Dizer que “os dados são o novo petróleo” (data is the new oil) já virou uma verdade tantas vezes repetida que hoje ninguém questiona mais.
Ainda assim, quanto vale de fato todo aquele rastro de informações digitais que as empresas capturam a nosso respeito? E por que o(a) usuário(a) – você – não recebe nenhum dinheiro por isso?
Esses temas mexem há muito tempo com a cabeça de André Vellozo. Radicado há mais de uma década nos Estados Unidos, o empreendedor paulistano é o CEO da DrumWave, fundada em 2015 em Palo Alto, na Califórnia, uma das cidades que compõem o Vale do Silício.
A DrumWave se dedica a refinar as ferramentas do chamado Ecossistema de Monetização de Dados, uma forma de mercado digital que pretende municiar as pessoas com o controle e a segurança necessários para organizar, autenticar e comercializar seus dados com terceiros.
Hoje, o principal produto em desenvolvimento da DrumWave é o aplicativo dWallet, uma carteira digital em que o usuário poderá gerenciar seus dados. Em parceria com a IBM, o aplicativo permite certificar seus dados e atribuir valor a eles. A ideia é criar uma poupança de dados para utilizar seus valores como meio de pagamento na aquisição de bens e serviços.
Em conversa com o Draft, André vislumbra a dinâmica, os desafios e o futuro desse mercado, torce o nariz para as criptomoedas, fala sobre o pioneirismo do Brasil na construção de um framework legislativo, e afirma: uma nova economia de dados pode ajudar a diminuir a desigualdade social.
O que é uma poupança de dados?
Seus dados valem dinheiro, isso não é nenhum segredo, todo mundo já entende isso e estamos conscientes de que muitas companhias compram e vendem nossos dados e que tudo que nós fazemos gera valor.
Até dormindo produzimos dados que são valiosos. Mas, neste momento, só o consumidor não consegue se beneficiar do valor dos seus dados. Podemos poupar nosso dinheiro, mas não conseguimos fazer o mesmo com nossos dados.
A Poupança de Dados propõe uma modalidade alternativa de poupança previdenciária, que vai além da sua relação trabalhista e com o governo, e permite que você contribua de forma organizada e segura para, em seguida, monetizá-los corretamente. Com uma Poupança de Dados, é possível capturar e gerenciar o valor dos seus dados como faz com seu dinheiro
Hoje, seu dinheiro está no banco e você tem total autonomia sobre ele — pode depositar, transferir, sacar e usar como bem entender. Mas os seus dados estão na nuvem, e você não tem nenhuma autonomia sobre eles. Você não consegue usá-los para benefício próprio, para ajudar os amigos, sua família ou mesmo sua comunidade e o próprio planeta. Enquanto isso, outros se beneficiam dos seus dados – e até podem usá-los contra você.
Para quem se lembra do que era uma caderneta de poupança lá na década de 70, era uma coisa coletiva, não era uma coisa individual. Nos tornamos muito individualistas nas últimas décadas. Quem colocava dinheiro na sua poupança eram seus pais, tios e tias, padrinhos e madrinhas e seus avós.
E pensando nisso, acho que a geração mais importante que o mundo precisa preparar para garantir o nosso futuro é a próxima geração de avós. Estes avós terão uma missão muito importante no resgate de novos valores, e ajudar as próximas gerações a encararem os desafios que temos pela frente. Acho que eu tô ficando velho! (risadas).
Há alguma diferença entre a monetização de dados e a venda de dados?
Quando a gente fala de monetização de dados, é normal que se entenda imediatamente: “comprar e vender dados” – porque isso é tudo que nós vivemos e experimentamos até agora. Entender a monetização de dados exclusivamente como comprar e vender dados é o primeiro obstáculo que enfrentamos, porque é realmente um salto o que estamos propondo na DrumWave.
Monetizar é verbo, é dar ao dado características de moeda. Imaginar o que precisa ser feito para que você tenha a propriedade dos seus dados e possa gerenciar o valor que possa vir deles da mesma forma que você gerencia seu dinheiro, nos força a recriar desde os contratos, a tecnologia, interfaces e interagir também com os reguladores. É um exercício de imaginação e um esforço de execução considerável, que não dá pra gente esperar que todo mundo capture de uma vez só.
Quando se fala em monetização de dados, as duas perguntas que mais me interessam são: “O que é dado?” e “Quanto valem os dados?”
O curioso é que, para responder, precisamos entender que os dados se comportam de maneiras diferentes nas camadas do stack de tecnologia. Por exemplo, quando o dado está organizado e empacotado, ele é um dataset e, neste formato, ele é um produto que pode ser vendido e comprado como qualquer outro.
Isso já vem sendo feito no mundo há muito tempo e acabou gerando um monte de questões, todas elas extremamente importantes, que vão desde a soberania de dados até a regulamentação de IA. Por isso, pessoalmente, eu me interesso muito mais por uma definição mais robusta do que é dado. Para mim, assim como dinheiro, dado é “potencial”.
Para nós na DrumWave, monetizar dados significa muito mais do que “comprar e vender dados” – nós não compramos e vendemos dados –, monetizar é dar aos dados divisibilidade, transportabilidade e resistência a fraude.
Estas três características são características de moeda. Para que isso fosse possível, tivemos que resolver outros cinco problemas gigantescos: data sovereignty [soberania de dados], data fragmentation [fragmentação de dados], data discovery [descoberta ou coleta de dados], data valuation [valoração de dados] e data ownership [propriedade de dados].
A recente regulamentação de Privacidade de Dados deu um passo importante para proteger as pessoas do mau uso deles; o próximo passo natural é a propriedade de dados.
É muito mais fácil definir privacidade partindo de propriedade. O direito à propriedade de dados não só pode regulamentar AI automaticamente como acredito que vai promover um dos maiores ciclos de criação de valor e distribuição de riqueza da nossa história
Hoje, os três maiores casos de uso para dados são credit score [pontuação de crédito], advertising target [publicidade direcionada] e data stealing/misuse of data [roubo ou uso indevido de dados]. No dia que os seus dados estiverem na ponta dos seus dedos, o número de casos de usos vai explodir.
Como é possível mensurar o valor do dado de alguém? Quem determina isso?
Essa é a pergunta que não quer calar. Todo mundo quer saber quanto vale seus dados e ainda quanto valem os dados do outro. Mais ainda: as pessoas querem saber se os dados de uma pessoa pobre valem menos que os de uma pessoa rica, se existe viés para raça, opção sexual, gênero e outras dimensões.
Tem gente dizendo que seus dados não valem nada, tem gente dizendo que seus dados valem um montão e tem gente dizendo que se você for dona dos seus dados bilhões de dólares de investimentos em IA vão perder valor.
O fato é que para nós aqui, independente de raça, cor, religião ou orientação sexual, não importa quem você seja – se você está vivo aqui, neste planeta, hoje, você conta. Se você concorda que estamos todos rumando para uma economia movida a dados, a melhor coisa que você pode fazer agora é começar a poupar seus dados para o futuro. Pois você vai usá-los por razões pessoais, profissionais e financeiras.
Mas voltando à sua pergunta. Como é possível mensurar o valor do dado de alguém? Quem determina isso?
Em uma transação, valor é o que você recebe e preço é o que você paga. O dado tem um valor base de processamento, e o preço do dado quem dá é o mercado. Dependendo do caso de uso, existem dados que chegam a valer mais de 2 mil dólares por mês; outros valem frações de centavos por segundo
Para explicar, vamos resgatar a metáfora do dinheiro: se juro é o nome do preço do dinheiro a ser pago em dinheiro, qual seria o nome do preço dos dados a ser pago em dados? Bem, quem emite a taxa base de juros são os Bancos Centrais e assim se determina o valor do dinheiro. Por sua vez, este valor base ganha taxas e tarifas que variam em contratos diferentes.
Por exemplo, seu cartão de crédito tem uma taxa de juros diferente do seu financiamento do carro, o financiamento de uma casa também, e até o valor do contrato de capital de giro de um mercadinho afeta o preço do arroz e feijão que está na prateleira.
O juro tem a ver com a incerteza, que é o risco do dinheiro. Quando o juro sobe, as pessoas pautam suas decisões mais baseadas na necessidade e fazem menos compras por impulso; e quando o juro baixa, tomamos decisões mais pautadas por desejo, e nos permitimos comprar aquele tênis de marca, ou um relógio bonitão.
O valor do dinheiro está diretamente ligado aos valores da sociedade que confia e usa aquela moeda para transacionar, e por sua vez, confiança é inversamente proporcional à assimetria da informação, que é a quantidade de informação que os dois lados de um negócio têm sobre o negócio.
Aí está a mágica: quanto mais dado você acumula em sua Poupança de Dados, menor a assimetria de informação e, por consequência, menor o risco. O valor do dado é diretamente proporcional à redução de incerteza que ele gera ao reduzir a assimetria
O valor do dado vai impactar diretamente o custo do dinheiro. Eu acredito que dado pode vir a se tornar garantia de contrato. E mais: que com a velocidade que as tecnologias de processamento de dados avança, o juro em si tenderia a cair e seu valor transportado para o custo de processamento de dados. Mas isso já é um moonshot.
Agora, quem vai determinar esse valor do dado é uma ótima pergunta. No nosso caso, nós participamos da formação de uma entidade reguladora sediada na Suíça: o International Data Reserve, que irá funcionar como um regulador autônomo e descentralizado e que responde para seus membros.
Você acha que os dados pessoais serão uma nova moeda?
O que nós entendemos como moeda precisa evoluir, e eu não estou falando de criptomoedas e outras propostas semelhantes.
Todas as principais questões da agenda de Davos 2024 circularam entre a IA e o aquecimento global. A essência destes problemas está nas moedas que usamos hoje.
Melhor do que isso: [o problema está] na forma com que entendemos e conversamos sobre a própria ideia de moeda, cuja tradução para o inglês, currency, tem um significado bem mais bacana: “linguagem corrente” – a moeda é a linguagem do negócio
Lá no passado, quando criamos a moeda, ela era uma ferramenta, uma tecnologia inventada para nos ajudar a trocar valor por valor. Trocando o valor do meu trabalho pelo valor do seu trabalho, criamos a sociedade que vivemos hoje e, como era de se esperar, a velocidade e expansão da moeda acelerou brutalmente, da mesma forma que adotamos novas tecnologias nos últimos anos. Eu diria até que em tal sincronia que a moeda como linguagem do negócio é o “source code” [código fonte] que está no core de toda tecnologia que derivou desde sua invenção.
No seu início, a moeda estava intimamente ligada à atividade produtiva e circulava bem próxima dela. Desde então, o mundo acelerou muito, começamos a cruzar oceanos e criar mercados novos, e não demorou para começarmos a comprar e vender a própria moeda. Passamos a tratar dinheiro como coisa. Em seguida, esta mesma moeda foi circular no mundo digital, ainda mais distante da atividade produtiva.
Como a ideia que temos de moeda se baseia no conceito de escassez, a financeirização e digitalização do mundo acabou criando assimetria financeira e digital. Não tem como a gente ser financeiramente saudável sem ser rico em dados
Seus dados são parte fundamental da moeda emitida pelo seu país. Eu não acredito, e me preocupa a ideia da fragmentação monetária. Eu acredito que a ideia de moeda está evoluindo e vai incluir nela o valor dos seus dados como lastro.
Como é possível enfrentar o lobby das big techs e fazê-los pagar pelos dados para as pessoas?
Sempre ouço essa história do lobby das big techs, existe um bias [viés] gigantesco nesta conversa. Primeiro, ela pressupõe que estas empresas controlam a totalidade dos seus dados, que já são donas destes dados e que não vão permitir que você seja o dono deles.
Esta é uma suposição duvidosa, porque você não gera dados apenas no browser ou no seu telefone: você vai ao médico, ao restaurante, você faz muitas outras coisas que não são intermediadas por estas empresas de tecnologia.
Verdade que esta intermediação cresce, assim como o custo de se resolver os cinco problemas que apontei anteriormente.
Os dados que você produzirá amanhã não precisam ser necessariamente controlados por uma big tech; os seus dados financeiros estão no sistema financeiro, e nessa conta ainda tem o seus dados da sua relação com o governo. Na pior das hipóteses, quem vai te dizer que o seu dado de localização não pertence a você?
Realmente acredito que empresas como estas que estamos nos referindo tratam nossos dados muito melhor que a maioria das empresas que estão por aí, pois estes dados são a base de seus negócios. Ocorre que a distorção que ainda vivemos – e que acaba gerando este tipo de questionamento em todos nós – é o fato de que não temos autonomia sobre nossos dados.
Estas empresas geram valor para seus usuários, e acredito que respeitam seus contratos atuando dentro do limite dos seus objetos.
O que nos falta é uma nova licença social para operar que estabeleça padrões e práticas de mercado que permitam que a sociedade se beneficie dos demais casos de uso que a combinação destes dados possa vir a gerar, através de novos objetos contratuais e aplicações de uso.
A beleza do que estamos propondo é que, ao se criar um novo mercado, estamos criando novo valor e riqueza para todo mundo
Não estamos competindo pelo que está na mesa, nem “targeteando” [mirando] uma porcentagem de um mercado já estabelecido.
E como vocês garantem a transparência e confiança de dados tão sensíveis pela plataforma?
O modelo de negócios da indústria de software até o momento seguiu duas premissas básicas: tirar fricção do onboarding de usuários e trazer o maior número de usuários para dentro do negócio.
Acontece que tirando a fricção e trazendo todo mundo com velocidade desenfreada acabou trazendo fraude para o negócio. Hoje todos nós experimentamos as consequências disso, o volume de fraudes cresceu absurdamente no mundo todo.
Se o desafio já não fosse grande, na DrumWave nós estamos trazendo fricção de volta de uma forma muito positiva e colocando nela um processo de aprendizado que gera valor para o cliente.
KYC é uma sigla bem conhecida no mercado financeiro, quer dizer Know Your Client, “Conheça seu cliente”. O que estamos construindo aqui usa KY3C – Know Your Client, Content and Cloud – Conheça seu Cliente, o Conteúdo e a Cloud [nuvem] dele(a).
Você já afirmou que uma nova economia de dados pode diminuir a desigualdade social. Como?
Pode e vai! Basta observar como o computador pessoal, a internet e os smartphones incluíram pessoas no mundo inteiro gerando valor e riqueza. Todo este valor e riqueza agora reside nos dados que foram gerados neste processo e na infraestrutura de computing, networking e storage que desenvolvemos no mundo todo.
A indústria de IA está cada vez mais equipada para capturar dados valiosos – e cada vez mais dependente de dados valiosos para produzir uma boa IA.
Sim, a IA pode nos ajudar a criar um mundo melhor; mas o valor dos seus dados é o ativo que tornará a IA e o mundo melhores
A única condição necessária e suficiente para que isto aconteça é garantir o direito de propriedade de dados aos seus legítimos donos.
O carro-chefe de vocês é a dWallet? Pode explicar como funciona?
Na verdade, nosso carro-chefe é o Plano de Poupança de Dados, que é o coração da Plataforma dWallet.
A plataforma possui um conjunto de APIs que integram contas de pessoas físicas e jurídicas, assim como ofertas que suportam transações simultâneas com dinheiro e dados usando uma interface nativa em dados.
Da mesma forma que você recebe hoje ofertas para seu dinheiro, você receberá ofertas para seus dados, e poderá comprar e vender, investir e até mesmo pagar com dados.
Como o Brasil, que é conhecido mundialmente pela sua tecnologia de segurança cibernética, principalmente para finanças, também é um dos países que mais tem pessoas com dados vazados?
Eu já me fiz esta pergunta várias vezes, e adicionaria a ela uma outra. Como uma indústria que consegue achar e mandar uma propaganda em qualquer lugar que você esteja não tem as ferramentas para achar fraudadores?
No caso do Brasil, acho que isso aponta para uma combinação de variáveis que incluem o fato de sermos um dos maiores usuários de social media do mundo e o fato de que, fora do sistema financeiro, as consequências da fraude são ainda pequenas.
Se você sofre qualquer tipo de fraude, seu banco ou cartão de crédito geralmente é o primeiro a detectar e reagir.
Minha filha de 15 anos e um querido amigo de 67 anos perderam suas contas em um aplicativo de rede social de fotografias e nunca mais conseguiram reaver estas contas. Imagina se isso acontecesse no seu banco?
Empresas de tecnologia estão ainda evoluindo nessa direção, e você já deve sentir fricção para logar em seu email se o faz de lugares ou máquinas diferentes.
Estamos vivendo uma crise de confiança gigantesca, que eu acredito seja ainda mais nociva para o mundo do que os temas de IA e aquecimento global.
Quais as diferenças nos públicos americano e brasileiro, no ponto de vista de segurança de dados?
Estamos falando de duas culturas diametralmente opostas. A sociedade americana é muito mais transacional que a brasileira: os americanos são bem focados nos valores transacionais, já os brasileiros são culturalmente mais ligados aos valores não transacionais.
O americano confia pouco e prefere não depender do governo; já o brasileiro, apesar de reclamar sempre, culturalmente conta com ele. Claro que os dois gostam muito de dinheiro, mas estas diferenças culturais impactam como cada um vê o valor dos seus dados – e como cada um entende dinheiro
Os valores culturais de uma sociedade determinam o nível de confiança na moeda e nos dados que usam. Ambos os países passam por uma crise de identidade profunda.
Como esse novo mercado de dados, que inclui a ponta da pessoa individual, pode não ter o mesmo fim que as criptomoedas, que perderam a narrativa pública?
Observa que quando a gente fala “mercado de dados”, imediatamente pensamos em comprar e vender dados e, quando falamos em criptomoedas e dados, estamos falando em dados virarem moeda. Percebe a diferença? No meio disso, ainda há toda a história de tokenização de ativos, mas isso é outro tema.
Assim como comprar e vender dinheiro, mercados de dados existirem faz algum tempo, mas nunca em uma economia lastreada pelo valor dos dados.
Minha perspectiva sobre criptomoedas não é positiva. Não é um tema que me interessa além da necessidade de me manter informado sobre o que acontece e quem está operando. Eu entendo que a mídia social esvaziou a confiança na indústria da mídia – e que as criptos querem se tornar a mídia social das finanças.
Essa ideia de desintermediação aplicada da forma que o Silicon Valley aplicou nos últimos dez anos vem mostrando sinais de que não dá conta da complexidade dos problemas que temos hoje na sociedade. Pelo contrário, ela tem até colaborado negativamente: aplicar o mesmo modelo na moeda é um risco que – eu garanto – você não vai querer para si, nem para seus filhos
A DrumWave trabalha para dar a você a autonomia sobre o valor dos seus dados. Mas, para isso, é preciso lidar com o fato de que big tech, big finance e big government colidem simultaneamente para criar a economia de dados.
Diferente de estimular a fragmentação da moeda, que traz um risco igual ou pior que o da mídia social para dentro das suas relações financeiras, nossa proposta fortalece a moeda corrente de cada país.
Como seres humanos, todas as nossas relações gerenciam dois tipos de valores: o valor transacional e o valor não transacional. Por isso, toda moeda tem dois lados: um que tem um número e usa uma escala métrica que pode ser real, dólar etc., e outro lado que tem imagens de bichos, prédios, presidentes, pessoas.
Parece que a gente esqueceu um pouco deste outro lado, não transacional. Ele fala da região, dos valores, da cultura das pessoas que concordaram em transacionar usando a métrica transacional registrada do outro lado da moeda.
Se a gente pudesse cortar uma moeda no meio e separar a cara da coroa, o que mantém estes dois lados juntos é confiança. E confiança é inversamente proporcional a assimetria
Nós [da DrumWave] focamos em dar a você a capacidade de imprimir o lado que registra os valores não transacionais da moeda. Estes valores precedem e sucedem todas as transações: a moeda local de cada país é a que participa do esquema de pagamentos, e alinhamos com o sistema financeiro e players de tecnologia.
O que propomos é uma reorganização destas relações, em uma nova licença social para operar. Quando a gente não pode confiar nas instituições, nas organizações, empresas, produtos, quando a gente não confia no outro, não existe moeda que possua valor. Você pode dar o nome que quiser a ela que não funciona.
Recentemente, a Câmara protocolou um projeto que regulamenta a propriedade de dados no Brasil, a PLP 234/2023. O que você pensa sobre ela?
Chamada de “Lei de Empoderamento de Dados” e apresentada pelo Deputado Arlindo Chinaglia, do PT, posiciona o Brasil como líder global em questões relacionadas a dados. Acredito que seja o primeiro framework legislativo [do mundo] que dá ao cidadão o direito de propriedade sobre seus dados.
Neste momento, em que a questão de dados está sendo discutida no mundo todo, é também a primeira vez que o Brasil tem a oportunidade de ter voz ativa no tema de tecnologia. Me dá muito orgulho ver o Brasil se destacar desta forma
Este PL pode iniciar uma mudança profunda de privacidade para a propriedade de dados no mundo, incluir o Brasil no debate e criar um ciclo de riqueza e desenvolvimento de tecnologia novo para o país.
É muito importante ter o apoio do governo nesse tema? Como é sua relação com ele?
Entre 2024 e 2030, o mundo vai passar por mudanças significativas. Falo por mim, mas vou generalizar: como brasileiros, fomos criados, em sua maioria, com uma visão de mundo muito ocidental, muito limitada ao eixo que inclui as Américas e a Europa.
O que vem aí nestes próximos anos tem muito mais de Ásia, e vai além de China e Índia. Certamente, terá muito de Oriente Médio.
Americano “faz” com americano, chinês faz com chinês, indiano faz com indiano, para depois fazer com o mundo. Brasileiro tem que fazer com o Brasil. Ignorar governo é ignorar o futuro, pois o governo é parte do problema e parte da solução de tudo que é significativo, especialmente em momentos de mudanças tão profundas como este, onde um novo arranjo global se desenha.
Vale aqui lembrar que, salvo qualquer distorção, Elon Musk é, em grande parte, governo: não dá para ignorar o fato de que a SpaceX vive de contratos com a Nasa e que a Tesla fornece as baterias para os painéis solares da Solar City [adquirida pela Tesla em 2016] e carros para os motoristas de Uber, usando subsídios pesados de governos estaduais e federais. Tanto quanto Elon, o Vale do Silício é governo
Para todos os governos, o tema de dados é questão de soberania nacional e competitividade e tem muito de geopolítica na agenda deste futuro próximo.
Desde dezembro de 2023, o Brasil assumiu a presidência do G20, ocupando o lugar que anteriormente pertencia à Índia. A Índia tem se destacado fortemente com executivos nos principais cargos de empresas globais de tecnologia e finanças. A agenda de Infraestrutura Pública de Dados (DPI) liderada pela Índia no G20 é de extrema importância, e seu exemplo prático no país é relevante.
A DrumWave é uma empresa americana, mas com muito DNA brasileiro, que vem dos seus fundadores e investidores. A companhia tem colaboradores brasileiros, colombianos, chineses, indianos, cingaleses, peruanos, paquistaneses, australianos, chilenos, ingleses e americanos.
Nossa estratégia é evangelizar 162 países para que o tema do “shift from data privacy to data ownership” [mudança da privacidade dos dados para a propriedade dos dados] entre nas agendas dos países que já possuem legislação sobre proteção de dados; começamos no Senado dos Estados Unidos da América logo antes do Covid-19, e de lá seguimos para a Europa, Brasil, e outros países.
Por que você assumiu esse propósito de possibilitar aos usuários o controle e a monetização de seus dados pessoais no ambiente virtual?
Eu acredito que este é um dos principais temas da humanidade e que pode sim promover uma mudança essencial na economia e na sociedade.
Quando pergunto aos meus amigos por que eles fazem o que fazem, geralmente ouço: “faço o que faço porque preciso, porque eu posso, porque meu currículo, porque minha família…”. No meu caso, eu faço o que faço porque aceitei o desafio integralmente. E quando a gente aceita este tipo de desafio, não dá pra cogitar a hipótese de “desaceitar”
Até agora, dediquei os últimos dez anos da minha vida exclusivamente a este tema. E sou extremamente grato por ter tido esta oportunidade, pois nunca imaginei que estaria fazendo o que faço nesta altura do campeonato.
Enquanto a Neuralink, de Elon Musk, investe em chips cerebrais, a Orby, de Duda Franklin, aposta em outro caminho. Ainda em busca de regulamentação, a startup de Natal sonha em inovar na reabilitação física com uma tecnologia não invasiva.