Eu era um jovem executivo de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo até que, durante um happy hour, um colega e eu fazíamos um balanço da nossa vida profissional e de como seria o futuro quando nossas carreiras no mundo corporativo estivessem perto do fim.
Então, ele falou: “Precisamos pensar em abrir um negócio para velhos! O mundo está envelhecendo e ninguém está olhando para isso”.
Quando se é jovem – e se você já foi, vai saber – a gente não pensa muito na velhice. E se a gente é muito jovem, nem sequer percebe as limitações naturais da idade e a nova realidade que elas impõem à rotina de quem é sênior.
Esse era o Edgard daqueles tempos. E não o culpo. Nascemos em uma época em que as pessoas se aposentavam aos 60 porque a expectativa média de vida do brasileiro era de 69 anos. Isso em 1997. Em 1991, era de 66 anos. Nossos avós morriam jovens e a gente não se dava conta.
De qualquer forma, mesmo não sabendo o que estava implícito na fala do meu colega, aquela colocação nunca saiu da minha cabeça. Decidi, então, tentar entender e fui estudar o envelhecimento. Naquela altura, não sabia o que buscava.
Os anos se passaram, os rumos da minha vida profissional mudaram. Deixei o cargo na empresa de tecnologia e fui para a Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), me especializar em negociações internacionais, gerenciamento de produtos e posicionamento de marcas.
Estávamos em 2009 e o meu pai, também Edgard, já sofria com os efeitos colaterais do tratamento contra o mieloma múltiplo, um tipo de câncer que afeta células da medula óssea.
Ele tinha 73 anos e sua rotina havia sido muito impactada. Não tinha forças para abrir uma garrafa pet, uma lata qualquer. A dificuldade de entrar e sair do carro era impensável para um coronel aposentado do exército.
A satisfação de se manter independente no auge de suas sete décadas tinha sido exaurida. Eu precisava fazer algo e foi assim que os primeiros produtos de tecnologia assistiva entraram em nossas vidas
Nessa época, já estava em outra empresa de tecnologia e meu trabalho possibilitava que eu trouxesse esses itens de viagens que fazia para o exterior – no Brasil, não existia esse tipo de produto.
O primeiro que chegou em casa foi o abridor universal e, junto com ele, a volta da autoestima do meu pai. Em seguida veio o kit automotivo de apoio, composto por alças instaladas na janela, coluna e banco traseiro que ajudam na hora de entrar e sair do carro. Isso possibilitou que meu pai recuperasse um pouco da independência que tinha ido embora anos antes.
Foi por volta dessa época que também comecei um negócio. Era investidor em uma franquia de aluguel de equipamentos para a construção civil.
Fiquei nos bastidores até 2014, seguindo os planos, quando deixaria o trabalho em uma empresa de tecnologia pela segunda vez. A ideia, para depois disso, era assumir a operação do negócio.
Fui a campo e em cada entrega de equipamentos percebia que muitos de nossos clientes adaptavam suas casas para idosos ou pessoas com limitações físicas.
A essa altura, a doença do meu pai tinha voltado. Eu já havia instalado um elevador residencial na casa dos meus pais e percebi que, talvez, tivesse entendido, enfim, o que o colega havia me dito há quase 20 anos.
Abracei a acessibilidade e fui me especializar. Visitei ao menos 15 países para ver com meus próprios olhos quais eram as mudanças que cada um deles adotava, na prática, para assegurar acessibilidade.
Construí minha primeira casa acessível em 2017, com cerca de 170 adaptações, e a vendi num piscar de olhos. (São diversas as adaptações possíveis dentro de uma residência. Entre as muitas que entreguei, as mais comuns são leds de balizamento para que o usuário consiga visualizar o caminho a ser seguido, box do banheiro blindado para evitar estilhaçamento, sensor de fumaça e fogo na cozinha, tomadas e pias mais altas e portas dos banheiros abrindo para fora do recinto.)
Mais uma vez meu pai se curou, mas a doença ainda não havia desistido e ele teve outra reincidida. Minha mulher fazia tratamento de fertilização e eu me ausentava em semanas alternadas para cuidar do negócio, em Curitiba.
Percebi que eu não podia mais seguir neste ritmo. Vendi as franquias em agosto de 2018 e, como num passe de “algoritmo”, um anúncio da primeira edição da Geronto Fair apareceu na minha timeline. Eu simplesmente fui.
Lembro-me te ter ficado admirado com a grandiosidade daquilo. O termo longevidade estava por todos os lados. Juntei-me à ala comercial do evento e, ao fim do primeiro dia, me dei conta de que, enfim, tinha descoberto o meu nicho
Ainda naquela noite escolhi o nome da empresa, Longevitech, e como o domínio ainda não existia, o comprei. Eu já tinha o domínio, mas não tinha domínio de absolutamente nada ainda. Um mês depois, também já tinha o CNPJ.
Quando estamos de coração aberto conseguimos ver as oportunidades com mais clareza e, graças a mais uma “mágica” do algoritmo, vi um banner do curso de especialização em Gerontologia do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.
As aulas começaram em fevereiro de 2019 e, como já previa, eu era o peixe fora d’água. Estava cercado por profissionais da área da saúde por todos os lados.
Comecei a fabricar alguns itens de forma muito embrionária, no escritório da loja de calçados da minha mãe, dona Terezinha. Eram exatamente os mesmos produtos que eu tinha experimentado com o meu pai e que provocaram tantos “eu também quero um desses!”.
Vinte anos haviam se passado desde que ouvi de um colega que precisa de um negócio de “velhos”. Dez anos desde que trouxe os primeiros produtos para o coronel Edgard. Aqui, tive a ajuda de colegas da pós-graduação – uma fisioterapeuta, uma terapeuta ocupacional e uma nutricionista.
A minha ideia era fazer um piloto de vendas em farmácias, já que em média 70% do seu público são de pessoas com mais de 60 anos.
Meses depois, reencontrei um amigo de longa data, Marcos Bigal, um expert em vendas e em consolidação de empresas, com visão estratégica mais ampla.
Falamos de muitas coisas, inclusive da minha vida profissional. Pouco tempo depois, Bigal me liga e diz: “Eu achei a sua ideia sensacional e por isso fiz um plano de negócios para você. É presente, não se preocupe. Mas se você quiser, eu posso ir junto”. Em uma semana nos tornamos sócios.
À medida que a Longevitech ganhava forma, meu filho também. Começamos 2020 com o nosso primeiro portfólio, com 55 produtos.
A primeira nota de importação chegou em fevereiro e, junto com ela, a pandemia de Covid-19. Claro que o impasse apareceu: afinal, vamos ou não nos lançar em um projeto inovador no Brasil, mas em um cenário sem precedentes?
Insegurança, medo, incerteza e ansiedade foram alguns dos sentimentos que senti naquele momento – nada que alguém que viveu a pandemia não tenha sentido, mas multiplicado pela espera do primeiro filho e pelos primeiros passos, ou não, da Longevitech. Decidimos seguir. Enrico nasceu em maio.
A pandemia estava em um dos seus piores momentos e, nós, eu e Bigal, partimos em busca de investidores. Já sabíamos que o negócio era de verdade, que havia demanda crescente e uma lacuna enorme no mercado nacional.
Segundo o IBGE, hoje 15% da população brasileira é idosa. São 30 milhões de pessoas. A estimativa é que o número dobre em 2050. Sabemos que 30% precisam de cuidados em virtude de doenças neurodegenerativas.
Levamos ‘200 portas na cara’ antes que a primeira se abrisse. Quem, afinal, investiria em uma empresa recém-criada em meio à pandemia? Não conhecíamos ninguém.
As pessoas estavam fragilizadas, as empresas também. Ninguém sabia se estaria bem para o próximo Natal, se haveria quem comprasse seu produto ou se seus filhos precisariam de suas economias para se manter
Mas chegou 2022, e num encontro de compadres, a Longevitech recebeu um novo fôlego. Era um almoço de sábado com um casal de amigos médicos.
Um encontro animado, cheio de assuntos variados, incluindo negócios, mas tudo muito informal. Na despedida, um deles me disse que adorou saber como estava o dia a dia da Longevitech e pediu para falarmos seriamente a respeito sobre investimentos já na próxima semana. Nosso primeiro aporte foi em julho.
A segunda rodada de investimentos veio logo depois, em outubro, por meio de Bigal. Em outro encontro casual, ele falou para um amigo sobre o projeto e o interesse foi imediato
Ele, o amigo, se lembrou da dificuldade que encontrava para cuidar da filha com deficiência com respeito, praticidade e sem comprometer qualquer chance de melhora. E assim, resolveu nos apoiar financeiramente.
Quando me perguntam qual a idade da Longevitech, costumo dizer que ela é uma criança muito madura. Afinal, nasceu em 2020, mas depois de 23 anos de incubação.
Hoje estamos em um galpão de 1 300 metros quadrados, já temos 200 produtos de tecnologia assistiva em nosso portfólio, filiais em Portugal e Espanha e vamos dobrar esse número graças aos aportes de recebemos
Entre os muitos produtos que oferecemos, estão adaptador universal para utensílios, escova de cabelo com cabo alongado, lençol impermeável, colher de cabo curvado, luva de proteção e contenção ou para banho.
O que proporcionamos é bem-estar, autonomia, autoestima e melhoria na qualidade de vida para pessoas com limitação temporária ou permanente de mobilidade e acessibilidade ou a quem simplesmente quer um produto para melhorar seu dia a dia, como por exemplo uma almofada para o seu escritório com tecnologia inovadora.
O que fica, até agora, é que eu nunca duvidei da Longevitech. Eu nunca deixei de acreditar. Essa foi a lição que levei para o lançamento da 2ª Edição da Geronto Fair, realizada no começo de outubro de 2023.
A próxima feira será em setembro de 2024. Espero de coração que, até lá, eu possa ter mais inspirações para que a Longevitech se torne uma referência ainda mais forte no mercado.
(E a quem interessar, meu pai está ótimo, com total independência para todas as suas atividades diárias — caminhar, tomar banho, se alimentar, além de continuar a fisioterapia para o reforço muscular.)
Edgard Xavier Jr., 57, é fundador da Longevitech.
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