Ela é latina, descendente de japoneses e traz essa mistura cultural com orgulho.
“Tenho ascendência de samurais numa parte de minha família e na outra parte de monges xintoístas. O sobrenome Takahashi é muito amplo, é tipo ‘Ferreira’ no Japão, mas o meu Takahashi é de latifundiários. Quando meu avô faleceu, deixou uma vila no Japão, que hoje nem existe mais.”
Caçula de três irmãos, Mariane Takahashi aprendeu a negociar desde cedo, sem fazer muito alarde. Levou essa qualidade para o ambiente de negócios, particularmente para o marketing de empresas de tecnologia e telecom, ao longo de 26 anos.
Depois, em 2019, Mariane chegou à ABFintechs, onde fez um trabalho de organização que chamou a atenção. Foi então alçada ao cargo de CEO da ABStartups em julho de 2023, associação cujo objetivo é promover o ecossistema brasileiro de startups, contribuindo com dados e desenvolvimento através de programas inovadores de apoio e conexão.
Em entrevista ao Draft, Mariane fala sobre a construção de sua carreira e conta como contribui, hoje, para o ecossistema de startups:
Você planejou a sua carreira? Foi coincidência trabalhar no marketing de várias empresas ligadas à área de tecnologia? Isso era mais raro para uma mulher. Foi algo que você buscou conscientemente?
Não, eu fui me descobrindo. Trabalhei em áreas de RH, administrativo, trabalhei com importação e sempre na área de tecnologia em empresas americanas.
Tive uma carreira já nesse background, por isso tenho a parte dos processos e de visão. Mas fui experimentando as coisas da vida.
Criei as oportunidades, busquei crescer, queria sempre aprender – e nisso forjei a minha trajetória nas opções
Se eu via uma oportunidade, abraçava, porque eu acho importante sair do lugar que a gente está. Ao longo da minha carreira busquei isso, trabalhei até um curto período em uma distribuidora de filmes, de cinema. Vivenciei coisas diferentes. Daí, fui para o marketing.
Foram oportunidades aproveitadas. Eu comecei como estagiária na Proceda. O mercado é grande, mas as pessoas são mais ou menos as mesmas. Então, me diziam: “você já tem experiência aqui, quer fazer um processo seletivo para trabalhar nesse outro lugar?”
Era mais fácil até obter indicação e acabei ficando nesse segmento da indústria de Tecnologia e Telecom. Trabalhei muito tempo nessa área com software, hardware, ERP, computação gráfica… tudo que você possa imaginar.
Me embrenhei nisso e [fui] entendendo de marketing de comunicação e marketing de canais. Tem uma série de meandros do marketing em que tive de me aprofundar para atender às expectativas.
Nos últimos nove anos de mercado corporativo, fui responsável pela América Latina na Polycom, o que também foi muito bacana, porque gosto de conhecer outras culturas.
Gosto de ter trocas, de conhecer a forma como as pessoas pensam, como fazem negócios – cada um tem uma característica diferente, inclusive a questão da diversidade
Pude ver como certos povos da América Latina tratam as mulheres executivas, como alguns tipos de tratamento são velados. Muita gente acha que é um discurso feminista, jargão, mas existe muito.
Eu tinha funcionárias dentro e fora do Brasil: uma no México; uma que ficava em Miami, que cuidava da América Latina e Espanhola; uma no Brasil; uma estagiária; e outra pessoa de dados. Algumas delas sofriam muito dentro do próprio time e precisavam de um apoio forte.
Eu, graças a Deus, tive bons chefes que me ensinaram muito, que me deram autonomia para crescer, trabalhar, ter ideias e criar novos produtos – nisso acho que sou muito boa (risos) – conversando aqui, puxando ali, sugerindo algo diferente acolá.
Acho também que esse meu jeito, a minha personalidade, me puxou para a tecnologia e, depois, para a inovação. Foram escolas importantes.
A respeito de ser uma mulher executiva numa região, a América Latina, que tem mais dificuldade de lidar com esse tema, você sente diferença em ser uma mulher latino-americana com ascendência japonesa? Isso te diferencia – é uma vantagem ou uma desvantagem em comparação a ser simplesmente uma mulher latina?
Tem os estereótipos, né? Primeiro, tenho orgulho de ser japonesa porque pelo menos carregamos a ideia de sermos pessoas educadas. Mas também um pouco submissas.
Tem essa questão do comportamento oriental, que é um pouco mais comedido. Quer dizer, a gente não vai para o embate direto, com o sangue quente, já tirando a espada ou sai fazendo barracos.
Tem o lado desse estereótipo, ainda mais eu sendo uma mulher oriental, que é tida como mais delicada, quieta e meiga. Tem o estereótipo também de ser muito inteligente, eficiente – então, existe a expectativa filogenética do ser
Acho que existe, sim, a questão da mulher latina com ascendência japonesa: “Dá para falar um pouco mais, porque ela não vai se incomodar, ela não vai reagir, ter uma explosão”. Nesse ponto talvez, mas eu senti muito mais por ser mulher.
Eu diria que as minhas funcionárias, apesar de serem gerentes seniores, sofriam muito. Tenho várias histórias pra contar, até comigo, de ir a alguns lugares e a pessoa não quis me dar a mão, me cumprimentar por eu ser mulher.
Como você costuma reagir a esse tipo de tratamento? Tinha alguma estratégia para lidar com isso?
Depende da pessoa e do momento que eu estou. Se é uma situação em que preciso fechar um negócio, que eu já sei como é o temperamento daquela pessoa, tento minimizar isso.
Eu realmente gosto muito de conciliação, de negociação. Negocio desde criança, porque sou a caçula de três irmãos, então até pra sentar no carro do meu pai, se eu queria ir na janela, tinha de negociar com o meu irmão e com a minha irmã. Por exemplo, meu pai disse que quem iria para a Disney primeiro era o irmão mais velho… aquela coisa de como não dá pra ir todo mundo, a gente ia priorizar.
Eu tenho essa coisa que vem da educação, na terapia falo muito isso: de uma forma geral, nós somos criados para não desagradar os outros
Por outro lado, sou uma pessoa até que paciente, dependendo do que for; [mas] quando o assunto pega nos meus valores… Por exemplo, se vejo uma pessoa desrespeitando outra, gritando, destratando, isso me incomoda. Já interferi numa situação de uma pessoa ter falado muito grosseiramente com um garçom.
Algumas coisas eu entro e falo educadamente: “Não é assim. Vamos maneirar”. Já em outras, faço o contrário – tento mostrar para o outro que estou a favor dele.
Por exemplo, aquela pessoa que mal me tocava, só me recebia porque eu tinha um cargo de diretoria – ela não recebia a minha funcionária, a não ser que estivesse junto um outro diretor geral.
Eu trouxe o seguinte: “Temos esse planejamento, vocês vão fazer negócio com a gente…” e ele começou a se aproximar de mim e da minha funcionária porque viu que a gente estava a favor dele.
Nesse caso foi o contrário – “quebrar as pernas”, porque se você vem com agressividade sem ter razão, [eu posso] mostrar que a gente tem eficiência e competência para trazer algo legal pra você. No final das contas todo mundo ganha.
Em 2018, parece ter havido uma cisão na sua trajetória. Foi quando você se tornou sócia da plataforma elela e foi dar consultoria… Você concorda? O que aconteceu? O que aconteceu nesse ano que gerou esse movimento?
Eu saí, depois de quase sete anos, de uma empresa – estava cansada. Pra mim não é um problema trabalhar muito, mas eu queria fazer coisas novas.
O que eu sentia no mercado de tecnologia? Eu saía de uma empresa e ia pra outra, praticamente fazendo a mesma coisa, com um budget diferente. “Quero que você faça a geração de leads…”, aí eu inventava coisas novas… mas mesmo assim, aquele basicão não mudava
Comecei a conversar com várias pessoas e decidi experimentar outras coisas. Então, fui fazer minha carreira solo, fui empreender.
Eu tinha a parte de consultoria para gerar alguma receita para mim e, ao mesmo tempo, estava na startup elela com outras três mulheres. A gente começou a trabalhar essa questão da liderança de mulheres nas empresas.
O objetivo da elea era capacitar e abrir espaço para mais mulheres na liderança?
Isso. Tinha ali uma junção de pessoas – eu e mais uma outra de Marketing, ela especificamente de Branding; havia outra pessoa também com uma carreira muito sólida na área comercial em empresas internacionais; e outra que era da área de RH, que trabalhou em grandes bancos.
Nos juntamos com uma visão forte do que faríamos. Fomos convidadas para fazer eventos grandes. Só que às vezes você começa com um objetivo e aquilo vai se esfacelando… E há a questão dos sócios – uma sociedade é um casamento, então, é muito difícil
Dali acabei indo para a associação, para a ABFintechs, onde aprendi muita coisa porque mergulhei de uma outra forma no mundo da inovação.
Já com a elela, tivemos de nos atualizar demais, porque o mercado de inovação batalha muito pela questão da diversidade e inclusão.
Vejo as startups hoje, trabalhando com esse universo, apesar de nosso Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups da ABStartups demonstrar que temos apenas 19% de mulheres em cargos de liderança. Mesmo assim, vemos muitas atividades que promovem a diversidade
Dentro da ABStartups, queremos contratar pessoas com características diversas, não só de experiência profissional, mas de gênero, de raça. A gente tem essa visão, quer fazer uma coisa plural, enriquecer o ambiente e trazer oportunidades.
Com sua ida para a ABFintechs, em 2019, além de ter de se inteirar sobre o mercado financeiro, que outras adaptações você fez? Houve alguma mudança ou transformação pessoal que você teve de imprimir em si mesma para estar numa associação, que deve ser bem diferente de uma corporação?
É bem diferente, mas eu tive autonomia para operar, criei programas. Eu não sabia que tinha tantos skills de vendas, fiz captação… foi uma aposta também de quem me contratou, porque eu não era daquele mercado.
Isso foi bem bacana, porque eu sabia que tinha a parte técnica, mas eu não tinha o relacionamento. Me foi dada essa confiança; me entregaram um monte de coisa e passei a estruturar. Comecei a olhar auditoria, olhar tudo e fui crescendo, porque no início eu era uma executiva de negócios, eu só fazia captação.
Só que eu fui me metendo em outras coisas e me ferrei (risos), porque comecei a abraçar [muitas] coisas. “Agora você faz isso, agora a gente vai promover você a diretora…”. Eu tive de correr atrás
Hoje em dia, ninguém para para fazer treinamento. Minha sorte foi que dentro desse ambiente, encontrei muita gente boa, pessoas legais que se voluntariaram a me ajudar e até hoje tenho esses relacionamentos.
“Vamos fazer alguma coisa juntos? Vá nesse evento que você vai aprender bastante coisa, leia esse livro…”: isso foi me entusiasmando, a cada vez que eu ia em algum lugar, conhecia uma pessoa diferente e surgia uma ideia de fazer uma coisa diferente.
ABFintechs foi uma super oportunidade! Eu aprendi demais, abriu as minhas portas para vários outros universos. E a minha cabeça também mudou bastante.
Imagino que mais do que só o ambiente, a diferença entre a corporação e uma associação tenha a ver com as métricas a seguir. Você estranhou essa diferença de olhar o mercado?
Nas empresas americanas, a gente já inicia o ano com planejamento estratégico e de budget, sabendo quanto você vai ter para investir, para fazer as ações e o que deverá entregar. Eu sempre tive gestores americanos e era muito ligada a essa parte.
Ao entrar na ABFintechs, não tinha meta, então comecei a desenvolver o planejamento estratégico e mostrei para todo mundo. Todo começo de ano, em janeiro, passei a apresentar o planejamento estratégico da associação. Na ABStartups também fizemos há pouco tempo para os mantenedores, e outra para investidores, que é algo novo. Esse é o nosso kick-off.
Com isso, na ABFintechs começou a haver muita movimentação dos próprios associados e dos mantenedores que são os patrocinadores da associação. Então, já saía um calendário de eventos, pelo menos de uma forma preliminar. Essa é a forma como eu trabalho, como seriam as nossas metas, principalmente as internas.
Diferentemente de algumas empresas americanas, em que você tem de colocar as metas muito claramente porque estão na Nasdaq ou NYSE, porque têm os conselhos, a gente não tem essa obrigatoriedade – mas a gente faz
Na ABFintechs tinha, sim, metas a serem cumpridas. Na ABStartups isso é muito mais regrado, porque já existia uma organização nesse sentido – com planejamento, acompanhamento, planilhas, relatórios e mesmo coisas diferentes já fazemos metrificadas.
A gente tem essa cultura dentro da ABStartups de métricas, visualização de dashboards, e estamos sempre olhando para as novas plataformas para justamente melhorar essa visualização de métricas.
Na ABFintechs, comecei a acertar isso porque não tinha. Na ABStartups, os nossos colaboradores estão mais acostumados a lidar com isso.
A ABFintechs trabalha com inovação em uma vertical específica, o mercado financeiro. Estar à frente da ABStartups é representar várias verticais de negócios – isso gerou alguma preocupação ou ansiedade em você? Quantos grupos de trabalho ou quantas verticais estão abertas abaixo de você, hoje?
Isso é diferente mesmo. Eu trabalhava no setor financeiro, que tem instituições regulatórias muito favoráveis. Temos um Banco Central e a CVM que são muito democráticos e olham para a inovação e tecnologia, basta ver o PIX e o Drex.
A ABStartups envolve o Brasil inteiro, com todos os tipos de verticais, cada uma tem uma cultura e um estilo de trabalhar. Algumas estão em mercados muito conservadores, onde às vezes é difícil uma interlocução, até com as grandes empresas. Então, você tem vários desafios, é muito maior.
Gera ansiedade? Sim, até agora tenho ansiedade em relação a isso, porque são muitas verticais com demandas muito diferentes, com perfis muito diferentes. E se a gente jogar no mapa no Brasil, esses perfis ficam cada vez mais complexos, porque tem uma questão de regionalidade
O mercado financeiro não é mais simples, mas é mais uniformizado, equalizado. O que não acontece na ABStartups, porque são muitas verticais, muitos associados, pessoas com perfis muito diferentes.
E as próprias corporações que estão linkadas com a ABStartups também têm exigências diferentes em relação às startups com as quais elas querem se conectar.
E tem uma novidade ainda em cima de tudo isso – a ABStartups é o primeiro lugar em que você entra como CEO, certo? Ocupar essa posição era algo que você almejava? Por quê?
Isso não passava pela minha cabeça. Talvez, ao entrar na faculdade, sim. Mas logo depois eu desisti (risos), porque a gente começa a ver o que é o trabalho de um ou uma CEO.
Veio essa oportunidade [em julho de 2023], mas não foi uma coisa que eu procurei. Eu estava bem na ABFintechs, mas já buscava algo para mudar um pouquinho, ter outros desafios.
Ser CEO não foi uma coisa que eu fui atrás. Já ouvi pessoas dizerem: “Eu preciso; não vou ficar feliz enquanto não chegar à presidência de uma empresa grande”. Eu não tinha essa ambição
Eu vejo a questão do crescimento. Nesse ponto, sou bem japonesa, sabe? Tem uma visão um pouco diferente. O ocidental vê muito o recurso financeiro, como galgar. Eu olho a minha realização através do trabalho – como eu entrego e desenvolvo o time?
Gosto muito de trabalhar em equipe, gosto de ver meu time unido e fazendo coisas. Eles próprios começam a se gerir.
Quantos grupos de trabalho existem na ABStartups? A quais verticais você mais tem precisado dedicar tempo?
A gente tem uma pessoa nova na área de associados, que vai coordenar os comitês. Acho que o mais estruturado é o comitê de educação, de edtechs.
Tem outros – fintechs e agritechs – a que a gente quer dar mais ênfase, dentro daquilo que a gente pode trabalhar. Não adianta formar um monte de comitês e eu não conseguir gerenciá-los. A gestão tem de ser nossa
Então, tem alguns comitês que estamos reativando, porque já estão um pouco mais estudados, e outros que a gente tem que dar uma subida na barra – ou criar novos. Basicamente, temos três mais ativos, porém a ideia é abrir um pouco mais conforme vai tendo mais adesão e engajamento dos associados, o que é duro. Porque o dia a dia consome, então, se você não tem uma frequência e relevância, acaba perdendo [adesão e engajamento].
Essa nova pessoa vai, inclusive, se dedicar a mapear: quais são os assuntos principais? Por exemplo, na ABFintechs tinha a questão da parte regulatória, se manifestar nas consultas públicas, nos projetos de leis e até uma atividade ali na CVM, no Banco Central… Na ABStartups temos de identificar o que é relevante para aquele grupo.
Eu acho que o regulatório é relevante porque isso legaliza a atividade e favorece startups também. A gente tem uma pessoa de políticas públicas dentro da associação, mas também há outros assuntos que podem ser importantes.
A inovação dentro de indústrias muito conservadoras é um exemplo. A gente percebe que há instituições como sindicatos ou outras associações que nos procuram para modernizarem algo. A ideia é termos bom relacionamento com outras associações
Então, quando existe um pleito, um projeto de lei em consulta pública, as associações parceiras se juntam em prol das startups para se pronunciar. E a gente acaba fazendo um pouco dessa complementaridade das associações.
Eu vi que vocês organizam uma quantidade imensa de eventos – e que a equipe não é tão gigantesca. Imagino que a parte de educar os empreendedores, os fundadores das startups, seja muito importante. Existe também uma preocupação educativa em relação às indústrias, fábricas ou setores econômicos menos ativos no ecossistema, mais avessos à inovação?
Existe sim, porque faz parte do ecossistema. Quando você tem uma indústria muito fechada ou mesmo…
Já vi muitas situações em que a pessoa fala assim: “Tem um departamento de inovação na empresa, só que a liderança não consegue conversar com este departamento. Então, a área não consegue trazer inovação para a empresa, porque essa conversa não existe. Tem um jeito de vocês ajudarem a gente a ter esse tipo de interlocução entre as duas partes?” Tem. Isso é uma mudança de cultura.
A gente tem a jornada de inovação, que é justamente a parte do Open Innovation. É para trazer um pouco disso para dentro da cultura dessas empresas. Às vezes elas querem fazer parceria com startups, ou adquirir startups, mas não conseguem conversar com as startups.
Eu não critico nem julgo, porque toda mudança é muito difícil. “Aquilo está dando certo, por que a gente vai ter de mudar agora?” Tem de mudar porque o mundo está mudando
A ideia é possibilitar essa facilitação usando metodologias que as startups usam, as metodologias de inovação.
A gente tem esse lado de educação para as startups. Este ano começamos um programa chamado EducaON que, na verdade, são eventos de explicação. A startup pode se aprofundar em outro momento. Já falamos da Lei do Bem, Marco Legal das Startups, regras da Anvisa, como vender para o governo…
A gente dá um overview para a startup que, às vezes, não tem um corpo jurídico interno ou quer conversar com alguém confiável. Olhamos para o que é preciso fazer para melhorar para o lado das startups.
Todo mundo quer fazer negócio, mas não conseguem conversar. A gente tem esse papel. Não somos uma consultoria, porque nem temos braço para isso, mas a gente propicia essa interface.
O Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups da ABStartups mostra que, no ano passado, 62,5% das startups do país ficou de fora da lista de investidas. Uma otimista inveterada poderia dizer que se mesmo sem financiamento nossas startups sobreviveram, elas são mais saudáveis que as de outros países. Você concorda com isso? Como analisa o dado?
Primeiro, depende muito. Os investidores têm um olhar para o grau de maturidade de cada empresa, têm um target – early stage, ou late stage. Depende do que o fundo procura, se é um venture capital, se é um investidor-anjo. Existe essa segmentação.
Outro ponto importante é que, muitas vezes, a startup não está pronta para fazer uma captação. Ela não tem nem articulação para fazer uma apresentação para captar, não sabe fazer o pitch. Não sabe como chegar, se aquele acordo é bom ou ruim…
Existem variáveis e também uma situação econômica do país. A gente passou pela Covid, os recursos se encolheram. Por outro lado, foi positivo, porque começou a se exigir mais dos gestores das startups, um pouco mais de qualidade na gestão, na administração delas.
Isso foi importante. Acho que equilibrou os valuations das startups, que têm sido mais exigidas na gestão para serem investidas. Mudou um pouco como os investidores olham as startups.
Outra particularidade do Brasil é a diferença entre as regiões e a maturidade das empresas em cada região. Empreendedores reclamam que a divisão dos recursos é muito díspar, que é difícil empresas das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste acessarem os recursos. Existe alguma iniciativa ou vontade sua que ainda não foi implantada para melhorar o acesso dessas empresas?
Sim, a gente tem algumas coisas para pontuar. Estamos agora com o Startup20, que é a reunião das startups, pequenas e médias empresas do G20. Ele traz um pouco dessa visão nossa de Brasil.
(Criado em 2023, o Startup20 reúne representantes do ecossistema de startups dos 19 países e da União Europeia que compõem o bloco G20 para debater políticas públicas e ações em conjunto.)
A primeira reunião foi feita em Macapá [em fevereiro de 2024] e muita gente não conhecia aquele mercado que está dentro da região amazônica. As pessoas estão olhando isso para a COP, em Belém, no ano que vem. Mas existe um outro mercado empreendedor ali e é muito mais difícil para eles, sim.
Quando a gente faz um Startup20, queremos deixar um legado para as regiões e cidades por onde passamos
O segundo encontro será dentro do Web Summit. Você pode dizer: “Ah, mas é no Rio de Janeiro…”, só que ali também se precisa de incentivo para as startups. Tem conversado com outros players para isso crescer, queremos crescer em todas as áreas do país.
Temos um programa junto aos hubs de inovação do Brasil e a nossa meta é estar nos 27 estados, conectados ao menos com um hub em cada um. É assim que temos feedback do que é preciso ou não.
Nós criamos uma área de investidores — a ideia é que a gente possa conectar essas startups do Brasil inteiro com esses investidores. Não importa onde você esteja, você vai ter oportunidade de conhecer.
E nos eventos que nós fazemos também tem muito dessa questão da captação, de entender como é o ecossistema local e como a gente pode fazer a interface.
Por quê? No Nordeste há grupos de empresas e de investidores que atuam localmente. Às vezes, eles querem vir para São Paulo ou para o Rio, mas eles atuam lá. Então, a gente entende qual é a característica para trazer mais as pessoas para dentro, até daqueles que já trabalham lá dentro, que às vezes não têm acesso.
A gente faz algumas parcerias para ajudar as startups a terem esse tipo de compreensão e conectar. Por exemplo, a gente tem não só os hubs de inovação, mas também o Sebrae. Trazemos os investidores para perto de uma forma nacional mesmo.
(A ABStartups tem convênios fechados com o InovAtiva e com o Sebrae for Startups; os contratos preveem mentorias, acompanhamento com empreendedores, realização de mapeamentos e playbooks, entre outras entregas.)
Falando do Startup20, eu queria fazer uma ligação, pois vi que você é uma líder do The Climate Reality Project do Al Gore. Em termos pessoais, o que representa essa liderança do Startup 20 para você?
A minha ligação com o The Climate Reality Project aconteceu através de uma amiga, que me convidou a fazer um curso.
Eu não tenho filhos, mas tenho uma preocupação de estarmos num planeta mais sustentável e que as pessoas tenham recursos, acesso à água e às energias renováveis. Em meus estudos, vi muita coisa sobre capitalismo consciente, soluções e empresas maravilhosas, de que muita gente não faz ideia.
Acabei me entusiasmando muito e por isso fui fazer o curso, nos EUA. Depois disso, comecei a ver como a influência do clima e a sustentabilidade permeiam também os negócios, como isso afeta o nosso dia a dia. Foi uma abertura muito grande de cabeça
E bioeconomia também faz parte. Quando estive no Amapá, vi algumas startups… quando é você organizando evento, não tem muito tempo de ficar conversando. Mas na preparação do Startup20, tivemos reunião com algumas startups lá do Amapá, com soluções incríveis, utilizando os recursos da Amazônia.
Tem gente fazendo remédio com molécula de raiz de plantas, com proteína altamente qualificado. Há soluções para construção, para despoluir rios, conservantes não-químicos, a base de plantas da Amazônia. São recursos muito diferenciados que exigem muita pesquisa, obviamente.
São soluções muito bacanas que a gente nem imagina que possam substituir o que a gente já usa hoje aqui. Então, me anima muito.
Você vê possibilidades dessas startups da região Norte do país, da área biotecnologia e mesmo ESG receberem o apoio do ecossistema que fica na região sudeste? Elas já estão prontas ou ainda falta um passo de amadurecimento?
É uma característica do Brasil não ter essa preparação. Obviamente, pela localização geográfica dificulta um pouquinho. A gente precisa que as startups se preparem melhor para fazer a captação, de uma forma geral.
Falta esse olhar mesmo para outras regiões com esse hunting e scouting de negócios desses lugares, porque tem muita coisa boa e a gente acaba ficando muito na nossa bolha aqui. Temos de furar esta bolha
Tem muita coisa muito legal fora de São Paulo. Quando a gente faz os nossos eventos Brasil afora, é muito gratificante a gente chegar nisso.
Nascida na periferia de Manaus, Rosângela Menezes faz parte da primeira geração de sua família a ingressar na faculdade. Ela trilhou carreira no marketing digital e conta como fundou uma edtech para tornar esse mercado mais diverso.
Laura Constantini compartilha lições de seus 16 anos de Astella, a gestora cofundada por ela com foco em early stage, fala sobre as dores de crescimento das startups e conta onde se vê na próxima fase de sua carreira.
Veterano da seleção brasileira de vôlei sentado, Renato Leite se juntou a Gelson Júnior, do basquete em cadeira de rodas, para empreender o Parabank, que ajuda PcDs a adquirir próteses e a retornar ao mercado por meio de capacitações.