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“Fundei uma plataforma para remunerar o ‘trabalho invisível’ de milhões de mulheres envolvidas com a Economia do Cuidado”

Stefanie Schmitt / 8 mar 2024
Stefanie Schmitt, sócia-fundadora da Olhi.
Stefanie Schmitt - 8 mar 2024
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A Olhi é a história de muitas mulheres. Desde a minha própria história à da mulher que deu nome ao negócio (minha avó paterna, apelidada de Oli), passando por todas que fazem parte da plataforma e nos servem de exemplo.

A minha história, aliás, não seria nada sem as demais. Afinal, foram essas mulheres que me trouxeram até aqui. Sem elas, eu literalmente nada seria

A começar pela terapeuta que me perguntou: “Stê, com tantas mulheres empreendedoras na sua família, você nunca pensou em empreender?”

Isso não tinha nada a ver com a minha trajetória. Formada em Relações Internacionais, até aquele momento eu só tinha trabalhado com políticas públicas.

Era especialista em relações governamentais internacionais e não me imaginava fazendo nada muito diferente. Tanto é que, no dia em que recebi a pergunta, fazia um mês que tinha defendido meu doutorado em Ciência Política.

Empreender era algo que não passava pela minha cabeça. No entanto, a pergunta veio como uma bomba que explode várias certezas.

AS MULHERES TRABALHAM O TEMPO TODO, MAS NÃO SÃO REMUNERADAS OU SÃO MAL REMUNERADAS PELO QUE FAZEM

Depois do susto, senti um mini prazer em considerar essa possibilidade. Nos dias que se seguiram, fiz incontáveis ponderações.

Levantei algumas hipóteses, dentre elas a de que eu só podia estar completamente desmotivada com minha carreira para considerar algo tão estapafúrdio. Porém, fato é que a possibilidade me empolgava. E o “pior”: eu já sabia o que eu queria criar. 

Meu sonho era desenvolver uma ferramenta que fizesse com que nenhuma mulher tivesse problemas para trabalhar.

Aqui, eu falo de trabalhar e ser remunerada, porque o nosso problema não é trabalhar, é ser reconhecida pelo o que a gente entrega.

Toda mulher trabalha o tempo todo, mas esse trabalho ou é mal remunerado ou nem é remunerado. É boa-vontade, gentileza, amor ou sei lá o quê..

A essa minha recém-descoberta vontade de empreender se somavam minhas preocupações de longa data com a desigualdade e seu impacto no bem-estar das pessoas.

SE A SITUAÇÃO JÁ ERA RUIM, NA PANDEMIA ELA PIOROU

Essas inquietações, talvez, estivessem ainda mais latentes, visto que todo esse processo de descoberta aconteceu após um ano de pandemia.

Naquele contexto de crise sanitária, econômica e política, as mulheres estavam entre os grupos mais afetados — não somente pelo isolamento social, mas também pelo desemprego.

E a renda que elas tinham perdido não era bem só delas, era familiar, pois em 2018 (segundo o IBGE), elas já respondiam por provedoras de 43% dos lares brasileiros.

Isto na estatística oficial, pois a gente sabe que um número expressivo de homens “vão comprar cigarro” e nunca mais voltam

Então, se eram elas que colocavam dinheiro dentro de casa e eram elas que também cozinhavam, asseguravam o bem-estar físico das pessoas, educavam, dentre outros, como é que estavam os lares brasileiros?

Que futuro esperar no pós-pandemia?

COMECEI A ESTUDAR A ECONOMIA DO CUIDADO E ENTENDI QUE PRECISAVA FAZER ALGO PARA MUDAR ESSA SITUAÇÃO

Com base nessas perguntas, comecei a me interessar ainda mais pelas discussões que estavam rolando no Brasil e em outros países, assim como em organizações internacionais, sobre a Economia do Cuidado.

Isto é, sobre o desempenho de todas essas atividades que asseguram o bem-estar das pessoas e que tradicionalmente são vistas como de responsabilidade feminina. Dentre elas, o cuidado de doentes ou dependentes e o trabalho doméstico. 

Estão entre os impactos dessa responsabilização feminina, a retirada de mulheres do mercado de trabalho segundo a OIT; a pobreza, de acordo com a ONU; e a exaustão feminina, acompanhada de um crescente número de diagnósticos de transtornos mentais — como iniciativas de referência vêm demonstrando, a exemplo do ThinkOlga no Brasil

De modo geral, todas essas organizações defendem a adoção de políticas públicas que enderecem esse trabalho não remunerado das mulheres.

Trata-se de iniciativas públicas e mudanças regulatórias, como o reconhecimento do cuidado materno como trabalho com direito a aposentadoria (que foi aprovado na Argentina em 2021).

No Brasil, naquele momento da pandemia, não havia espaço político para essa discussão. E foi aí que eu pensei: precisamos de algo privado.

A OLHI BUSCA REMUNERAR MULHERES ESPECIALIZADAS EM ASSUNTOS RELACIONADOS AO CUIDADO

E aí é que eu chego na tecnologia da Olhi, criada em 2021.

Ao mesmo tempo em que tudo isso estava acontecendo, o que a gente estava fazendo para resolver qualquer problema dentro de casa? 

Estávamos assistindo a tutoriais no YouTube, o que resolve grande parte das nossas dúvidas, mas sempre deixa sobrando uma específica.

Pois bem, foi aí que eu pensei em misturar o Uber, o Airbnb e o Tinder e criar um “uber do cuidado”. Uma solução em que a gente pudesse chamar mulheres especializadas em tudo o que está relacionado ao cuidado e tirar nossas dúvidas direto com elas, remunerando o tempo que elas dedicam para nós

A Olhi começa com essa ideia. E com eu perguntando: o que achavam dela algumas amigas, terapeutas, prestadoras de serviços, professoras e gente ligada a iniciativas que potencializam mulheres para atuar no mercado de trabalho — como a ONG Mulher em Construção (na época, essa organização já tinha treinado mais de 15 mil mulheres para atuar na construção civil).

Queria saber se uma solução neste formato realmente adicionaria ao trabalho delas. E todas (exceto uma mulher, para ser sincera) responderam que era algo mais do que bem-vindo.

COMEÇAMOS A PROTOTIPAR A PLATAFORMA ATRAVÉS DO FEEDBACK DE GRUPOS DE MULHERES

Foi no processo de entender o que fazer com essas reações positivas que conheci meu sócio Felipe Moreira. De cara, ele me disse que queria construir a solução comigo.

Foi nessa época também que procurei minha amiga de infância e hoje sócia, Julie Maciel, para entender como tinha sido a experiência dela em coletivos femininos.

E foi também quando eu conheci a Juliana Amaral. Após participar de uma dinâmica liderada por ela, perguntei se  não queria tentar fazer algo parecido online. Sem demora, ela estava no time.

O Felipe, nosso chefe de produto, prototipou o que eu desenhei no papel e a Julie, nossa chefe de operações, deu corpo para o grupo de profissionais que eu comecei a formar a partir das dinâmicas da Juliana.

Pouco a pouco, essas mulheres foram nos informando quais eram as dificuldades que enfrentavam para trazer seus trabalhos para o online e serem reconhecidas e remuneradas pelos serviços que prestavam

Desde o início, a Olhi funciona sob esses dois alicerces, produto e pessoas. Um informando o outro o tempo todo.

TENTAMOS LEVANTAR UMA RODADA DE INVESTIMENTO, MAS OUVIMOS QUE “NÃO ERA O MOMENTO”

Em 2021, a gente colocou nosso primeiro MVP na rua e testou o atendimento democrático de 15 minutos por 22 reais.

Desenhado para democratizar o acesso ao conhecimento e remunerar a profissional em 1 real por minuto de trabalhado, ele nunca deixou de ser oferecido por nenhuma profissional com atuação na plataforma.

Hoje são 70 delas com o perfil online, oferecendo atendimentos especializados em videochamadas de pelo menos 15 minutos, com tempo e valor definidos conforme a especialização da profissional.

Pela plataforma, é possível aprender com as mulheres cadastradas a amamentar, pintar, cuidar de plantas até a fazer uma transição sustentável para o veganismo, passando por consultorias para pequenos negócios e sessões terapêuticas 

Hoje, a maioria das demandados é por consultoria ou assessoria para empreendedoras, atendimentos de alimentação e terapias na categoria bem-estar.

Em 2022, tentamos obter um investimento que permitisse escalar a solução. Ouvimos que não era o momento, apesar de já termos nosso impacto social reconhecido pelo selo Iimpact, promovido pela Fundação Dom Cabral e pela plataforma Innovation Latam, e sermos destaque no InovAtiva (2022), em tecnologias verdes e sustentáveis.

Ou talvez o “sim” não tivesse vindo por não sermos conhecidas, não termos benchmarking — ou por sermos uma solução de mulheres que resolve um problema de mulheres… 

A OLHI É A MINHA HISTÓRIA E A DE MUITAS MULHERES QUE QUEREM SER VALORIZADAS — E REMUNERADAS — PELO QUE SABEM

Fomos salvas por um investidor-anjo e, em 2023, conseguimos formar um time diverso e mais do que comprometido.

Além disso, aumentamos nossa base de profissionais em mais três vezes, automatizamos processos, lançamos novos produtos e concluímos as integrações que faltavam para encorpar a nossa base em 2024.

Os resultados até aqui já nos enchem de motivação: crescemos 45% no Instagram e recebemos em média um novo cadastro de profissional por dia (os cadastros passam por um processo de checagem antes de ir para o ar).

Cada profissional que está conosco tem uma história de muita dedicação e superação. Penso que elas também são a minha história e a da Olhi. E a história de muitas mulheres que se especializaram e querem ter seu trabalho reconhecido e remunerado.

 

Stefanie Tomé Schmitt é sócia-fundadora da Olhi. Mestre e doutora em ciência política pela USP, tem mais de 15 anos de experiência em políticas públicas, tendo trabalhado nas áreas internacionais das principais associações empresariais do país (FIESP e CNI), além de consultorias especializadas em comércio internacional.

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