Todos os dias, os mais de 200 milhões de brasileiros geram algum tipo de resíduo dentro de suas casas, colocam em sacos plásticos escuros e levam para as lixeiras dos condomínios ou colocam na calçada para os coletores recolherem. É um ato cotidiano que tem um impacto enorme no meio ambiente. Afinal, não existe o famoso “jogar fora”. Quando algo é descartado, vai para algum lugar, geralmente bem longe de quem o descartou.
Foi olhando para esse problema que Marina Sierra Camargo, 40 e Adriano Sgarbi, 43, fundaram em 2019 a Planta Feliz Adubo, um negócio de impacto social que coleta resíduos em casas e empresas da cidade de São Paulo e transforma em adubo orgânico por meio da compostagem.
“A prefeitura passa um dado de aproximadamente 20 mil toneladas de resíduo levadas para o aterro por dia. Se pensarmos que 60% desse resíduo poderia ir para compostagem, estamos falando de 12 mil toneladas”, diz Marina. “Então, não tem que ter só a planta feliz, tem que ter diversos pátios descentralizados pra gente interceptar os resíduos orgânicos e eles não irem mais para o aterro sanitário.”
Ativista pelo meio ambiente desde a adolescência, Marina começou a atuar com compostagem em 2009 quando comprou um minhocário da Morada da Floresta para compostar no apartamento.
Na época, ela já era funcionária do Senac São Paulo, onde atuou por 14 anos, sendo 10 deles na área de projetos de empreendedorismo.
“Tinha um dia específico em que eu ia trabalhar de carro e colocava baldes no porta-malas. As pessoas levavam seus saquinhos com resíduos e colocavam no meu carro. Eu não cobrava, era meu hobby em prol do meio ambiente”
O hobby passou a ganhar jeito de negócio quando Marina começou a namorar Adriano, em 2016. Na época atuando na área de eventos, ele percebeu que a ideia da compostagem tinha potencial para ganhar escala.
Em 2017, quando a filha Valentina nasceu, eles decidiram se mudar para o sítio da família e tirar do papel a ideia de ter uma vida no campo e compostar em larga escala. A mudança de fato aconteceu em 2018 e Marina continuou trabalhando no Senac até meados de 2020, quando passou a se dedicar em tempo integral à Planta Feliz.
A rescisão do contrato de trabalho, inclusive, foi importante para compor o investimento inicial de 120 mil reais, que também teve outros recursos próprios do casal.
Hoje, Adriano é o responsável pela operação dos pátios de compostagem e Marina por toda a parte de gestão do negócio.
Localizado no Polo de Ecoturismo de São Paulo, no extremo sul da capital paulista, o sítio de 42 mil metros quadrados onde a família vive e empreende carrega muito da história do bisavô de Adriano, Max Satzke, um dos fundadores do Frigorífico Santo Amaro Eder, especializado em embutidos.
Na propriedade, eram criados porcos brancos vindos da Alemanha, que tinham menos gordura e resultavam em um produto de mais qualidade. O escoamento era feito pela represa de Guarapiranga, já que não havia estradas na região.
Hoje, aquelas terras não têm mais a produção de porcos, mas sim leiras de compostagem. O projeto foi desenvolvido com a consultoria do especialista Antonio Storel, um dos responsáveis técnicos pelos cinco pátios públicos da prefeitura de São Paulo. Para compostar os resíduos, a Planta Feliz usa uma metodologia chamada Termofílica Estática.
As leiras (onde são depositados os resíduos) têm uma camada de poda triturada e galhos, sobre a qual são colocados os resíduos e cobertos com palha, como se fosse uma casinha de sapê. A partir daí, é necessário medir diariamente a temperatura — que precisa estar em torno de 65 graus para eliminar patógenos e inviabilizar sementes.
Diferentemente da compostagem doméstica, feita com minhocas, a termofílica recebe todos os tipos de resíduos, inclusive restos de comida, carne e peixe. Assim, tem o poder de desviar muito resíduo do aterro sanitário.
Depois que chega ao pátio de compostagem, o resíduo leva cerca de três meses para se transformar em adubo. Uma tonelada se transforma em 300 quilos de composto. Essa diferença acontece porque há perda de líquido, que é reaproveitado na forma de adubo líquido, o percolado.
Desde que começaram o negócio, em 2019, Marina e Adriano têm a ideia de operar a compostagem de 10 toneladas por dia. Mas ainda dependem da liberação da Cetesb. Até dezembro de 2023, eles estavam autorizados a compostar 500 quilos por dia.
Em janeiro, receberam a licença para operar 3 toneladas por dia e, em abril, a licença de instalação para terminar a construção do segundo pátio, o que vai permitir chegar às sonhadas 10 toneladas.
“Para conseguir uma licença de operação e chegar às 10 toneladas eu preciso mostrar que é possível. Então, eles liberaram para terminarmos o segundo pátio e, agora, estamos em busca de investidores. Estamos falando de algo em torno de 500 mil reais com uma projeção de retorno em no máximo um ano e meio”
Hoje, a Planta Feliz recebe uma média de 8 toneladas por mês, o que é 0,04% se olharmos para toda a cidade de São Paulo. Marina acha que ainda falta conscientização das pessoas, que muitas vezes nem separam o lixo reciclável do orgânico.
“Uma casa gera mais ou menos 10% de rejeito, que é o lixinho de banheiro, fralda, absorvente e até chiclete, que precisa ir para o aterro; 30% de reciclável seco; e 60% de orgânico, que pode ser compostado.”
No caso dos grandes geradores, também falta conscientização e, principalmente, responsabilidade social. Em São Paulo, empresas que geram mais de 200 litros de resíduo por dia precisam pagar um serviço particular de coleta. Embora já seja uma obrigação legal, Marina conta que muitos não cumprem a lei e que a fiscalização é quase inexistente.
Um dos desafios, então, é conscientizar essas empresas da responsabilidade delas sobre seu próprio resíduo. “É um valor que precisa estar dentro do negócio”, afirma Marina. “Pode até encarecer o produto mas o gerador é o responsável pela destinação correta.”
Hoje, o serviço de coleta de resíduos da Planta Feliz tem 200 assinantes, entre pessoas físicas e empresas. Os preços para a coleta residencial variam entre 50 e 150 reais por mês.
O menor valor é para quem leva o resíduo até o ponto de coleta, localizado na região de Interlagos. O maior valor é para os moradores da zona norte, que fica mais distante da empresa.
A Planta Feliz não oferece os famosos baldinhos para colocar o resíduo, mas sim um saco compostável da Oeko Bioplásticos, que se decompõe dentro da composteira em até 40 dias sem deixar microplásticos como resíduo. Esses sacos são abertos quando chegam ao pátio para que seja feita uma verificação manual do conteúdo.
“Por mais que exista uma educação ambiental, uma conversa via WhatsApp com todos os clientes, vira e mexe vem aquele lacre do leite, às vezes um plástico filme enrolado. Então, a gente olha pra ver se tem muito resíduo contaminante e tira o máximo que conseguimos”
Para as empresas, o valor do serviço é personalizado, mas gira em torno de R$ 1,40 por quilo. Escolas, cafeterias e o Sesc Interlagos são alguns destes clientes.
Embora a coleta e a compostagem sejam o coração da Planta Feliz, a empresa trabalha com mais três frentes de negócio, todas correlatas às questões ambientais.
Uma delas é a venda do adubo resultante da compostagem. Hoje, são produzidas cerca de 2,5 mil toneladas de adubo por mês e a venda acontece no site da Planta Feliz e em alguns parceiros como floriculturas, Instituto Chão e Instituto Feira Livre, em São Paulo.
A empresa também realiza a compensação ambiental para empresas utilizando a área de Mata Atlântica nativa do sítio.
“São contratos mais longos e precisamos plantar e cuidar. É uma forma da gente ampliar a Mata Atlântica preservada dentro da nossa propriedade e mostrar que é possível fazer isso dentro da cidade”
Outra frente de atuação é a produção de frutas nativas, como cambuci, grumixama e uvaia, que são colhidas, congeladas e vendidas.
Tem ainda a atuação em educação ambiental com cursos, oficinas, palestras e vivências pedagógicas de escolas e empresas como a Nestlé, que levou 40 funcionários da área de ESG para conhecer o pátio.
Hoje, a frente educacional é a principal fonte de renda do negócio e corresponde a 70% do faturamento da empresa, que foi de 188 mil reais em 2023, enquanto a compostagem corresponde a 20%. A meta, diz Marina, é inverter este cenário ainda em 2024.
“Eu quero fechar o ano com um faturamento muito maior e reverter esse quadro. Quero que a compostagem seja 70%. Não que a educação não seja importante. Mas nós nascemos para fazer compostagem e tirar resíduo orgânico da cidade de São Paulo.”
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