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Ele começou na labuta aos 15, revendendo CDs na Galeria do Rock. Hoje, é dono de uma rede de streetwear com lojas por todo o Brasil

Geoffrey Scarmelote / 14 fev 2023
Igor Morais, fundador da Kings Sneakers.
Geoffrey Scarmelote - 14 fev 2023
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Nascido no Centro de São Paulo, filho de nordestinos e criado em uma quitinete, Igor Morais, 41, viu o pai quebrar nos negócios, mas não se intimidou e decidiu trilhar sua própria trajetória no varejo.

Aos 15 anos, ele começou a revender CDs na Galeria do Rock após pegar dinheiro emprestado com um amigo. Multiplicava as mercadorias e, gradativamente, investia mais. 

Apaixonado pelo hip hop, Igor transformou suas lojas em estabelecimentos de streetwear. E, autodidata no universo dos sneakers, inteirou-se dos modelos e tendências das principais marcas à venda no Brasil e no mundo. Um aprendizado que, quase por obra do acaso, catapultou sua história. 

Um dia, ele topou com alguns itens de colecionador em um outlet da Nike. Era um engano, não era para aqueles tênis estarem ali, à venda com desconto. Igor estourou o limite do cartão de crédito, comprou dez pares e revendeu na sua loja. Mais tarde, descoberto pela Nike, se tornou um revendedor oficial da marca.

Hoje, a Kings Sneakers tem mais de uma centena de lojas em shoppings espalhados pelas cinco regiões do Brasil. O próximo passo é levar sua operação de varejo a novos horizontes, investindo em gamificação e metaverso, mas sem abrir mão das raízes e de sua conexão com o hip hop.

Confira a seguir o papo de Igor Morais com o Draft:

 

Você nasceu na região da Cracolândia, no centro de São Paulo. Como foi crescer lá?
Nasci lá, mas tive a felicidade de ter uma família muito unida. Meus pais vieram do Nordeste. 

Morávamos em uma quitinete de 20 metros quadrados, alugada. Chegamos a morar em seis, sete pessoas ali, porque o migrante sempre vai trazendo a família. Foi uma das maiores experiências da minha vida

Falo que não sofri. Primeiro que, pra sofrer [de verdade], uma pessoa tem que passar fome, essas coisas. E isso — graças a Deus – não aconteceu comigo. 

A gente tinha muita vontade de vencer na vida, principalmente meu pai. Ele sempre colocou uma injeção de ânimo em nós, e é por isso que estou aqui hoje. 

A Cracolândia sofre com o tráfico e o consumo de drogas em vias públicas. Como você cresceu com isso em seu entorno sem se envolver?
Toda pessoa que nasce numa periferia, numa zona central, em cortiços, não vai ter outras coisas. O passatempo vai ser jogar bola na rua. 

Começa a chamar a atenção, quando você entra na adolescência, a questão de querer ter uma receita para sair, por exemplo. Mas as drogas nunca me chamaram a atenção, graças à minha família. Eu queria trabalhar

Como a minha família é de “empreendedores-raiz”, meu pai dizia que era proibido a gente tirar carteira de trabalho, nem que fosse pra comprar uma melancia e vender fruta na rua. Aí começa minha história no empreendedorismo.

Quais lições passaram de pai para filho?
Meu pai cometeu erros que eu não queria repetir. Existe uma diferença entre empresário e comerciante. Uma grande diferença. Meu pai era comerciante e eu já nasci para ser empresário. 

O comerciante pode, sim, ter mais dinheiro que o empresário. Mas o comerciante é aquele cara que compra por um, vende por dois e acha que só existe essa conta. O empresário, não. Ele pensa muito em imagem, estuda seu negócio

O comerciante fica trabalhando da mesma maneira desde o primeiro dia que abre o negócio dele até o final. Mas todo ano as coisas mudam. E acontece assim: “Nossa, não cresci nada do ano passado pra cá”. Ficou no prejuízo. Por quê? Porque o aluguel aumenta, o funcionário aumenta pelo governo, os custos da operação aumentam. 

O meu pai nasceu pra ser comerciante. Ele foi muito bem enquanto jornaleiro, mas quando chegou nas lojas, não olhava os números mensais e diários, contratar pessoas boas, fazer marketing. Não teve tanta informação como eu tive – eu não tive tanta, mas foi muito mais do que ele.

E como foi esse início?
Meu pai era jornaleiro. Tinha uma banca de jornal onde ficava a rodoviária velha, na Luz. Depois, ele entrou no mercado fonográfico. Tinha uma loja de vinil no Centro e depois abriu outra só de black music na Galeria do Rock. 

Ali, comecei a ajudá-lo. A black music sempre foi a nossa paixão e, toda vez que você faz o que gosta, fica mais fácil. 

Meu pai chegou a ter quatro lojas na Galeria, mas ele foi quebrando. Quando restou apenas uma e ele estava prestes a entregá-la, falei que gostaria de assumir. Estava disposto a pagar tudo o que tinha guardado na época, entre 10 mil e 15 mil reais 

Fiquei com o espaço, de 18 metros quadrados, e fiz uma loja totalmente de black music. Isso era perto do ano 2000. Meu sonho sempre foi ter uma loja urban, que contasse a história de street wear, com DJ. 

Fui vendendo CDs, fiz uma distribuidora de rap nacional, vendendo CDs pro Brasil inteiro. Mas não era nada muito grande. Dava pra me sustentar. 

Comecei a estudar um pouco o mercado, como estava nos Estados Unidos, porque no Brasil ainda não tinha nada nesse nicho. 

Você mencionou que tinha capital guardado para investir. Como juntou essa grana?
Um amigo meu de infância era filho do dono do boteco da rua, mais capitalizado, estudava em escola particular. Peguei 300 reais emprestado com ele, comprei CDs e vendi 600 reais no mesmo dia. 

Continuei fazendo isso até guardar dinheiro. Comprava os CDs em uma distribuidora e revendia para os lojistas da Galeria do Rock. Às vezes até fiado, porque sabia que pagariam 

Quando fui ver, já tinha 15 mil reais guardados em menos de um ano. Fiz isso por conta própria até assumir a loja do meu pai.

Daí os seus estudos sobre o mercado de sneakers foram te levando pra onde?
Olha só. Um dia, eu estava indo visitar um parente e parei no outlet da Nike. Percebi que havia alguns tênis que não eram pra estar ali, justamente porque já tinha estudado isso. Eram itens de colecionador. Achei estranho. 

Eu tinha um cartão de crédito com limite de uns mil reais na época. Comprei dez pares, coloquei-os à venda na loja de CDs e foram todos vendidos no mesmo dia. Pensei que era aquilo que queria pra minha vida 

Depois de cerca de oito meses, já havia tornado a loja em sneaker culture. Mas com CDs. Uma pessoa da Nike me descobriu. Pediram pra tirar os CDs e ali me tornei um revendedor oficial da marca, em 2006. Me deram um crédito de 5 mil reais. Achei que estava rico, porque o pouco pra quem não tem nada é muito. 

Fizemos vários projetos, as roupas foram chegando e fomos tocando a vida. Abri quatro lojas na Galeria do Rock como Kings Sneakers, porque na época dos CDs se chamava New Records, e fui tocando, até querer ir pra shopping. 

Foi uma transição difícil?
Pra mim, a quebra de paradigma estava bem longe porque o custo do shopping era muito alto. Comecei a ir atrás de ponto e pensava: “Isso não é pra mim ainda, tudo muito caro, contratos que são muito difíceis de assinar”. 

Mas consegui abrir nossa primeira loja em um shopping na Zona Leste. A gente chegou contando uma história legal para o jovem na região, e tivemos um boom ali.

Quais foram as dificuldades que você enfrentou?
A maior dificuldade do empreendedor é a falta de grana. Quando a Nike me deu a conta, realmente fiquei muito feliz e pensei que as coisas ficariam muito mais fáceis. Mas ali começou a ficar mais difícil. 

Primeiro, porque você assina um termo de responsabilidade que você tem que honrar os pagamentos e, dessas marcas multinacionais, você faz o pedido um ano antes. 

Você não sabe se a moda será a mesma. E você tem que receber, vender e pagar. A pessoa mais capitalizada, que tem mais fundo de caixa, dá um jeito. E quem não tem, como eu não tinha? 

Mas uma coisa foi legal. Sempre gostei de andar com pessoas com muito mais informações que eu. Então, nessa época, comecei a andar com uma pessoa que começou a me explicar, por exemplo, o que era um business plan. 

Em quinze dias com a Nike, eu já estava com um planejamento para os próximos dez anos. Daí os caras viram: “Pô, esse menino também não é besta”. Deu certo.

Como foi a expansão, desde a primeira loja em shopping até hoje?
Hoje, temos 140 lojas em shopping, e do começo pra cá mudou muita coisa. 

O sucesso da empresa é pelo time, e vejo que meu time hoje é muito mais preparado no comercial, na tecnologia de informação, no planejamento, nas compras – que é o calcanhar de Aquiles do nosso negócio.

Temos bons parceiros de negócio – não gosto de falar “funcionários”. Tenho parceiros. Hoje temos pessoas muito boas no que fazem e dão bastante resultado. São engajadas e têm a mesma linha de raciocínio. 

E a venda muda a vida de alguém sem exigir grau de escolaridade. Você pode ser pobre, periférico e ir longe.

Quais aprendizados da sua trajetória você procura levar aos seus parceiros de negócio?
Primeiro, a minha postura. Sempre sou o primeiro ou segundo a chegar e o último a sair da empresa. Converso com cada um deles diariamente, minha porta fica aberta. E tenho uma estratégia diferente. 

Contrato pessoas para sanar problemas, e não ter que ficar em cima, o chefe chato. Quero pessoas que possam chegar na minha mesa com a solução dos problemas. Por isso converso bastante com todos eles

Às segundas-feiras, por exemplo, falo com todos do comercial. A gente bate papo, troca feedback, bate cirurgicamente onde está dando errado, para resolver.

Há algo do jovem Igor, que começou revendendo CDs, que você mantém atualmente no seu modelo de negócio?
A essência é a mesma: trabalhar muito, sem medir esforços. Somos uma empresa de vendedores e batalhadores. Nosso diferencial é esse. 

Quero que os parceiros tenham sua casa própria, ajudem os pais, cresçam. Transmito meus valores e hoje vejo gente que trabalhou comigo com o próprio negócio: uma hamburgueria, um salão de beleza.

Em 2023, a Kings Sneakers completará 16 anos. Você teria feito algo de diferente ao longo desse período?
Não. Mas, claro, em muitos momentos precisei dar dois passos pra trás e depois um pra frente. A marca foi uma das marcas mais pirateadas no Brasil, numa época. Uma marca de uma loja multimarcas. 

Nisso, nessa época, fiquei um pouco confuso, porque vender a marca no atacado é um business. O meu core business é o varejo. E nós temos o online. Fiquei confuso por onde deveria seguir

Acho que tomei a decisão certa de ir para o varejo e meio que matei a marca uns três anos; aí, depois, reposicionamos. 

Mas, naquele período, se eu tivesse um pouco mais de braço, a marca talvez não fosse caindo. Decidi, então, matar a marca um pouco pra reposicionar com calma, sem ficar atirando pra tudo o que é lado.

O reposicionamento está em curso?
Isso. Começamos no ano passado, com alguns influenciadores. Tem alguns que não vendem, mas são de branding. Fizemos também um grande meeting com os franqueados. Agora, em 2023, vamos dar um boom com mega influenciadores. 

Vamos também transformar o site da Kings Sneakers no maior omnichannel de streetwear da América Latina. Vamos plugar todas as lojas, plugar o site da Nike, todos os players que façam parte dessa cultura 

Por exemplo, o cara que vende spray para grafiteiros, a molecada que tá começando a vender via Instagram, estarão lá. Também vamos lançar nossa marca infantil.

Você é autor de um livro (Nada vem fácil). O que você aborda nele e qual o público-alvo?
É um livro totalmente direcionado para o jovem. Tenho filho adolescente e, hoje, essa faixa etária acha que tudo vem fácil. Pode ser youtuber, blogueiro de Instagram e ganhar dinheiro fácil. E não é bem assim. 

Se a gente for ver, temos muitos influenciadores [de sucesso], mas há muito mais gente tentando. O que eu quero passar é a necessidade de lutar, até porque os atalhos podem frustrar. 

A minha geração acho que foi uma das últimas a não ter redes sociais. E eu venci sem nada disso.

Falar em jovem, hoje, envolve games e metaverso. A Kings caminha para esses segmentos?
Metaverso já me chamava a atenção há muito tempo. Conheci algumas pessoas que estão bem imersas nisso. Eles estão fazendo o primeiro shopping center no metaverso e a Kings é uma das duas primeiras lojas presentes. 

Sobre gamificação, sou amigo do Alexandre De Maio, escritor e um dos fundadores do Catraca Livre, há mais de 25 anos. Ele me apresentou a estratégia de gameficar. 

Tivemos a ideia de fazer um game no estilo briga de rua, mas vamos fazer um na periferia de São Paulo. Vai ter um rapper no meio. Vai ter uns zumbis e tal, vai ter placas indicando pra Marginal Tietê, e bastante elementos da Kings 

Deve ser lançado no final de fevereiro.

A Kings Sneakers já chegou ao mercado internacional?
Estamos exportando para um player em Portugal e temos também contatos em Miami para emplacar a Kings em algumas multimarcas por lá.

Igor, a Kings Sneakers tem um DNA da cultura rap. Como você enxerga a música e a moda enquanto espaços de transformação social?
Eu falo sempre que fui salvo pelo rap. O rap me educou, fui criado nesse meio. No começo do break, ali na São Bento [Centro de São Paulo], eu estava lá. 

Esses quatro elementos do hip hop — o rap, o DJing, o breaking [street dance] e o grafite —, fui criado no meio disso. E isso me salvou em vários aspectos da vida, como lealdade e não entrar no crime 

Falo sempre que fui educado pelo Mano Brown. Sempre ouvi muito e sempre me identifiquei. É cultural, a música move as coisas, é sentimento. Faz todo o sentido.

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