O nome é curto: naPorta.
Porém, para Sanderson Pajeú, 29, CEO da startup, carrega um significado enorme:
“Nós mudamos a experiência de consumo de pessoas que, durante décadas, não tiveram acesso. E eu não estou falando só de compras online, mas de receber o cartão do banco, poder matricular o filho na escola”
Fundada em 2021 por Sanderson, Katrine Scomparim, Leonardo Medeiros e Rodrigo Yanez, a logtech nasceu com o objetivo de fornecer o serviço de última milha para regiões de difícil acesso.
A ideia da naPorta surgiu a partir da experiência pessoal e profissional de Sanderson, que cresceu na periferia de Itaim Paulista, bairro localizado na Zona Norte de São Paulo.
“Era comum para mim e para os meus amigos não receber encomendas. Todo mundo que mora nesses locais sabe que vai ter esse problema, então a pessoa pede para entregar no trabalho, usa o endereço de outra pessoa ou vai até a loja comprar.”
De fato, essa (ainda) é a realidade de muitos brasileiros e brasileiras. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e o Data Favela, 36,2 milhões de pessoas que vivem nas comunidades e regiões periféricas não recebem as compras adquiridas online nos locais onde residem.
Esse incômodo acompanhou Sanderson por muito tempo, mas ele não imaginava que a solução para o problema viria de um negócio fundado por ele mesmo, anos depois.
“Para quem vive ali naquele mundo em que a gente enxerga um teto, o funcionalismo público era a forma que eu via de melhorar de vida. Nem pensava na possibilidade de empreender”
Parece que o destino tinha reservado uma história diferente para o jovem. Com o apoio do pai e da mãe, Sanderson entrou na faculdade. Por meio do PROUNI, ele conseguiu uma bolsa na Universidade São Judas Tadeu, onde cursou Administração e Gerenciamento de Computação.
Trabalhou com Recursos Humanos, passou pela área comercial e, depois, migrou para a área de tecnologia. Em 2014, no último ano do curso, tentou abrir seu primeiro negócio, um fast food saudável que, por sinal, existe até hoje: a Mr. Fit.
Sanderson ficou tão entusiasmado com a ideia, que decidiu se aprofundar no tema, dando início à sua segunda graduação, agora em Nutrição.
“Fiquei quase um ano tocando tudo sozinho, mas depois de um tempo, passei a operação para um investidor e decidi focar nos estudos, porque independentemente do negócio dar certo ou não, eu teria a formação.”
Passado um tempo, a vontade de empreender continuou acesa. Surgiu então o Ponto do Nerd, e-commerce de produtos eletrônicos, informática e acessórios.
Durante essa experiência, Sanderson notou um outro problema nos serviços de entrega, mas agora como vendedor.
“Mesmo que a gente buscasse transportadoras que atendessem a região, elas não conseguiam de fato operacionalizar as entregas, então a maioria acabava repostando pelos Correios”
A questão é que, por lei, os Correios não são obrigados a fazer uma entrega porta a porta em áreas consideradas de risco — seja por conta do difícil acesso, seja por falta de agências ou centros de distribuição próximos, seja por questões de segurança.
Então o consumidor sempre tinha que ir até uma agência para retirar a encomenda, o que gerava uma insatisfação enorme, além de reclamações e processos.
Após cinco anos e meio à frente do e-commerce, Sanderson começou a ligar os pontos e teve um insight.
“Eu já conhecia o lado da transportadora, o lado do consumidor e o do vendedor. Até que senti uma espécie de chamado, missão”
Recém-casado com a esposa Gabriela e com um negócio estável, ele decidiu largar tudo e construir outro empreendimento do zero. Para ajudá-lo nesta jornada, Sanderson convidou Katrine, Leonardo e Rodrigo.
“O Léo trabalhou na área de operação comercial da Ambev, a Ka teve experiência com trade e o Rô já atuou com projetos sociais. Essa diversidade de conhecimentos e habilidades corroborou para que tivéssemos certeza que, de fato, havia um problema a ser resolvido.”
E foi aí que a história da naPorta começou.
Independentemente do segmento, toda startup passa por desafios.
Porém, para além da dificuldade em convencer o mercado, o ecossistema de investidores e de validar o negócio, os cofundadores da naPorta tiveram que vencer uma barreira adicional: a do preconceito.
“Quando a gente fala em favela, muitas pessoas já vêm com uma ideia formada. Em algumas reuniões, o cliente pedia para ver a região de atendimento e quando a gente mostrava a área com endereçamento irregular, ele dizia que não vendia para aquela região…”
Para os empreendedores, aquilo não fazia o menor sentido porque, só naquele espaço, moravam quase 2 milhões de consumidores potenciais.
Em outra ocasião, o preconceito apareceu de uma maneira diferente. “Ah, mas a favela não compra iPhone.” Mais uma vez, uma opinião formada precipitadamente.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e o Data Favela, o Brasil tem 13,6 milhões de pessoas morando em comunidades, que movimentam 119,8 bilhões de reais por ano. Além disso, o volume de renda das favelas é maior que 20 dos 27 estados brasileiros.
Dados como esses foram essenciais para convencer investidores a apostarem na ideia de negócio da startup e para mostrar que, sim, “é possível quem vem da favela desenvolver uma tecnologia que resolve um problema tão grande e complexo”, diz Sanderson.
Outro desafio foi aprender a modelar o pitch comercial. Isso porque a logística do varejista está preocupada em ver se o indicador está sendo atendido, ou seja, se a encomenda foi entregue.
No entanto, a experiência do consumidor não é levada em conta. Se o pacote parou em uma agência dos Correios, o serviço é considerado realizado — não importa se a pessoa teve que sair da casa dela e andar 5 quilômetros para retirá-lo.
A jornada para que a naPorta atingisse o estágio em que ela se encontra hoje não foi fácil, mas o CEO diz que houve também muitos acertos pelo caminho.
Ao longo desses dois anos, a logtech saiu de uma startup de last mile para se tornar uma LaaS (logística como serviço, na tradução livre para o português). São diversos serviços oferecidos: cross docking, entrega agendada, entrega de última milha, logística reversa, middle mile e ponto de retirada.
A monetização se dá por meio da retenção de uma taxa de frete cobrada do varejista. Um percentual menor do valor fica para a startup e o restante é repassado para a agência ou o entregador.
Atualmente, a naPorta está presente em 83 localidades no eixo Rio-São Paulo e atende cerca de 20 favelas. De 2022 até o primeiro trimestre de 2023, foram mais de 100 mil entregas realizadas e mais de 50 mil clientes impactados.
Em 2022, a startup faturou 250 mil reais. A expectativa para os próximos 12 meses é alcançar a cifra de 3,9 milhões de reais — caso a rodada de captação que está aberta seja bem sucedida.
Um diferencial da naPorta, segundo Sanderson, é que o delivery é feito pelos moradores locais, o que facilita a entrega em áreas restritas, além de fomentar a economia local.
“Apesar de atendermos a Cidade de Deus e o Complexo do Alemão, a operação em cada uma dessas favelas é realizada por quem mora lá. Eu não tiro um morador da Cidade de Deus para entregar no Complexo do Alemão e vice-versa… Isso cria um ciclo em que a compra nasce ali e gera renda para as pessoas que moram na região, direta e indiretamente”
Em 11 meses, mais de 50 profissionais das comunidades foram capacitados e contratados, movimentando 300 mil reais ao todo.
Além de promover um impacto social positivo, a naPorta está buscando tornar sua operação cada vez mais sustentável. Cerca de 80% das entregas são feitas via bicicleta; alguns locais já contam com bikes elétricas.
INSERIR AS COMUNIDADES NO MAPA DO E-COMMERCE TAMBÉM SIGNIFICA INTEGRÁ-LAS AO RESTO DO PAÍS E DA SOCIEDADE
Entre todas as conquistas, uma é motivo de especial orgulho para Sanderson. Ao realizar uma compra online, uma das informações obrigatórias solicitadas é o Código de Endereçamento Postal — o famoso CEP.
Esse código de oito números parece algo trivial para a maioria das pessoas. Entretanto, para aqueles que moram em áreas com endereços irregulares — e que, por sua vez, não têm um CEP —, receber compras em casa e mesmo acessar determinados serviços pode ser um pesadelo.
Para contornar a questão, a startup utilizou o Plus Codes, tecnologia de código aberto desenvolvida pelo Google e integrada ao Google Maps. De maneira resumida, o Plus Codes nada mais é do que um ponto no mapa, gerado com base na latitude e longitude.
Apesar de ter otimizado a roteirização das operações da logtech, o cidadão não conseguia utilizar o código para outros fins porque a maioria das plataformas não aceita o formato.
“No meio do caminho, fui descobrindo que a gente depende do CEP para quase tudo. Quem não tem fica para trás em vários aspectos: é quase como se a pessoa fosse invisível”
Tirar título de eleitor, abrir uma conta bancária, receber contas de luz e produtos em casa, poder usufruir de serviços de telefonia e políticas públicas de saúde; esses são alguns dos serviços aos quais uma pessoa sem CEP não tem acesso.
Os cofundadores decidiram então, fazer um “de para” do mundo digital, para o mundo real. Sanderson diz que a previsão é lançar a versão beta do CEP digital no segundo semestre deste ano.
“Nós fizemos um piloto na região de Ferraz e Vasconcelos, na Favela dos Sonhos e em Itaprata. Levou duas semanas para mapear e criar os endereços digitais para 350 residências.”
A iniciativa foi uma parceria com o Google, Gerando Falcões (o ecossistema de ONGs criado por Edu Lyra), Artemisia e Fundação Grupo Volkswagen e beneficiará 1 400 pessoas. A expectativa é que até o final de 2024 o CEP digital atinja 100 mil pessoas.
“A naPorta existe para um dia deixar de existir. Se nós tivéssemos um atendimento do Estado, não precisaríamos resolver esse tipo de problema”, diz Sanderson. “Quando a gente fala de favela, de periferia, a naPorta não é só para elas. É para todas as regiões complexas: cidades do interior, zonas rurais, comunidades ribeirinhas, quilombolas… Todas sofrem do mesmo problema.”
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