Roupa íntima todo mundo usa. Porém, ao contrário de qualquer outra peça, que pode ser repassada para um irmãozinho mais novo quando fica pequena ou então doada para alguma instituição de caridade quando a gente não quer mais, cuecas, calcinhas e sutiãs têm, invariavelmente, o lixo comum como seu derradeiro destino. E isso, acredite, representa um sério problema ambiental. Produzidas com fibras sintéticas como nylon e poliéster, as lingeries, por exemplo, demoram cerca de 80 anos para se decompor na natureza.
A boa notícia é que, desde 2014, existe uma nova tecnologia de biodegradação empregada na fabricação de têxteis: o fio Amni Soul Eco®, feito com poliamida biodegradável pela Rhodia Solvay no Brasil.
“Conseguimos desenvolver uma modificação no polímero que acelera o processo de degradação. No máximo em cinco anos o material desaparece”, diz Renato Boaventura, presidente da unidade global de negócios Fibras na Rhodia, uma empresa do grupo Solvay.
O produto foi inteiramente desenvolvido na unidade de Santo André, no ABC paulista. Para Boaventura – um engenheiro de produção há 25 anos na companhia –, o que motivou a criação da fibra foi a necessidade de buscar soluções sustentáveis para a indústria têxtil. “É uma inovação da qual temos muito orgulho. Mais do que ser uma grande tendência, a sustentabilidade é uma necessidade.”
O fio Amni Soul Eco® tem sido utilizado por fabricantes de jeans, meias, lingeries, calçados, bolsas e acessórios. Por incluir proteção contra raios UVA e UVB, e suportar alta exposição à luz solar, é bastante procurado pelas confecções de moda fitness, praia e esportiva.
Logística reversa e economia circular
O projeto de desenvolvimento do fio biodegradável levou cinco anos. Um período relativamente curto, mas que condiz com a velocidade nas descobertas e aplicação das tecnologias inovadoras na área têxtil. Em 2011, quando a ideia ainda não tinha saído do papel, a grande preocupação da equipe de Boaventura era entender o conceito da economia circular para as fibras sintéticas. “Pensamos em promover a reciclagem, mas em Santo André já fazíamos isso há mais de dez anos.”
Boaventura explica que o insight para a tecnologia da fibra surgiu de um grande desafio para indústria têxtil: a logística reversa. Ou seja, como coletar esses resíduos e trazê-los de volta para serem reciclados. “Partimos da ideia de acelerar na natureza a decomposição daquilo que não pode ser reciclado”, diz. Segundo o presidente, o nylon, bastante utilizado na produção de roupas íntimas, foi o produto ideal para começar com a inovação de biodegradação em têxteis.
A agilidade na implantação do projeto também promoveu um retorno financeiro mais rápido. Boaventura afirma que o fio biodegradável representa 20% do faturamento da empresa: “A cada dia novas marcas em todo o mundo estão interessadas em utilizar a fibra.”
Boaventura afirma que o Amni Soul Eco® tem um pequeno custo adicional em relação aos fios sintéticos convencionais, mas garante que esse valor não torna os produtos proibitivos para o consumidor final. “Como queríamos ampliar seu conceito de uso, buscamos uma inovação tecnológica competitiva no mercado”, afirma. De acordo com o executivo, o custo extra de uma lingerie biodegradável é inferior a 5% do preço da peça.
De olho nas megatendências
Presente no Brasil há um século e em Santo André desde 1929, a indústria química francesa Rhodia foi incorporada ao grupo belga Solvay em 2011. “Temos uma estrutura de pesquisa muito sólida no Brasil”, diz Boaventura, revelando que a companhia mantém uma centena de pesquisadores em suas unidades pelo Brasil. “O foco em inovação tem dado frutos. Tanto com o Amni Soul Eco®, quanto com outros produtos e pesquisas ainda em desenvolvimento.”
De olho no futuro, os profissionais de Santo André estão atentos às chamadas “megatendências” do setor. “Escolhemos quatro caminhos de inovação para trabalhar: sustentabilidade, saúde, praticidade e conectividade.”
Para Boaventura, a sustentabilidade nas fibras e no têxtil é fundamental porque o setor está passando por profundas transformações. Em dez anos, acredita, haverá outros fios e materiais, além de diferentes conceitos de negócios. “O planeta não tem mais condições de suportar o modelo atual.”
Saúde é outro pilar para os novos projetos da indústria. “O conforto virá atrelado ao conceito de como o têxtil pode proporcionar bem-estar através do vestuário”, diz Boaventura. O terceiro item é praticidade, especialmente na vida urbana. “A roupa também precisa responder a essas questões e facilitar as atividades cotidianas.”
Por último, vem a conectividade trazida pelas wearables, ou “roupas inteligentes”, que já são uma realidade na forma de óculos, relógios, calçados e vestuário.
Muito além dos óculos de realidade virtual, a geração mais recente de wearables traz sensores na trama dos tecidos que oferecem uma série de possibilidades. Desde incentivar a prática de exercícios ou controlar uma dieta, até monitorar os sinais vitais e o sono dos usuários. “Como iremos massificar as wearables no têxtil é uma questão que estamos olhando no momento.”