Estamos acostumados com a narrativa do herói no ecossistema de inovação e tecnologia: a história do empreendedor que começou sua startup com muitos desafios e superou todos eles, principalmente o de captar investimento de fundos de venture capital, até chegar ao status de unicórnio ou realizar um IPO.
É verdade que todos os empreendedores passam por desafios enormes para construir um negócio e por isso há uma grande identificação do público com figuras que “venceram a corrida”.
No entanto, temo que a ode cega aos fundadores estrelados e a repetição de alguns jargões da indústria de VC perpetuem uma visão falsa da concorrência pelo capital.
O mercado de investimento privado nunca foi um lugar meritocrático, em que apenas as boas empresas de bons empreendedores “vencem”
O acesso à educação, informação e boas práticas é extremamente assimétrico.
Em relação à renda, também há uma desigualdade brutal: pessoas de alta renda que empreendem e quebram têm rede de suporte para se refazer e empreender de novo, e isso é visto como uma coisa boa pelo mercado, é o second time founder.
Eu também vejo como um bom sinal uma pessoa que já empreendeu antes, mas não me impede de ponderar, enquanto investidora, que uma pessoa de baixa renda que empreende e erra não tem a mesma sorte
Ela pode perder tudo e não ter rede de apoio que a coloque de pé de novo com um pitch debaixo do braço para captar dinheiro de outras pessoas.
Eu acredito que o talento é aleatoriamente distribuído entre os seres humanos, e por isso há, em qualquer grupo social, os inovadores, os criativos e os empreendedores.
Por outro lado, a oportunidade de empreender com acesso a capital é desigualmente concentrada em alguns grupos específicos.
Para se ter ideia da desproporção, apenas 2% do volume investido por venture capital nos Estados Unidos vai para empresas fundadas apenas por mulheres, de acordo com Pitchbook, e 1.2% do volume vai para empresas de pessoas negras, de acordo com Crunchbase.
Não surpreendentemente, a composição de gênero e raça da indústria de capital de risco também é muito homogênea. Um conjunto de dados abrangente de todas as organizações e investidores de capital de risco nos Estados Unidos, desde 1990, mostrou que essa indústria permaneceu uniforme pelos últimos 30 anos.
Apenas 8% dos investidores são mulheres e as minorias raciais estão ainda mais sub-representadas – cerca de 2% dos investidores de capital de risco são latinos e menos de 1% são negros
Esses grupos aumentaram a representação em outros setores e em programas de graduação profissional e científica, mas não na indústria de capital de risco.
Interessante notar que os homens brancos representam apenas 30% da população, mas 58% de todos os investidores de capital de risco e ainda administram impressionantes 93% deste capital, de acordo com dados do Equal VC.
Em 2018, uma pesquisa de Harvard demonstrou que as startups investidas por grupos homogêneos e grupos diversos de investidores eram igualmente promissoras quando a decisão de investir foi tomada.
As diferenças nas decisões e no desempenho vieram pós-investimento, na hora de ajudar na estratégia e em outros pontos críticos para a sobrevivência e o crescimento de uma startup em estágio inicial.
Navegar em um ambiente de alta incerteza e competitividade requer pensamento crítico e criativo, e os grupos de investidores diversos estavam mais bem equipados para superar desafios coletivamente.
Por exemplo, a taxa de sucesso de aquisições e IPOs foi 26,4% menor para startups de grupos de investidores racialmente homogêneos, em comparação com investidores de diferentes raças
Tudo indica que os já altos retornos dos fundos de venture capital bem-sucedidos poderiam ser ainda maiores se eles começassem a diversificar seus sócios e tomadores de decisão.
Conforme a ciência vai mostrando que a homogeneidade do ecossistema gera custos financeiros e a diversidade produz ganhos financeiros, é esperado que os investidores ajustem suas estratégias para atrair empreendedores e colaboradores de perfil diverso em gênero, raça, formação e localidade.
E aí se impõe o desafio da década para os gestores de venture capital: atrair e gerir aportes em startups cujos fundadores não estão acostumados às mesmas condições de empreender ou às receitas de crescimento que deram certo para os investimentos anteriores
Vai ser necessário preparo intelectual e emocional por parte dos investidores, porque o desafio de gerar valor para as startups do portfólio exigirá ainda mais criatividade e empatia.
Isso só será possível se houver curiosidade e abertura, além de uma equipe mais diversa para elaborar a abordagem da colaboração.
É instigante e animador imaginar o quão mais poderemos aprender e ganhar enquanto setor se ouvirmos o que os dados nos dizem das oportunidades a nossa frente
O investimento com impacto social terá especial importância nessa jornada de transformação da indústria, embora a maioria dos investidores de impacto não tenha questionado ainda seus papéis na promoção da equidade e inclusão em suas organizações e portfólios.
Geralmente, as teses de fundos de impacto social miram incluir a base da pirâmide social na economia, seja através de produtos com baixos preços ou serviços complementares acessíveis de educação, finanças e saúde.
Acontece que na maior parte do mundo, a desigualdade de renda está inextricavelmente ligada à raça, gênero, nacionalidade e localidade.
Não bastará ter um propósito sem uma abordagem necessária de inclusão para construir relacionamentos de longo prazo com comunidades empreendedoras diversas econômica e socialmente
Seja por responsabilidade ou por apreço às oportunidades de retorno, o interesse no letramento sobre diversidade e inclusão deve ser genuíno por parte dos investidores, com ações práticas na esfera individual e organizacional.
Itali Collini é economista, investidora-anjo e diretora da Potencia Ventures.
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