Charles Bezerra, 47, é um cientista. Mas não usa avental, também nunca foi de misturar substâncias em tubos de ensaio e muito menos esqueceu-se das horas com o olho colado no microscópio a bisbilhotar minúsculas bactérias. Charles Bezerra bate diariamente no liquidificador a teoria de seu xará Darwin com doses cavalares de filósofos gregos, um punhado de física quântica e pitadas de matemáticos contemporâneos.
Mistura tudo muito bem e oferece em doses homeopáticas aos empresários que adoecem em organizações paradas no tempo. Busca salvar os diretores que sofrem de alucinações fragmentadas e veem como salvação para sua empresa o case de sucesso do vizinho, a disputa entre departamentos e aplaudem quando o funcionário vira a noite atualizando planilhas.
Charles Bezerra é PhD pelo Illinois Institute of Technology, estudou inteligência artificial, teoria da complexidade e algoritmos genéticos e chegou à conclusão de que não há conclusão. O mundo é um organismo vivo em eterna transformação, cada vez mais conectado em rede e as soluções dos problemas são mais facilmente encontradas quando há abstração, quando a dúvida aparece. E o que ele diz não é da boca para fora não. O sábio Tom Zé diria que Charles está te explicando para te confundir e está te confundindo para esclarecer.
De maneira bem resumida, ele acredita que as empresas precisam buscar novas formas de se organizar, acabar com as divisões por departamentos e tentar sempre enxergar o todo. O caminho apontado por Charles para a vida no trabalho (e fora dele também) ser um pouco menos sufocante está em “observar mais as formas puras de viver”, imitar as crianças e os índios, por exemplo. Foi pensando assim que ele e o sócio Gian Taralli criaram a consultoria Swarms e tem sido assim que eles ajudam clientes como O Boticário, Fasano e Vale a ir em busca do novo.
O próprio Charles, por conta de todos esses estudos, é cheio de inquietações, incertezas e uma insegurança além da conta com a câmera de vídeo. “Falo tranquilamente para cinco mil pessoas em um auditório, mas colocou a câmera, eu travo”, contou logo de cara no nosso encontro. De fato, ele deu uma travada no início, perdeu um pouco o fio da meada algumas vezes, mas sempre retomou com outros insights e uma visão de mundo que… bom, vale a leitura.
Antes de mais nada, explique um pouco a sua formação.
Comecei como designer industrial. Depois, fui fazer Engenharia de Produção, estudei processos, tecnologia. Entrei na Inteligência Artificial, na Psicologia Cognitiva, para depois entrar na área mais específica dos algoritmos genéticos, que simulam as teorias de Darwin no computador, trabalhando com populações e sistemas dinâmicos. Fui atrás de técnicas, metodologias para lidar com a complexidade. Me tornei um cientista da complexidade, usando as dimensões da arte, tecnologia e ciência.
E o que descobriu com todos esses estudos?
Cheguei a um ponto de não saber o que eu sou. Depois de estudar tudo isso, entrei na lógica, na filosofia analítica, na ciência, na física, e na física quântica. Então, realmente não sei mais o que eu sou. Brinco que não sei o que sou, não consigo explicar o que faço e não posso dizer o que fiz porque é confidencial. Reconheço que isso é um péssimo marketing, mas tem um pouco de verdade (risos).
Em suas falas, você sugere que aprendamos com os índios e com as crianças. Como passar esse conceito para o presidente de uma grande empresa?
Acredito que as crianças e os índios podem nos ensinar muito. Crianças estão em um modo constante de aprendizagem, as conexões estão sendo formadas. Às vezes, nosso pensamento está muito fragmentado, muito pré-determinado. E os índios estão sempre aprendendo com suas experiências. Acredito que, para muito do que acontece nas organizações, as respostas já estão lá, mas as pessoas não estão prontas para observar.
Às vezes, o estagiário sabe a resposta para um grande problema da organização, mas ele não é escutado. As lideranças, em geral, têm dificuldade em ter essa sensibilidade
Como pensar e usar a tecnologia em nossas vidas e nossos negócios de maneira mais eficiente?
A tecnologia é um meio, uma ferramenta. Quando se fala em tecnologia, volto para os gregos, que não tinham toda essa tecnologia, mas tinham a capacidade de abstrair, de se afastar. A gente está usando a tecnologia como um fim, mas ela é um meio. A gente confunde ferramenta com propósito. A gente se apaixona pela ferramenta e não pela missão do que queremos. O cientista inglês John Bernal dizia que “existem dois futuros: o futuro do destino e o futuro do desejo, mas a razão humana nunca aprendeu a separá-los”.
O ambiente de trabalho, de maneira geral, é muito obsoleto. Os objetivos não são alcançados porque o nosso jeito de pensar está muito fragmentado. Estão todos sem mapas. Imagine que a gente combine de se encontrar em Londres mas, em vez de te entregar o mapa da cidade, eu o corto em pedacinhos, embaralho e falo: ‘me encontre em tal lugar’. Sua informação está fragmentada. Você terá que juntar tudo antes e dificilmente vamos nos encontrar. Às vezes, a solução do problema está no slide 53 do comercial junto com o slide 21 do marketing. Está tudo em pedaços, ninguém está conseguindo montar um mapa da totalidade para navegar no sistema e ver as opções e aproximações. Esse é o grande desafio. Nossa capacidade de abstrair tem ficado limitada.
Você também se diz contrário ao uso de cases. Por quê?
Estamos viciados em templates, em formatos. A gente bebe da mesma fonte. As organizações têm utilizado da lógica analógica, que é a que os gregos não gostavam: se tem algo funcionando para uma situação, vamos copiar. Se tem benchmark, me desculpa, mas não está desbravando muito o novo. Prefiro a lógica dedutiva, onde crio a partir de certas premissas fundamentais. É preciso tratar o sistema como um todo. Se estou orientado para totalidade, consigo ter uma visão melhor da complexidade.
O que mais te incomoda no modo em que a maior parte das empresas atua?
A ideia de que a organização precisa ser dividida por departamentos. Existem muitas outras formas de se organizar. Criamos nossas versões da realidade e acreditamos que elas são a realidade. O problema é que pensamos que o que pensamos é a realidade. A gente vê as coisas independentes, quando na verdade elas estão conectadas. Nós celebramos o Dia da Independência, veja só! Mas uma coisa depende da outra. A gente tem uma ideia da realidade como se fôssemos só observadores, quando na verdade somos também participantes. No sistema não existe esse distanciamento. Todo mundo é participante. O funcionário, o estagiário, o diretor, o presidente não estão na empresa. Eles são a empresa. A organização fundamentalmente é um processador de informações.
Qual é a maneira ideal de se pensar uma empresa?
Encontrei um jeito de descrever este processamento de abstração da seguinte maneira: imagine uma escada. Você sobe. O degrau número 1 seria o do design. Aqui, respondo perguntas fundamentais para o sistema que está operando. Nesse degrau vêm as respostas do que a gente faz, como a gente faz, para quem a gente faz. Nesse nível muitos operam. O segundo nível seria o do planejamento, que é mais sofisticado. O nível de planejamento é o nível de estratégia. Aqui faço as perguntas “e se acontecer isso?”. Lógicas de causalidade. Exploro cenários futuros. Começo a navegar onde não sei. Nesse, já tem poucas empresas que fazem, poucas estão realmente abstraindo.
Mas ainda existem mais dois degraus acima. Aí brinco que o ar começa a ficar mais rarefeito e a partir daí aparecem nuvens. O terceiro degrau é o metaplanejamento, que seria o planejamento do planejamento. Seriam empresas que estão considerando se a maneira que estão pensando é realmente a maneira mais adequada. Elas estão refletindo sobre como estão refletindo. E o último degrau é o degrau filosófico. E aí é raro para caramba. Líderes e organizações estão atrás da causa. É conectar quem está lá embaixo na organização com “o que se faz”. “Por que mesmo a gente está tão ocupado operando isso aqui?”. É o degrau do propósito. É o degrau filosófico. As pessoas não estão prontas para teorizar. É um degrau em que você está completamente imerso em dúvidas. E você não sobe essa escada e fica lá em cima. Precisa ser um movimento contínuo.
Qual é o problema de uma empresa ficar só nesse primeiro degrau, de responder às perguntas básicas sobre o que faz, como e para quem?
Estamos em um momento de mutação tecnológica. Alta conectividade de ideias, e a gente tem alta competição. São três mecanismos similares ao que Darwin explicou em 1859, na Teoria da Evolução, de que são mecanismos que criam a complexidade. O que tenho para dizer é que tudo vai ficar mais complexo. Vai ter mais produto, mais competidor, mais cliente, mais nicho, mais processo. Se tu não buscas maneiras mais inteligentes de processar tudo isso, vais estar dentro da lama.
Você também diz que para fazer essas mudanças a empresa não precisa de novas contratações, mais horas de trabalho e nem muito dinheiro. Tem como dar um exemplo disso?
Não posso citar as empresas com que trabalhei nisso especificamente. Mas pense em um time de futebol: com as mesmas peças, o técnico consegue mudar o padrão de jogo. Porque a inteligência do sistema não está nas partes. Só mudar os jogadores não vai resolver. Mesmo que desse para replicar o craque da equipe 11 vezes, talvez a equipe não jogasse tão bem.
A diversidade é poderosa. A questão é como combiná-la de forma integrada e capitalizar em um novo padrão de interação entre as partes
A inteligência do sistema não está nas partes em si, mas em como elas interagem. Isso muda tudo. Por isso que criar um manual não vai resolver o problema de uma organização. Nunca vi um pajé criar um manual de vários volumes e mandar o pajezinho ler. Não existe isso, porque o aprendizado dele é experiencial. Ele sabe que é na interação que vai aprender. As coisas estão em rede.
E como isso acontece em uma empresa?
Às vezes, pessoas muito influentes não estão no cargo que deveriam estar. O poder de transformação está na rede e na capacidade de influenciar essa rede. As secretárias, por exemplo, têm um poder de influência muito grande. Em uma organização de 300 pessoas vão existir umas 15 pessoas que, se você chamar para uma reunião alterar a rede, elas serão a chave. Ou seja: elas podem ser as antenas dessa “rádio peão” que espalha as coisas. Se você está sensível para isso, seu poder de influência sistêmica no todo e de mudança de cultura pode ser bem maior.
Qual é o primeiro passo para transformar uma empresa?
Cada empresa é única. Não há uma regra. Cada líder é único. É preciso apenas fazê-los enxergar a incoerência. A primeira coisa é expor essa incoerência. Ajudo a empresa a encontrar métodos de abstração utilizando diferentes ferramentas, no momento adequado para cada uma. Prepará-las para um grau de sensibilidade intelectual e para perceberem que no próprio sistema estão as soluções. Nunca parto do princípio que há desafios sem solução. O sistema já tem os indicativos e os insights nele. Mas as pessoas ainda não estão prontas para enxergar isso.
Tem a hora de massificar e tratar o sistema inteiro mas, inicialmente, é necessário desbravar com um pequeno grupo. Vai ter a hora de fazer barulho e comunicar todo o sistema, mas gosto de trabalhar com grupos menores, que chamo de snipers, ou grupos de elite dentro da organização, com liberdade para explorar o futuro. Geralmente a alta liderança: presidência e diretores. Imagina ir para um planeta novo e ter que encontrar novas formas de recursos. Vai chegar a hora de dizer: encontramos recursos aqui. Aí vem a turma para pavimentar. Não sou da turma que pavimenta. Sou útil em desbravar esses novos recursos.
Quanto tempo demora esse processo?
Depende de quão maduro está o grupo e de quais os problemas a ser resolvidos. Pode ser que só uma provocação de quatro horas e altere a dinâmica a fim de criar novos hábitos para fazer a mudança do sistema. Não é uma lógica de resolver problemas, mas uma lógica de mudança de padrão. Quem tem problemas somos nós. Os sistemas têm padrões. O segredo está na capacidade de abstrair.
E quando não dá certo?
Tem casos em que não dá certo. Por exemplo, quando a empresa não está pronta para abstrair. Já aconteceu, mas não é muito comum. Porque, se a gente faz um pacto de entrada na exploração, se aplicamos a sensibilidade no sistema e passamos a escutá-los com paciência e humildade, com criatividade, conseguimos criar novas hipóteses. O processo científico é esse. Jogar hipóteses, às vezes das mais absurdas, e tentar destruí-las. É chave o aprendizado que sempre ocorre quando se gera hipóteses e tenta derrubá-las.
Quais as principais “espumas” que você identifica nas conversas de negócios hoje em dia?
Metas conflitantes. Às vezes acontece da meta de um departamento afetar a meta de outro. Já pensou? Um time inteiro trabalhando o ano inteiro e sem saber fica prejudicando o outro time. Isso atrapalha muito. Tem também empresas que não têm áreas dedicadas a pensar esse futuro. Não têm a cultura de lab.
Quando a empresa está com muita certeza e pouca dúvida, essa é uma espuma extremamente limitadora
Outra coisa que atrapalha essa evolução é achar que elas não são criativas. E, com isso, começa a creditar ídolos ou achar que existem métodos melhores a se seguir. Tem que ter coragem para encontrar algo novo. Certamente algo original não estará onde todos estão indo.
Como você define a Nova Economia?
Acredito que a Nova Economia que está nascendo tende a ir para o peer-to-peer, para algo mais granular, mais sistêmico e mais verdadeiro que é a rede. Esse processo vai fazer, por exemplo, que se crie uma medicina que seja mais útil e mais específica para cada um. O serviço, o produto, tende a ir para o padrão de interação de rede. Ela é mais distribuída e menos centralizada.
O que mais te decepciona no seu trabalho?
Quando vejo que a empresa poderia ter um papel social bem mais amplo e muito mais significativo e, por questões de ego, vai tudo por água abaixo. Todo mundo já é inovador. Meu esforço é tentar fazer e desfazer essa rigidez para que o espaço da dúvida possa surgir.
O que você está lendo hoje?
Estou lendo a biografia de um físico quântico chamado Paul Dirac. É uma biografia do homem mais estranho que já existiu. Um físico teórico que foi prêmio Nobel.
E o que pode sugerir de fontes de informação para que o empresário se mantenha atualizado com as tendências?
A ideia de pensar em sistemas complexos, adaptativo. Cada líder tem a sua própria curiosidade. Tudo que seja relacionado a criar o mapa da totalidade, a nadar em uma corrente diferente da reducionista e fragmentada. Se libertar do template. Tudo é fluxo. Não existem pilares. Tudo que o faça ver a organização como um ser complexo vai ajudar.
A gente trata o sistema como se fosse uma máquina, mas ele tem muito mais a ver com um organismo vivo
Onde gostaria de estar daqui a cinco anos?
Tenho muito interesse em poder usar essa capacidade de abstração e o que tenho aprendido em tratar problemas complexos de grandes organizações em nível cívico e social. De ajudar as cidades, governos. Acredito que, se as organizações têm muito a percorrer, o pensar público tem muito mais. Ajudar o planejamento das cidades em um nível mais amplo. Tenho interesse em contribuir.
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