O mercado mundial de biotecnologia está efervescente. De acordo com dados divulgados pela McKinsey, as empresas do setor levantaram quase 35 bilhões de dólares em 2021 — cifra duas vezes maior do que a registrada em 2020 (16 bilhões de dólares). O número de startups investidas por fundos de venture capital também cresceu, passando de 2,2 mil em 2016 para 3,1 mil em 2021.
No Brasil, porém, a evolução foi bem mais tímida. Nos últimos cinco anos, as biotechs captaram pouco mais de 32,5 milhões de dólares (conforme relatório da Distrito). O cenário não condiz com o potencial que o país tem, visto que está entre os top 15 no mundo com maior número de pesquisas científicas produzidas.
“Apesar de sermos um país continental, termos a maior floresta tropical do mundo, uma biodiversidade riquíssima, sermos uma das maiores potências agrícolas, com 70% das publicações científicas sendo feitas em áreas correlatas à biotecnologia, o Brasil ainda está fora da rota de inovação de muitos fundos internacionais”
E é justamente para mudar essa realidade que o dono da afirmação acima, Gabriel Bottos, seu irmão gêmeo, Rafael Bottos, e outros três sócios fundaram a Vesper Ventures em 2018.
Mistura de venture builder com fundo de investimento, a Vesper tem hoje sete startups em seu portfólio – todas com foco em biotecnologia, pautadas na pesquisa científica e alto potencial disruptivo.
Gabriel e Rafael, a dupla de irmãos catarinenses, já apareceram aqui no Draft em 2015, quando contamos a história de outro empreendimento em conjunto: a Welle Laser, que atua no mercado de máquinas industriais que usam laser para fazer marcações em peças de metal e plástico.
Enquanto cursavam engenharia pela Universidade Federal de Santa Catarina, os dois tiveram uma passagem pelo Instituto Fraunhofer, na Alemanha. A experiência, diz Gabriel, impulsionou a curiosidade de ambos pela tecnologia.
Uma vez formados, deram início à sua trajetória de empreendedores, à frente da Welle Laser e também da Exact Sales. Mais tarde, em 2018, fundaram a Vesper Ventures com recursos próprios, mas ainda sem um foco em biotechs. Essa guinada se deu um ano depois, por conta de uma doença na família.
A filha de uma das irmãs – também gêmeas – de Gabriel e Rafael foi diagnosticada com um neuroblastoma, tipo de câncer comum entre bebês e crianças, em estágio avançado. (Felizmente, a menina está bem.)
A situação foi um choque para os irmãos e para o então sócio Pedro Moura, levando-os a abandonar o portfólio de negócios para focar em “soluções que realmente importam”. Daí a ideia em investir em biotecnologia.
Gabriel conta que, ao estudarem o ecossistema brasileiro, eles se depararam com um primeiro desafio: havia pouquíssimas startups desenvolvendo soluções e tecnologias para resolver problemas globais, como doenças sem cura ou questões ambientais.
“Nós percebemos que a grande oportunidade estava, na verdade, em empresas que ainda não tinham nascido. Então começamos a procurar os cientistas”
Foram quase dois anos analisando banco de dados e jornais científicos, recrutando pesquisadores nas redes sociais e conversando com outros cientistas a procura de projetos promissores. Para ajudá-los nessa tarefa, eles montaram um conselho científico robusto, composto por seis cientistas das mais diversas áreas.
Dos 3 mil projetos que passaram por essa seleção, apenas sete biotechs foram selecionadas.
Organizadas em três verticais (agronegócio, bioenergia e saúde humana), essas startups compõem hoje o portfólio da Vesper: Aptah, Cellertz bio, Futr bio, InEdita Bio, Reddot, Symbiomics e Vyro Biotherapeutics.
“Na nossa visão, esses projetos representam o que o Brasil tem de melhor em ciência a nível mundial”, diz Gabriel.
Ele explica os critérios que a Vesper busca: ter um time científico de excelência; desenvolver inovações disruptivas globais e patenteadas, endereçadas a problemas hoje sem solução; criar plataformas tecnológicas; e potencial de atingir um valuation de 1 bilhão de dólares em (até) sete anos.
As tecnologias desenvolvidas por essas startups não são “mais do mesmo”, reforça o CEO da Vesper Ventures. A Aptah, por exemplo, está trabalhando com novas terapias de RNA voltadas para doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, distrofias e cânceres. Gabriel afirma:
“Imagina que ao invés de matar uma célula cancerígena e gerar diversos efeitos colaterais no organismo, como acontece hoje, você poderá inserir uma molécula dentro do núcleo daquela célula e corrigi-la de dentro para fora, fazendo com que ela morra naturalmente sem causar efeitos adversos. Este talvez seja o futuro do tratamento da doença”
A pesquisa da Aptah se encontra hoje em fase pré-clínica, que consiste em realizar testes de laboratório (artificiais e em indivíduos não humanos) para garantir a segurança e eficácia do produto.
Fundada em 2021, a Symbiomics é outro destaque no portfólio da Vesper. A startup desenvolve produtos biológicos utilizando edição genética para aumentar a produtividade agrícola de grandes culturas como soja e milho, com menor impacto ambiental.
Assim como as outras companhias do portfólio da Vesper, a biotech é uma spin-off de uma pesquisa acadêmica. Rafael de Souza e Jader Armanhi começaram a estudar o tema em 2012, durante o PhD na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em uma época em que tudo era mato.
Além disso, os dois fizeram parte do Centro de Pesquisa de Genômica para Mudanças Climáticas — iniciativa entre a faculdade e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Até que eles decidiram mudar a rota. CEO da Symbiomics, Rafael afirma:
“As coisas eram muito devagar, ao passo que a gente olhava para fora do Brasil e o mercado de biotecnologia era efervescente, a todo momento se falava em uma nova startup na área de microbioma para produtividade agrícola. Nossa vontade era traduzir todo o nosso conhecimento em um produto comercial, concreto, que realmente tivesse impacto na sociedade”
Por isso, Rafael e Jader começaram a procurar por parceiros dentro e fora do Brasil que tivessem interesse em investir em biotecnologia. Coincidentemente, Gabriel e seus sócios também estavam buscando por projetos com alto grau tecnológico. Foi o match perfeito.
A primeira rodada de investimento foi feita pela Vesper. “Esse recurso inicial foi fundamental para estruturarmos o negócio, o time, pensar em nosso modelo de comercialização e licenciamento, iniciar os primeiros desenvolvimentos de produtos do nosso pipeline e, posteriormente, atrair outros investidores”, diz Rafael.
Entre pré-seed e seed, a Symbiomics já captou cerca de 11 milhões de reais, agregando investidores como Baraúna, Ecoa Capital e a MOV. Com o montante, a Symbiomics conseguiu construir um laboratório próprio, inaugurado em junho, dentro do polo de biotechs que a Vesper montou em Florianópolis.
“Isso foi fundamental, porque agora conseguimos executar as atividades e obter insights com mais velocidade”, diz Rafael.
A América do Sul é campeã no uso de pesticidas químicos, e quase metade (49%) dos agrotóxicos vendidos no Brasil são altamente danosos para o meio ambiente e a saúde humana, de acordo com dados divulgados em matéria publicada no g1.
A expectativa dos fundadores da Symbiomics é desenvolver tecnologias que enderecem justamente esses desafios. Atualmente, a startup possui seis produtos em seu pipeline que poderão ser utilizados para diversas aplicações como nutrição vegetal, biocontrole, sequestro de carbono e bioestimulante.
Um deles está relacionado a microrganismos que fornecem nutrientes para a planta, por meio de um processo de fixação biológica de nitrogênio — elemento essencial para o crescimento vegetal. A bactéria capta o nitrogênio no ar, transforma-o em amônia, e dá para a planta. Rafael, o CEO da Symbiomics, afirma:
“Ao invés de usar fertilizantes químicos, como a amônia em pó, que emite um monte de CO2, contamina o ambiente e o solo, você coloca uma bactéria que vai fornecer nutrientes para a planta sem impactar o meio ambiente de forma negativa. Esse microrganismo vai conseguir substituir parcialmente, ou até completamente, algumas gerações de fertilizantes”
Em abril deste ano, a Symbiomics fechou um licenciamento global com a Stoller, multinacional especializada em fisiologia vegetal e nutrição, para o desenvolvimento de microrganismos de nova geração. Eles ainda não podem declarar qual é o produto, mas a expectativa é que chegue ao mercado entre 2025 e 2026.
Além disso, a startup planeja finalizar a casa de vegetação que está sendo construída próxima ao laboratório. Com isso, eles poderão testar os microrganismos em pequena escala e já levar para o mercado.
Na visão do CEO da Vesper Ventures, o que torna possível a criação de startups disruptivas como a Symbiomics é entender que o cientista não pode ser tratado igual aos profissionais de uma empresa de software.
O modelo de inovação e investimento também precisa ser adaptado às particularidades da pesquisa: “A maioria das aceleradoras e incubadoras brasileiras foram formatadas no mindset de empresas de SaaS [software as a service], que é um modelo completamente diferente do de biotecnologia”, diz Gabriel.
Esse formato, explica o CEO da Vesper, não funciona para as biotechs:
“Praticamente não existe entrada comercial nas biotechs, porque muitas vezes você está desenvolvendo uma molécula para curar o câncer que vai levar cerca de seis anos para ser concluída e outros tantos para ser provada… [mas] se isso acontece, o negócio pode valer bilhões de dólares”
Mais do que um fundo de investimento, o CEO afirma que, na essência, a Vesper é uma venture builder, uma cocriadora com cientistas de startups de biotecnologia.
As biotechs da Vesper Ventures que desenvolvem soluções voltadas à saúde humana estão no estágio final da etapa pré-clínica.
Para Gabriel, os próximos dois anos serão cruciais:
“Este é um passo importante porque caso os resultados em seres humanos sejam positivos, não só o valor dessas startups dispara, como nós vamos poder mostrar para o ecossistema que é possível criar empresas de nível global aqui no Brasil. Isso será um marco”
Além disso, a empresa planeja criar um novo fundo, de 150 milhões a 250 milhões de reais, que já está em processo de captação – e, assim, dobrar o número de startups em seu portfólio.
A missão de impulsionar o ecossistema nacional de biotecnologia ainda está no começo, mas o portfólio atual já basta para encher de orgulho o CEO da Vesper:
“Esses projetos são tão disruptivos que vale a pena investir mesmo que deem errado”, diz Gabriel. “E se tiverem sucesso, a gente vai não só criar um excelente negócio, mas deixar um legado para a sociedade.”
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