No mundo corporativo, termos como sonho e mundo ideal podem ser usados em tom pejorativo – como se fossem opostos a planejamento, estratégia, resultados.
Porém, exemplos como o de Hóttmar Loch mostram que sonhar é o primeiro passo para descobrir onde se quer chegar, mesmo que o destino pareça distante.
Aos 30 anos, Hóttmar construiu uma trajetória que vem sendo pautada pela preocupação e gestão do bem estar das pessoas LGBTQIAPN+ no mercado de trabalho e no mundo. Ele é cofundador da Nohs Somos, uma startup de impacto social que traz à tona discussões que durante muito tempo foram apagadas e silenciadas em grandes empresas.
O negócio nasceu como um coletivo em 2018, quando Hóttmar e um time de amigos e voluntários se sentiram desafiados a trazer uma resposta para uma onda de LGBTfobia e violência. Hóttmar morava em Florianópolis, onde estudava Arquitetura e Urbanismo, e começou a transformar a inquietação em inspiração.
“Eu me perguntava: se estamos em um polo de tecnologia, cadê a tecnologia como aliada quando a gente precisa?”
O primeiro projeto foi um Mapa LGBTI+, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, uma plataforma que permite encontrar lugares amigáveis por meio de avaliações de pessoas da própria comunidade. A ferramenta segue firme até hoje – são mais de 60 cidades e mais de 60 mil locais cadastrados – e abriu as portas para que Hóttmar pudesse dar contorno a outras ideias.
Outro projeto de destaque foi o Bar de Respeito, uma plataforma digital desenvolvida para criar um ambiente seguro e inclusivo para a comunidade, indicando bares com avaliações positivas e oferecendo descontos aos usuários e treinamentos para os locais parceiros que buscarem por auxílio.
A iniciativa, desenvolvida em parceria com a Ambev, já está presente em oito capitais do país e tem mais de 40 mil usuários ativos.
DEPOIS DO PERRENGUE, UM FINANCIAMENTO COLETIVO E APROXIMAÇÃO COM GRANDES EMPRESAS
Nascido em Orleans, cidade catarinense (a uns 180 quilômetros de Florianópolis) com cerca de 23 mil habitantes, Hóttmar enxerga que a sua infância teve papel fundamental na sua escolha pelo empreendedorismo social.
“Enquanto criança viada e homem LGBT, sempre esteve muito presente essa pauta da masculinidade hegemônica. De ‘não veste isso, não faz aquilo’. Consigo observar que essa minha história me fez conhecer as ferramentas que eu tenho hoje”
Hóttmar começou a trabalhar aos 14 anos, dentro da lógica da maioria dos brasileiros de “ganhar o almoço para pagar a janta”.
Cursar uma faculdade era um sonho, que depois de realizado como aluno do ProUni, ainda veio acompanhado de uma oportunidade de um intercâmbio na University of Limerick, na Irlanda. Foi lá onde ele conheceu a tecnologia social, e vislumbrou projetos que poderiam ser realizados na sua volta ao Brasil.
Depois de criar o Mapa LGBTI+ ao lado de uma equipe de amigos e voluntários, Hóttmar se viu diante da possibilidade de abrir, de fato, uma empresa. Os amigos se tornaram sócios e assim nasceu a Nohs Somos, em 2019.
Na época, fizeram um financiamento coletivo que arrecadou cerca de 60 mil reais em doações e começaram a se aproximar de grandes empresas. “Gosto de lembrar que também tivemos mais de 1 milhão de reais em capital humano, para que aqueles 60 mil fossem aproveitados”, diz.
No âmbito pessoal, Hóttmar também passava por grandes mudanças – e perrengues.
“Fiquei mais de um ano ganhando 1 400 reais. Entrei em SPC, Serasa, vendi carro, porque eu acreditava. Eu morava com meu melhor amigo, que me ajudou, segurando as pontas em casa. Ele também era meu sócio, e aí ainda tivemos a brilhante ideia de também ter um relacionamento… [risos] Hoje, somos amigos”
Essa época foi marcada por essa reafirmação na sua convicção de que a Nohs Somos estava fazendo o esforço necessário para atingir uma causa nobre.
“Às vezes a dúvida vem pra te sabotar”, diz. “Quando ela aparece, eu olho para tudo o que a gente já fez, e enxergo o quanto é massa tudo o que estamos construindo.”
Em 2021, a Nohs Somos ganhou mais corpo enquanto empresa quando se tornou também uma consultoria de diversidade, e passou a criar projetos que atendem grandes empresas, como Liberty Seguros, Ambev, Loreal, Nubank, CVC e iFood.
Entre os serviços oferecidos estão a coleta de dados internos de Diversidade e Inclusão, estruturação de grupos de afinidade e comitês, além do mapeamento das oportunidades de acordo com o contexto do negócio da empresa e em parceria com as pessoas colaboradoras.
Isso mexeu com a estrutura da startup, que até então contava com um time de 80% de voluntários – parte deles contratada posteriormente. “Quando você precisa responder com velocidade de mercado é desafiador”, diz Hóttmar.
Os ajustes, tanto na gestão de pessoas dentro da startup quanto de processos, deram resultado. Entre 2021 e 2022 a empresa cresceu quatro vezes – e, entre 2022 e 2023, cresceu mais ainda, sete vezes em faturamento e tamanho de equipe.
Esse sucesso é notado por meio de um dos projetos mais recentes da Nohs Somos: a Maratona do Orgulho, realizada em parceria com a Pulses, Swap e Todxs, Ambev, iFood, Pirelli e Papo de Homem.
O evento, que nasceu como estratégia de marketing de atração para as marcas envolvidas, traz à tona a importância da diversidade e da inclusão, tornando-se um marco na promoção de debates sobre cultura e identidade LGBTI+ no âmbito profissional e pessoal.
“Em menos de 30 dias a Maratona estava vendida com um produto, e temos mais dois eventos esse ano para falar com pessoas com deficiência. A gente leva ballroom, carimbó, favela e tudo que não chega na porta do corporativo. Ao mesmo tempo, recebemos uma galera que toma decisões, é uma mistura de gente”
Até agora duas edições foram realizadas – a última reuniu 300 pessoas no Beco do Batman, na Vila Madalena, em São Paulo, e outras 3 mil participando online.
De acordo com o site da Nohs Somos, no evento presencial, 29% das pessoas presentes eram CEO ou pessoa proprietária, 20% eram pessoas gerentes ou diretoras em suas organizações e 24% eram analistas.
Quanto às áreas de atuação, 48% do público se identificou como ligado a DE&I (Diversidade, Equidade & Inclusão) ou ESG, 19% de Recursos Humanos e 21% de Marketing ou Comunicação.
Hóttmar conta que hoje a Nohs Somos tem uma média de receita que oscila de ano para ano, e que 50% do faturamento vem de projetos da startups, e os outros 50% da consultoria.
São 17 pessoas na equipe, sendo metade trabalhando em tempo integral e metade meio-período.
“É tudo sobre propósito. Sei que isso pode soar meio coaching, mas não é muito sobre andar na brasa e no caco de vidro. Eu respeito, mas não é a minha pegada. Hoje acredito que minha história se conecta com as dores que eu passei, e com as dores de tantas outras pessoas”
Para ele, a Nohs Somos se tornou um negócio ganha-ganha-ganha:
“Vamos diversificar quem está ganhando dinheiro, que as tomadas de decisão vão ser diferentes”, diz Hóttmar. “Dentro desse status quo, a gente compreende que existe um espaço para resolver problemas sociais e ganhar dinheiro. E como o dinheiro gira, isso é fantástico e gera impacto.”
Marina Sierra Camargo levava baldes no porta-malas para coletar e compostar em casa o lixo dos colegas. Hoje, ela e Adriano Sgarbi tocam a Planta Feliz, que produz adubo a partir dos resíduos gerados por famílias e empresas.
Em vez de rios canalizados que transbordam a cada enchente, por que não parques alagáveis? Saiba como José Bueno e Luiz de Campos Jr., do projeto Rios e Ruas, querem despertar a consciência ambiental e uma nova visão de cidade.