e scale-ups contatadas pela reportagem, o banco digital will bank não confirmou a quantidade de colaboradores demitidos e declarou que a movimentação “faz parte da natureza do negócio.”
Já a Rock Content, uma das martechs mais expressivas do país (que foi pauta no Draft em 2015), cortou 15% do seu quadro de funcionários — o número exato não foi divulgado. Em anúncio publicado no blog da startup, o CEO Diego Gomes afirmou que a atitude foi necessária para que a empresa pudesse se tornar mais sustentável e voltar a dar lucro.
Vale ressaltar: a onda de demissões em massa não é restrita ao Brasil e nem se resume às startups. É um fenômeno global que está atingindo, inclusive, gigantes da tecnologia como Amazon, Google, IBM, Meta e Microsoft.
É impossível cravar uma única razão por trás de tal cenário, mas alguns fatores ajudar a entender os episódios frequentes de desligamentos que vêm ocorrendo, conforme explica Alexandre Cracovsky, vice-presidente de M&A na Advisia Investimentos e professor de Finanças na Link School of Business.
“Um deles é que o dinheiro ficou caro. Saímos de uma taxa de juros de 2% ao ano para 13,75% ao ano. Antes, qualquer investimento que desse mais de 2% valia a pena, por isso vimos uma onda de IPOs [ofertas públicas iniciais], de empresas crescendo e investindo. Agora, com os juros elevados, a empresa pensa duas vezes entre crescer time, operação, ou manter uma rentabilidade atrativa”
Outro aspecto é o rebote que as startups e big techs sofreram após anos de investimento pesado e, principalmente, de um biênio marcado por uma extraordinária dependência tecnológica, com a população dentro de casa por conta da Covid-19.
Dados divulgados pelo Crunchbase reforçam esse cenário. Ainda que o investimento global em venture capital em 2022 tenha apresentado uma queda de 35% comparado a 2021 — 445 bilhões contra 681 bilhões de dólares —, a quantia superou em 100 bilhões o valor investido em 2020 (342 bilhões de dólares) e em 156 bilhões o total aplicado em 2019 (288 bilhões de dólares).
Esse fluxo elevado de dinheiro levou a um boom de contratações no setor de tecnologia. Segundo Alexandre, da Advisia Investimentos:
“Quando nós olhamos a foto do último mês, vemos várias demissões em massa. Mas se analisarmos o filme dos últimos dois anos, tiveram muito mais contratações do que demissões”
E, de fato, houve. Para se ter uma ideia, do último trimestre de 2019 ao terceiro trimestre de 2022, a Amazon contratou 746 mil pessoas em comparação aos 18 mil funcionários que serão demitidos ao longo deste ano, segundo levantamento realizado pelo Yahoo Finance em parceria com a Bloomberg.
Na visão de Alexandre, o que está acontecendo agora — pelo menos no caso dessas grandes empresas — é um “ajuste por terem contratado em excesso esperando um crescimento econômico e, ao mesmo tempo, uma preparação para uma crise um pouco mais prolongada”.
Somado a isso, a baixa liquidez e os valuations reduzidos afastam os investidores de aportar em capitais de risco, que é o caso das startup, optando pela renda fixa.
Diferentemente de empresas já consolidadas, que lucram há muitos anos, a maioria das startups necessita captar dinheiro para escalar e alavancar o negócio, principalmente aquelas que estão em estágio inicial.
No entanto, depender demais desse dinheiro pode não ser a melhor estratégia. É o que diz Ney Pereira, CEO da 3C Plus, startup de Guarapuava (PR) que oferece tecnologias para call centers por meio de um produto SaaS, permitindo a comercialização das licenças do software para pequenas, médias e grandes empresas.
Segundo Ney, em um momento de retração de mercado e escassez de dinheiro como o atual, as startups que dependem do capital de investidores para sobreviver estão tendo que se adaptar para crescer com os próprios recursos sem demandar uma próxima rodada de captação. O que não é uma tarefa simples.
O empreendedor aprendeu isso ao acompanhar a esteira completa de uma startup que, assim como a 3C Plus, nasceu a partir de uma parceria com a Bettega Digital, empresa de serviços de cobrança.
“Ela captou recursos com grandes fundos, foi rapidamente acelerada, se transformou em uma das fintechs mais conhecidas no mercado e foi vendida. Nós aprendemos muito sobre esse processo, desde de como funciona as rodadas de captação, o relacionamento com investidores até a parte mais complexa, que é o exit”
Quando a 3C Plus teve a oportunidade de receber um aporte, em 2019, Ney e seu sócio, Diogo Hartmann, decidiram seguir com recursos próprios – e permanecem assim até hoje.
“Nós achamos que não fazia sentido na época e optamos pelo bootstrapping”, diz Ney. “Mudamos o formato de venda para o cliente para que ele financiasse nossa expansão e para fugirmos de algumas armadilhas que nós vimos aquela startup cair.”
No ano passado, a 3C Plus faturou 15 milhões de reais e a expectativa é alcançar 71 milhões de reais até o final de 2023. Além disso, a startup está planejando participar de uma rodada no final do ano, com o intuito de adquirir outras empresas e produtos que agreguem mais valor ao portfólio.
Apesar de estar otimista, Ney conta que o sentimento geral dos empreendedores é de receio.
“Muitos estão baixando custos para tentar atingir o breakeven o quanto antes, ninguém está esperando fazer uma rodada de captação tão cedo. A ideia é segurar dois anos, mesmo crescendo de forma mais lenta ou andando de lado, até o cenário melhorar para, aí sim, voltar a jogar o jogo”
Rodrigo Murta, fundador da ProUser Apps — startup paulista focada no desenvolvimento, produção de conteúdo e distribuição de aplicativos — vê a situação com dois olhares. Por um lado, para as startups que apostaram no crescimento a qualquer custo, “o cenário realmente é sombrio”.
Por outro lado, para aquelas que nasceram com o pensamento de crescimento sustentável e que investem de maneira responsável, o futuro é outro.
“Por mais que elas passem por crise, há um controle muito maior e até mesmo conseguem enxergar oportunidades, como contratar bons profissionais que foram dispensados das big techs”, diz Rodrigo.
Ao que tudo indica, ainda haverá muitas publicações de demissões em massa no LinkedIn. Se a previsão feita pelo Banco Central se concretizar, a expectativa é que a taxa de juros permaneça elevada até o final do ano, com 12,50%.
Tal cenário, explica Alexandre, da Advisia Investimentos, forçará menores investimentos e prolongará essa onda de reduções de custo.
“Provavelmente, as startups de varejo terão um desafio maior pela frente, por conta de uma redução no poder de consumo da população e de capital intensivo”
Mesmo assim, ele acredita que outras startups navegarão bem em meio a tempestade.
“As startups com agenda ESG têm atraído muito investimento estrangeiro, assim como as que possuem base tecnológica e as que atuam na área de saúde”, afirma. “Sempre tem espaço para consolidação e não falta dinheiro para bons negócios.”
Se as ondas serão pequenas ou gigantes, é difícil de prever. Porém, para Vitor Filipe, cofundador da Faster, startup paulista de tecnologia de design, os acontecimentos recentes viraram uma chave no mundo dos negócios.
“Talvez não tenhamos mais a abundância que tínhamos, com times de desenvolvimento e marketing enormes. Agora, as empresas terão que olhar para dentro e entender como crescer sem sair contratando feito louco, pois estamos vendo como o mercado pode mudar – e como isso impacta tanto na trilha das pessoas como na das empresas”
Uma olhada rápida no site da Faster, aliás, mostra que a startup está com vagas abertas. Uma coisa é certa: com ou sem crise, a roda do ecossistema de inovação vai continuar girando.
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