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Futebol numa hora dessas? Como fazer da paralisação do Campeonato Brasileiro uma ação concreta pelas vítimas das enchentes no RS

Bruno Leuzinger / 14 maio 2024
Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, tomado pelas águas (foto: Reuters).
Bruno Leuzinger - 14 maio 2024
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De que importa o futebol quando o mundo parece prestes a acabar?

Nesta segunda, 13 de maio, os 11 clubes da Liga Forte União divulgaram um comunicado conjunto pedindo a paralisação do Campeonato Brasileiro: Athletico-PR, Atlético-GO, Botafogo, Criciúma, Cruzeiro, Cuiabá, Fluminense, Fortaleza, Internacional, Juventude e Vasco.

Pelo menos outros dois times — o Atlético-MG e o Grêmio — já tinham manifestado a mesma opinião, totalizando 13 dos 20 clubes que disputam a Série A.

O motivo, claro, é a tragédia ambiental que vem devastando Porto Alegre, as demais cidades da região metropolitana da capital gaúcha e o interior do Rio Grande do Sul

Neste momento, o estado registra 148 mortes e 80 mil pessoas desabrigadas.

Diante da posição expressa por mais da metade dos participantes, a CBF emitiu hoje (terça, 14 de maio) um comunicado de que pretende “acatar a decisão dos clubes”.

Pessoalmente, como torcedor sem envolvimento profissional com a indústria do esporte — e acompanhando à distância a tragédia no Sul —, paralisar o Campeonato simplesmente me parecia a coisa certa a fazer.

Óbvio, há vários empecilhos, inclusive comerciais. Ainda assim: como seguir jogando bola enquanto o Sul do Brasil enfrenta um apocalipse climático?

Minha opinião era: pausar o campeonato e ponto. Simples assim. Até que, hoje mais cedo, topei com um texto do Mauro Cezar no UOL.

Contrário à interrupção, o jornalista argumenta: “Qual o efeito prático da paralisação do Campeonato Brasileiro? De que maneira interromper os jogos ajudaria as pessoas que enfrentam dificuldades na enchente no Rio Grande do Sul?”

São ótimas perguntas. O futebol, diz Mauro, tem uma “capacidade de mobilização” sem igual, inclusive para a arrecadação de donativos.

Ao suspender o campeonato, estaríamos dando um tiro no pé e desperdiçando esse potencial?

EU ACHAVA INCRÍVEL A ENERGIA DO GOL… MAS AOS 14 ANOS, NA ARQUIBANCADA, VI A TRAGÉDIA AO VIVO NO MARACANÃ

Radicado em São Paulo desde 2002, eu cresci frequentando o Maracanã.

Digo, o antigo Maracanã, aquele erguido para a Copa de 1950 e destruído (ou “recauchutado”) para os Jogos Pan-americanos de 2007.

Ainda garoto, achava incrível a energia do gol: aquele momento de êxtase capaz de aproximar, na comunhão de um abraço, dois completos desconhecidos — unidos apenas pela paixão por uma camisa em comum

Sou botafoguense. Eu estava lá em 1989, aos 11, quando Maurício deu um empurrãozinho de leve em Leonardo, pôs a bola no fundo das redes de Zé Carlos e decretou o fim de vinte anos de jejum. Vi a festa, as lágrimas de adultos e idosos rolando de alegria.

Três anos depois, outra final contra o Flamengo. Liderado por Júnior, o “vovô-garoto”, o time da Gávea vencera a primeira partida por 3 a 0 e tinha as duas mãos na taça.

Mesmo assim, estávamos entre os abnegados botafoguenses que decidiram se deslocar ao estádio, na esperança louca de uma virada (que não viria).

O Maracanã estava abarrotado de gente. A vantagem no placar agregado levara a massa rubro-negra a tomar conta do estádio, espremendo os alvinegros.

Até que, cerca de meia hora antes do apito inicial, a grade de proteção da arquibancada cedeu.

Eu vi o momento da queda, os torcedores do Flamengo despencando no vazio. Era a tragédia se desenrolando na arquibancada, ao vivo, ali diante dos nossos olhos

Na sequência, vi e ouvi um ou dois alvinegros festejando de modo nojento a morte dos adversários — e sendo reprimidos de forma enfática pelos demais botafoguenses, sensibilizados com o drama que se desenrolava diante de nós.

Naquele 19 de julho de 1992, o Flamengo se sagrou campeão brasileiro. Mas três de seus torcedores jamais puderam festejar o título, morreram em decorrência da queda, que deixou ainda dezenas de feridos.

Lembro de outra partida, entre tantas. Um momento pré-jogo, no anel interior do Maracanã. O meu pai tentando convencer outro botafoguense a NÃO atirar um copo de mijo nos flamenguistas que passavam lá embaixo, no entorno do estádio. Em vão.

Enfim: cresci vendo como o futebol pode inspirar e refletir o melhor — e certamente também o pior — do ser humano

A estupidez humana abrange todas as torcidas, claro. E quando triunfa, parece invencível. Mas não precisa ser assim. (Ou precisa?)

EM VEZ DE APENAS PARALISAR O CAMPEONATO, QUE TAL CANALIZAR A POTÊNCIA DAS TORCIDAS EM PROL DAS VÍTIMAS DA ENCHENTE?

De volta ao texto do Mauro Cezar. Paralisar o campeonato, segundo ele, seria um gesto bonito, mas “sem efeito prático”.

Ou melhor, com um efeito prático negativo: tirar dos clubes a possibilidade de arrecadar mantimentos por meio da mobilização de seus torcedores através das partidas do Brasileirão.

Por outro lado — e aqui é a minha opinião —, paralisar o campeonato como forma de solidariedade diante de uma catástrofe ambiental de proporções inéditas emitiria uma mensagem poderosa a todas as torcidas

E se é verdade que “o prejuízo técnico, financeiro, emocional dos clubes gaúchos já está configurado”, como ele diz, não seria fundamental minimizar ao máximo esse prejuízo no contexto do torneio?

A meu ver, o Campeonato pode e deve ser suspenso. Mas sem desperdiçar a enorme “capacidade de mobilização” do futebol brasileiro.

Por exemplo: por que não organizar, em seu lugar, um torneio curto, amistoso, beneficente? Voltado inteiramente à coleta de ajuda para o Rio Grande do Sul?

Um torneio reunindo os maiores clubes do país. De participação opcional. Com substituições ilimitadas, para não desgastar os elencos. Com uma primeira fase feita, talvez, de confrontos regionais, eliminatórios, de forma a reduzir os deslocamentos.

Um torneio a preços populares, para atrair os torcedores — inclusive aqueles hoje alijados dos estádios, cada vez mais elitistas. Um torneio com leilões de camisas autografadas para angariar fundos para o Sul, além da coleta de doações.

Ah, os patrocinadores do Brasileirão ficariam insatisfeitos? Talvez. Ou poderiam aproveitar para pôr em prática aquele tal de ESG, colando a sua marca a um torneio beneficiente em prol de um estado devastado

Ah, nesse caso o Campeonato Brasileiro acabaria só no ano que vem? Bom, e daí? Não seria a primeira vez.

Foi assim na pandemia. E antes ainda, quando a Copa João Havelange, disputada em 2000, terminou em 2001 devido à queda do alambrado de São Januário, na final entre Vasco e São Caetano.

O MOMENTO PODE SER UMA OPORTUNIDADE ÚNICA PARA TRAZER A AGENDA AMBIENTAL AO FUTEBOL

Um torneio assim, amistoso, beneficiente, seria plausível agora? Tecnicamente viável?

Não tenho ideia. Tampouco sei se alguém já ventilou essa opção.

Retomando a pergunta lá de cima do texto: de que importa o futebol quando o mundo parece prestes a acabar?

É um paradoxo: por um lado, diante da tragédia, o futebol perde enormemente sua importância — e, no entanto, continua sendo uma das coisas mais importantes na vida de milhões de brasileiros

Paralisar o campeonato seria portanto um gesto poderoso de solidariedade diante da catástrofe. Um gesto acima das paixões clubísticas. E gestos importam — mesmo quando seu alcance parece limitado.

Poderia ser ainda uma oportunidade única de introduzir de verdade a agenda ambiental no futebol.

Se o verde é a cor do Palmeiras, a defesa do Verde — com maiúscula — pode e deve ser uma bandeira de todos os clubes e de todas as torcidas do Brasil.

Bruno Leuzinger, 46, é carioca, botafoguense e editor do Projeto Draft.

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