Qualquer empreendedor sabe: tem dias que as vendas não vão bem. E se fosse possível colocar esse estoque de produtos, espaços ou horas disponíveis para a venda de um jeito diferente e para um público novo?
Há soluções inovadoras no mercado, e uma delas combina um costume antiquíssimo a uma plataforma digital — com uma abordagem e possibilidade de usos inéditos no Brasil.
A XporY administra um marketplace de mesmo nome para facilitar permutas de serviços e produtos entre empresas e indivíduos de forma multilateral.
“É muito comum que a pessoa ou a empresa venda 60%, 70 % da sua capacidade produtiva”, diz Rafael Barbosa, o engenheiro goiano, fundador e CEO da XporY. “Existe 30%, 40% de ociosidade, e algumas empresas não conseguem ‘estocar’: um hotel, um painel de LED, um spot de rádio ou TV, ou uma tarde de um profissional liberal…”
Com seu marketplace, a XporY ajuda empreendedores e profissionais autônomos a reduzir sua capacidade ociosa e problemas de fluxo de caixa — e, em alguns casos, até pagar dívidas e receber de credores.
“É nesse ponto que a gente entra: pega o que está sendo desperdiçado, monetiza numa moeda alternativa de troca e com esse crédito, a empresa vai comprar o que ela precisa e preservar caixa e até ter acesso a produtos e serviços que não tinha antes”
Em outras palavras, a sacada da startup é dar uma roupagem tecnológica à prática da troca, ou escambo, realizada há milhares de anos de forma bilateral nas mais diversas sociedades.
Na XporY, cada 1 real representa 1X, como se fosse uma moeda própria. Hoje a startup movimenta mais de X$ 10 milhões em créditos por mês.
Os clientes da startup cadastram seus produtos e serviços, bem como os preços, na plataforma e podem acessar o portfólio para comprar na mesma moeda.
São serviços que vão desde impressão e gráfica, instalação de ar condicionado, anuidade em escolas e honorários contábeis a compras em lanchonetes, restaurantes, hotéis e postos de combustíveis e até de terrenos e lojas comerciais, e de espaços publicitários em rádio e TV e painéis de LED.
A startup cobra uma taxa a cada venda, na maioria dos casos de 10%, ou conforme a prática de mercado, por exemplo, 5% no imobiliário e 2% no de postos de combustíveis.
Ao todo são 14 mil empresas e profissionais autônomos cadastrados, dos quais 8 900 realizaram alguma permuta nos últimos três meses, segundo Rafael.
Formado em Engenharia Mecatrônica pela Universidade Estadual de Campinas, vinha trilhando uma trajetória mais tradicional em sua área de atuação.
Quando a Petrobras, sua maior cliente na época, entrou em crise, a empresa anterior de Rafael não resistiu e foi à falência.
“Eu estava em uma carreira conservadora no ramo de engenharia. Vi o que é o modelo de ser empreiteiro, ter mais de 100 funcionários, e sofri a consequência de ter essa estrutura grande”
A ideia do modelo de negócio da XporY surgiu quando Rafael, à procura de uma guinada na carreira, começou a pesquisar soluções inovadoras para investir que não demandassem uma infraestrutura física complexa.
Nos Estados Unidos (onde cursou parte de sua graduação na Texas A&M University, a partir do programa de intercâmbio cultural do governo), ele tinha visto um negócio de permutas multilaterais funcionando na prática.
“Em busca de uma startup inteligente, retomei meu contato com a economia colaborativa, e lembrei dessa solução transversal, a permuta multilateral e não nichada, que vejo grande potencial para o Brasil”
Assim, ele decidiu importar e adaptar o conceito e, em 2014, lançou a XporY na Feira do Empreendedor do Sebrae em Goiânia, onde fica a sede da startup.
RAFAEL CAPRICHOU NA ESCRITA E INSCREVEU O PROJETO NUM PROGRAMA DE FOMENTO À INOVAÇÃO
Para levantar os recursos iniciais e tirar a sua empresa do papel, Rafael inscreveu o projeto da startup no Tecnova, um programa da FINEP de fomento à inovação.
“É o que o pessoal chama no mercado de “fundo perdido”, mas o nome correto é Subvenção Econômica Não Reembolsável”, diz.
O fundador faz questão de chamar a atenção de outros empreendedores para esse mecanismo de investimento:
“É preciso se dedicar a uma escrita bem feita, provar porque o projeto tem diferencial. Tem a Fapemig em Minas, a Fapeg em Goiás, a Fapdf no Distrito Federal, a Fapesp em São Paulo, então as Fapes têm recursos e tem também a Finep”
A Fapesp, lembra Rafael, “é o maior órgão estadual do país de fomento e tem uma dotação orçamentária de 1% do ICMS do Estado de São Paulo”.
“Todo ano ela devolve dinheiro para o Tesouro do Estado de São Paulo por falta de projeto — e eu acho que o país perde muito.”
SEGUIR EM FRENTE EXIGIU UM AJUSTE DE ROTA E UM MODELO ADAPTADO À REALIDADE BRASILEIRA
Ao longo dos primeiros três anos de atividade, o fundador da XporY contratou três programadores, colocou um hotsite no ar, validou o modelo de negócio e cadastrou clientes.
A primeira transação ocorreu entre setores em que as permutas bilaterais já são bastantes comuns. Uma empresa de mídia trocou a hospedagem de um anúncio em um de seus painéis de LED por vouchers em restaurantes, entre outros produtos.
O trabalho da XporY para este perfil de empresa acostumada com o modelo de permutas vem sendo mostrar que agora as trocas diretas podem ser feitas com terceiros.
“Ela não fica amarrada com um único cliente, tem a liberdade de consumir o que quiser e não simplesmente de quem consumiu dela. O que a gente faz é organizar isso dentro de uma forma multilateral, com relatórios, controles e blockchain”
Em 2017, o empreendedor precisou ajustar o modelo de negócio para a startup sobreviver:
“A gente tinha copiado o modelo americano de cobrança, quase ipsis literis, e não estava se adaptando aqui — gerando inadimplência e afetando o caixa da XporY.”
Naquela época, explica o CEO da XporY, a empresa cliente entregava um serviço ou produto, recebia o crédito na plataforma e um boleto para pagar os 10% de comissão da startup.
“Agora, a empresa só paga a taxa quando de fato usar seu crédito na plataforma. A inadimplência caiu a zero e a percepção de valor da solução foi muito mudada.”
A expansão para São Paulo em 2019 foi outro marco importante.
Quando a pandemia começou, e as pessoas e empresas buscaram alternativas para atender suas necessidades de forma mais econômica, a startup já estava adaptada e viu o número de cadastros se multiplicar.
Os negócios de economia compartilhada chamaram a atenção da imprensa, e a XporY estava pronta para crescer e colher os frutos da exposição na mídia. A plataforma passou a ser usada inclusive para pagar dívidas e receber de credores, indicada por ambas as partes como solução eficaz de cobrança. Rafael diz:
“Na pandemia, a XporY começou a ser usada para pagar escola, coisa que não tinha antes. Então, a gente começou a ser usado para resolver problemas entre credores e devedores, que nem era nosso mote inicial, que é o de monetizar a capacidade ociosa”
Em 2021, a startup foi contratada pelo Sebrae São Paulo através de um edital público, e a XporY se tornou a plataforma oficial de permutas da rede de apoio aos micros, pequenos e médios empreendedores.
Agora o acordo está em expansão para as unidades do Sebrae em outros estados, começando por Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
Em Goiás, uma lei sancionada em 2022 passou a permitir que órgãos do governo aceitem permuta como moeda de pagamento e atualmente está em fase de regulamentação com o Detran e o Procon estaduais.
“Não funcionará para tributos, não é o IPVA que vai se pagar [via permuta]. Mas a multa e os juros de receitas estaduais poderão ser pagos em permuta. E isso é um marco. O governo consome serviços e produtos também e faz a economia girar.”
Desde o início, o maior desafio da XporY é influenciar a cultura para que a permuta multilateral seja uma alternativa lembrada e utilizada por consumidores.
No Sebrae, segundo Rafael, as permutas multilaterais têm proporcionado resultados melhores no volume de transações nas tradicionais rodadas de negócios – quando profissionais participam de dinâmicas para apresentar seus produtos e serviços durante poucos minutos em mesas redondas com outros profissionais.
De acordo com a International Reciprocal Trade Association, o mercado de permutas movimentou 14 bilhões de dólares nos Estados Unidos em 2019.
Rafael estima que este mercado movimente de 200 milhões a 300 milhões de reais por ano no Brasil (onde a XporY tem concorrentes como a Permute e o Clube de Permutas).
Startups que precisam criar uma nova cultura de consumo geralmente investem uma grana pesada em campanhas publicitárias. Não é o caso da XporY.
A startup conta com a divulgação de sua plataforma na rede de parceiros do Sebrae e mantém um programa de incentivos para os clientes indicarem novos clientes, ganhando créditos como recompensa – o modelo “member get member”.
“Nosso cliente traz seu credor, seu devedor, seu fornecedor – e a gente acaba crescendo. As pessoas do nosso time comercial fazem os matches, colocando um cliente para comprar no outro”
Começa como se fosse um programa de afiliados, explica Rafael; o cliente ganha descontos na comissão que paga à startup.
“Hoje existe quem não paga nada mais para operar porque já indicou muita gente e tem pessoas que até conseguem ganhar dinheiro de tantas pessoas que indicou.”
Rafael hoje se divide entre Goiânia, onde vive sua família, e Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, as maiores praças da startup.
Além do CEO, a empresa tem hoje 11 funcionários – metade na área de tecnologia da informação e metade no atendimento comercial.
A XporY dá lucro desde 2018, segundo Rafael. Ele não divulga o faturamento, mas afirma que seu crescimento dobrou entre 2022 e 2023, e que planeja crescer 400% em 2024.
“Para conquistar o país vai demorar dez anos ainda. Meu objetivo é ter 1 milhão de clientes”
O empreendedor diz que vem mantendo conversas com investidores e avaliando a possibilidade de ter um sócio. Também está inscrevendo um novo projeto na Finep para captar recursos de fomento à pesquisa e inovação.
A proposta é utilizar a permuta multilateral no Judiciário, para resolver os conflitos entre credores e devedores.
Uma das frentes em que aposta é a de “white labels”, ou seja, fornecer plataformas de permuta multilateral para grandes organizações utilizarem com a própria marca e ligadas a seus próprios sites.
O que poderá entrar também para o portfólio de soluções da estratégia ESG de grandes empresas.
“Por exemplo, a Mulheres do Brasil — que tem uma rede de [mais de] 100 mil mulheres empreendedoras — gostou do nosso modelo de negócio, mas quer ter uma plataforma de permutas com a marca dela… Então, a gente está sendo buscado por redes que têm consciência da nossa expertise, da nossa governança, do fato de sermos licitados pelo Sebrae”
Outro projeto, com a CUFA – Central Única das Favelas – e o Sebrae, pretende facilitar a colaboração entre empreendedores em situação de vulnerabilidade, ao depender menos do sistema bancário.
“Estamos conversando com os líderes locais de duas comunidades, Jabaquara e Brasilândia, para aplicar a ferramenta”, diz Rafael.
Ele explica como esse projeto se alinha ao seu propósito como empreendedor:
“Quem produz tem que ser empoderado, seja um produto ou serviço. E hoje não é assim que funciona o mundo: hoje quem tem poder é o banco. Meu sonho é a gente mudar um pouco essa equação – e no fim do dia, ter redução de desigualdade e mais justiça econômica”
Os objetivos são difíceis, mas não desanimam o fundador da XporY.
“Sozinho eu não vou conseguir”, diz Rafael. “Mas já é alguma coisa se eu puder mudar um milímetro o paradigma da visão de quem tem poder.”
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