Ana Maria Bastos, 41 anos, já contou a história da Descobrir Brincando em pitchs para investidores e a veículos jornalísticos, mas a entrevista para o Sebraecast (conduzida por Adriano Silva, publisher do Draft) era sua primeira experiência em frente às câmeras. No camarim, ao ser maquiada, ela admitiu sentir nervosismo – que desapareceu durante a gravação. “Um bate-papo como esse reforça o fato de que estamos todos juntos”, explicou, depois.
Criada em 2013, a Descobrir Brincando é um empreendimento na área de educação focado na primeiríssima infância, fase que vai de 0 a 3 anos. O trabalho é feito junto com os cuidadores – mães, pais, avós, funcionários de creches, profissionais de saúde e recreadores, entre outros.
“A Descobrir Brincando cuida de quem cuida – essa é a maneira mais fácil de explicar. Construímos competências nos adultos, fortalecemos sua relação com a criança, que é a base de seu desenvolvimento integral.”
Os primeiros três anos de vida são uma “janela de oportunidade” de intensa atividade cerebral. “Para se ter uma ideia da potência dessa fase, com dois anos, uma criança realiza mais ou menos 700 sinapses por segundo. Aos 10 anos de idade, apenas metade disso.”
Ana teve contato com a importância da primeiríssima infância na Suíça, para onde se mudou em 2007 – e onde Theo, seu primeiro filho, nasceu dois anos depois. Ao voltar a trabalhar (na época, como dentista), ela deixava o menino numa creche que adota a abordagem Pikler-Lóczy, que respeita a liberdade e a autonomia do bebê.
Um dia, ao buscar Theo, Ana o encontrou deitado no chão, de barriga para cima. Descobriu que, com a coluna e a cabeça apoiadas em uma superfície plana, o bebê tem total liberdade e pode pegar os brinquedos que são colocados a seu lado.
“Isso é importante porque a parte postural está ligada à cognição, ao pensamento lógico, e o equilíbrio está ligado à emoção.”
A ideia de empreender nasceu inspirada por experiências como mãe em continentes distintos. Na Suíça, a rede pública de apoio incluía visitas de uma profissional para ajudar até nas tarefas domésticas. Na África do Sul (onde nasceu a filha, Nina, em 2011), Ana sentiu falta desse suporte. Além disso, não tinha visto de trabalho, nem muito interesse em seguir como dentista.
Por outro lado, foi se interessando cada vez mais pela abordagem Pikler-Lóczy. Fez cursos na França, na Espanha e nos Estados Unidos, e, em 2013, voltou ao Brasil decidida a trabalhar com a primeiríssima infância. Ao chegar, matriculou-se em uma pós-graduação ligada ao tema, em São Paulo, e abriu sua empresa.
A Descobrir Brincando é um negócio social, que gera lucro visando transformação social. “Nesse tipo de empreendimento, do Setor 2.5, o lucro e o propósito têm o mesmo peso: para causar impacto, você tem que se manter em pé.”
Seu primeiro cliente foi a rede Sesc. “Eu levava o material, montava os espaço e fazia uma oficina baseada no brincar na qual o adulto ficava em um papel mais indireto”, conta. A partir daí, passou a trabalhar não só com famílias mas também com profissionais que cuidam de crianças como funcionários de creches e agentes de saúde, além de dar consultorias.
Paralelamente, planejava contemplar as classes C e D. Em 2015, Ana soube do programa de atendimento médico mantido pelo Hospital Albert Einstein na favela de Paraisópolis. Por falta de verba, ela levou ainda um ano para conseguir implementar seu projeto Novo Olhar.
“Desenhei a solução para o problema da falta de acolhimento das famílias nesse período crucial da vida dos bebês. Entendo que todas as classes sociais podem se beneficiar com esse trabalho – mas a transformação social é urgente e tem que começar pela base da pirâmide.”
O fosso social se traduz no número de palavras faladas por crianças, mesmo a partir de um ano meio de idade.
“Antes da pré-escola, a criança de classe mais baixa tem metade do vocabulário da criança de classe média. Isso tem a ver com a menor qualidade da interação entre crianças e adultos de menor grau de instrução.”
O programa Novo Olhar é feito com grupos de até 20 adultos cuidadores. Em seis encontros semanais, eles são instruídos a interagir com bebês para estimular seu desenvolvimento; também trocam experiências e resgatam memórias – muitos dos participantes não tiveram a chance de cultivar um contato próximo com seus pais.
Sem funcionários fixos, Ana Maria conta com quatro colaboradoras, que participam ainda de oficinas, workshops e capacitações profissionais oferecidas pela empresa.
Como o trabalho da Descobrir Brincando é presencial, seu maior desafio é escalar. Para driblá-lo, Ana Maria desenvolveu jogos de tabuleiro que preservam aspectos importantes de sua essência, como a conversa e os contatos físico e visual. Mais recentemente, se deu conta de que precisa levar sua solução para o mundo digital.
“Talvez eu não consiga chegar com a profundidade que consigo no presencial. Mas com inteligência artificial, talvez possa customizar e entregar para as necessidades de determinadas famílias”, diz a empreendedora. E conclui, esperançosa: “Talvez, com o jogo digital, eu consiga dar um passo e atingir um milhão de pessoas.”
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O Sebraecast apresenta uma série de entrevistas com empreendedores sobre startups, negócios criativos, negócios sociais, inovação corporativa e lifehacking. Confira a websérie em youtube.com/sebrae e o podcast em soundcloud.com/sebrae!