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Eleito um dos jovens mais inovadores da América Latina, ele usa dados e tecnologia para aprimorar o SUS e salvar vidas

Anna Oliveira / 28 nov 2022
João Abreu, cofundador da Impulso Gov e um dos maiores inovadores jovens da América Latina segundo a MIT Technology Review.
Anna Oliveira - 28 nov 2022
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Quando alguém é “picado” pelo mosquito do setor público, não tem jeito: contrai uma condição incurável. Foi esse o “diagnóstico” que um antigo chefe deu para o paulistano João Abreu, quando os dois trabalhavam na prefeitura da cidade de São Paulo. E a verdade é que ele não poderia estar mais certo na sua avaliação.

O rapaz levou uma “picada” em 2015, quando ainda cursava Economia na Universidade de São Paulo (USP) e atuava como estagiário na São Paulo Negócios, uma agência de promoção de investimentos e exportações do município de São Paulo. Depois, passou pelo programa de trainee e assumiu o cargo de assessor de diretoria, responsável pela modelagem econômico-financeira de parcerias público-privadas na prefeitura, além de outros projetos de inovação.

Desde então, João nunca mais se recuperou dessa condição contraída logo na sua primeira experiência profissional. Ainda bem porque, dois anos depois de deixar a São Paulo Negócios para fazer uma especialização fora do país, ele e a também economista Isabel Opice viriam a criar a Impulso Gov, uma organização sem fins lucrativos que apoia profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) no aprimoramento das políticas públicas de saúde por meio do uso de dados e tecnologia.

“Fui picado pelo mosquito do setor público e contraí uma condição incurável porque é muito apaixonante acordar para trabalhar com projetos que podem mudar a vida de milhões de pessoas!”

Nascido meses antes da identificação dos primeiros casos de Covid-19 na cidade chinesa de Wuhan e quase um ano antes da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia, o negócio desempenhou um papel fundamental no combate ao coronavírus por diversos lugares no Brasil — mais precisamente, seis governos estaduais. E hoje, com soluções de saúde que vão além da pandemia, a Impulso Gov consegue atuar em todas as regiões do país, atendendo 60 municípios diretamente.

O impacto da organização na melhoria do sistema de saúde pública brasileiro é tamanho que João recebeu um reconhecimento de uma instituição de renome recentemente. No dia 20 de outubro, o empreendedor de 29 anos participou de uma cerimônia de premiação em Lima, no Peru, onde foi nomeado como um dos jovens mais inovadores da América Latina pela MIT Technology Review, uma das maiores publicações do mundo sobre tecnologia.

Formulada pelo MIT em parceria com a consultoria global de inovação Opinno, a lista Innovators Under 35 LATAM de 2022 é composta por 35 talentos inovadores com menos de 35 anos e cujas soluções buscam atender problemas urgentes enfrentados pela sociedade. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, e Sergey Brin e Larry Page, cofundadores do Google, são alguns nomes que já foram destaque na lista, da qual João agora faz parte.

De volta para o Brasil, o empreendedor concedeu uma entrevista exclusiva para o Draft, compartilhando sua visão sobre o desafio do SUS, a potência do setor público como agente de mudança em larga escala, os mitos em torno do uso de tecnologia na saúde e dicas para criar um negócio que verdadeiramente gere impacto social. 

Sobre este último item, aliás, já fica um conselho: se você quer gerar impacto social, se liberte dos seus preconceitos em relação ao setor público e comece a entender melhor este outro universo.

 

Como surgiu a ideia de criar um negócio de impacto social?
O Brasil vai muito mal no que diz respeito às desigualdades socioeconômicas e, se quisermos fazer alguma coisa a respeito disso, é fundamental contar com políticas públicas. Isso porque, embora o orçamento de alguns setores do governo seja insuficiente para tudo o que é necessário fazer, ele é incomparavelmente maior do que qualquer iniciativa privada que se proponha a resolver problemas sociais. 

Especificamente no caso da saúde, a maior empresa privada não chega perto do tamanho do SUS – e não vai chegar. Então, se queremos maximizar o impacto que geramos e chegar no maior número de pessoas, sem dúvida é melhor fazer com que a vida e o trabalho desses milhares de profissionais do setor de saúde pública melhore. Assim, indiretamente, conseguiremos fazer a diferença também na vida do cidadão 

Essa percepção sobre o tamanho do impacto do setor público me levou a querer trabalhar no governo: fiquei quase dois anos na Prefeitura de São Paulo na área de parcerias público-privadas e lá, como um antigo chefe meu costumava dizer, fui picado pelo mosquito do setor público e contraí uma condição incurável porque é muito apaixonante acordar para trabalhar com projetos que podem mudar a vida de milhões de pessoas!

Essa certeza de querer trabalhar com isso me veio e decidi fazer um mestrado em Administração Pública e Desenvolvimento Internacional na Harvard Kennedy School [escola de políticas públicas e administração pública da Universidade de Harvard] para poder aprofundar os conhecimentos em políticas públicas. E lá eu conheci a Isabel, que veio a se tornar a cofundadora da Impulso. 

Ela fazia o mesmo curso que eu e, além disso, morávamos juntos, o que facilitou muito o processo de desenvolvimento da ideia do que viria a se tornar a Impulso Gov. 

De que outras formas a experiência na Prefeitura de São Paulo contribuiu para o desenvolvimento da Impulso Gov? Você chegou a se envolver em algum projeto relacionado com a área de saúde?
Uma coisa que meu trabalho na prefeitura tinha em comum com a Impulso Gov é a relação entre o setor público com o privado e o caráter de inovação. 

Por exemplo, a regulamentação dos aplicativos de transporte aqui na cidade foi feita pela equipe que eu integrava, porque tem uma participação privada muito forte e tem um papel público importante de regulamentar essa atividade

Mas sobre a saúde especificamente, eu não conhecia a área com muita profundidade. A equipe da qual eu fazia parte desenhava os projetos de parceria público-privada que às vezes era para a Secretaria de Saúde, às vezes para Educação, às vezes para Transportes etc. Esse aprofundamento em saúde veio depois, com a Impulso. 

E de onde veio o interesse pelo SUS? A Impulso Gov já nasceu com esse enfoque ou ele surgiu por conta da pandemia?
É a segunda opção. Quando criamos a Impulso, Isabel e eu tínhamos a convicção de que as áreas sociais do governo faziam pouco uso de dados, eram pouco inteligentes nesse sentido. Isso era uma carência que gerava problemas de eficiência e que chamava muito a atenção principalmente nos campos da Assistência Social, Educação e Saúde. 

Então, a princípio, nós planejamos atuar nessas três frentes. Só que, quando começamos esse trabalho, fomos percebendo um destaque maior para saúde em duas dimensões. Uma delas é que existem muitas decisões sendo tomadas no setor de saúde sem dados; e a outra é que o SUS é muito bom em coletar dados. 

Existe um problema a ser resolvido que é a falta de decisões baseadas em dados e uma oportunidade desperdiçada que são as informações colhidas e armazenadas pelo sistema público de saúde. Em resumo: tem muito dado que poderia estar sendo usado, mas não está

Ao perceber isso, começamos a discutir a possibilidade de focar só em saúde já que o SUS é o maior programa social do Brasil e tem potencial de ser muito melhor. Aí, quando nós estávamos nessa indecisão de vamos parar o resto do trabalho nas outras áreas ou não, começou a pandemia. 

Brincamos que foi um empurrãozinho — não tão pequeno assim — para essa decisão se solidificar.

Isso significa que o primeiro projeto de vocês foi com enfoque total na pandemia e no combate à Covid-19?
Sim, como não poderia deixar de ser. Durante pelo menos um ano ficamos muito focados nisso. Foi até uma vantagem sermos um negócio tão novo e com uma equipe muito enxuta porque, assim, conseguimos ter agilidade para mudar bem rápido. 

Em uma semana nós estávamos fazendo uma coisa, trabalhando com três áreas diferentes e, na semana seguinte, era foco total nos dados ligados à Covid. O que resultou no desenvolvimento do Farol Covid

Essa é uma ferramenta que ainda está no ar, embora não passe mais por manutenções. Ela mostrava diariamente a quantidade de casos de Covid em cada cidade brasileira, o número de mortes locais pelo vírus e a gravidade da situação naquele município comparando com o sistema de saúde local. 

Isso era extremamente útil para as prefeituras porque surgiu em um momento em que ninguém estava fazendo isso. E mesmo quando outros sites passaram a fazer essa coleta e organização de dados, o Farol Covid ainda tinha uma vantagem: a maioria dos mapeamentos focava em um estado, enquanto o Farol Covid mostrava dados do município. 

O Brasil é muito grande! Nós temos estados do tamanho da Alemanha, então, era muito difícil para o prefeito ou a prefeita lá na ponta saber se a piora do estado significava também a piora da sua cidade. Quando você faz uma média estadual, você perde essa informação. Por isso, nós fizemos no nível do município e disponibilizamos de forma aberta e online 

Começamos a fazer isso para um, cinco, dez municípios; eventualmente, tinha cem pedindo um radar só seu e cinco mil que não estavam pedindo, mas que provavelmente aceitariam a ferramenta se nós oferecermos. 

Imagino que a tecnologia tenha sido o meio para tornar essa solução escalável, correto?
Sim! É impossível ter uma equipe que consiga responder esse tipo de demanda nesse volume, precisamos utilizar tecnologia; e foi assim que desenvolvemos o Farol Covid. 

Estudamos quais informações e análises estavam sendo úteis para as pessoas e que parte disso era possível padronizar em um site que dê as mesmas respostas. 

Foi uma aposta. Eu tinha muitas dúvidas se nós íamos conseguir transmitir a informação, explicar para o gestor público o que estava acontecendo por meio de uma plataforma online porque o setor público é muito analógico, as pessoas interagem muito verbalmente — mas deu muito certo 

Tivemos quase 300 mil acessos no site, sendo que mais da metade deles foram de gestores públicos — por ser um site aberto, poderia ser qualquer pessoa acessando. 

Isso nos mostrou que existia uma demanda enorme e que tinha um jeito eficiente de mostrar esses dados. Mas, claro, isso depois de errar muito. 

E quais foram alguns dos erros e aprendizados?
No começo, nós utilizávamos gráficos muito doidos, com margem de erro e análises complexas. Fizemos testes com os prefeitos e secretários, que olhavam para todos aqueles gráficos e falavam: “O que é isso? Não estou entendendo nada!”

Fomos mudando para cards que indicavam se a situação havia piorado ou melhorado, e isso foi facilitando a interpretação, até que chegamos em uma versão que era de fácil uso e interpretação pelos gestores públicos.

A solução de vocês foi impactada por conta da subnotificação de casos de Covid?
Para cada estado ou município do Brasil, apresentamos cinco blocos de informações. Um deles era sobre confiança nos dados e isso é um exemplo muito legal com relação ao que você perguntou.

Um grupo de matemáticos da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu uma fórmula para estimar quão errados estavam os dados para algumas cidades do estado de São Paulo. Isso era feito a partir do número de óbitos e utilizando alguns modelos estatisticamente mais sofisticados de como a pandemia estava evoluindo

Esse grupo nos procurou e mostrou essa fórmula. A primeira vez que eles mostraram alguns relatórios, confesso que não entendi nada. Comentei que aquilo nunca seria usado pelas prefeituras. Precisávamos traduzir o conhecimento, fazer com que ele fosse inteligível. 

Assim, fomos conversando até chegar a um formato extremamente simples, que, por exemplo, mostra que a cada dez pessoas infectadas, sete vão ser diagnosticadas. 

Com isso, não só conseguimos traduzir o conhecimento para os gestores públicos, mas mostrar o tamanho do problema da subnotificação e da falta de confiança nos dados. 

Eu gosto desse caso porque mostra o papel que nós assumimos: ser a ponte entre a ciência de ponta e o governo. Porque as duas coisas, em geral, estão há oceanos de distância

São linguagens muito diferentes, às vezes você não consegue nem ter uma reunião direito. E nós conseguimos entender bem os dois lados, transformamos um negócio bem complexo em algo simples de entender.

O SUS é muito rico em dados, mas pobre em informação. O que nós queremos é transformar esses dados em informações que os gestores conseguem de fato usar. 

A ferramenta da Impulso Gov acaba cumprindo também um papel de combate à desinformação, certo?
Eu vejo que a onda de desinformação aumentou a utilidade do que estamos fazendo porque, por ser uma organização sem fins lucrativos e que não tem vinculação partidária, nós somos vistos como técnicos e isentos em um momento em que não se sabe em quem acreditar.

Escutamos diversas vezes relatos de prefeitos dizendo que o governador do estado disse que estava tudo bem, mas que tinham consultado o site da Impulso Gov e perceberam que o município deles não estava tão bem assim — e que, por isso, estavam indo atrás de mais leitos 

Era recompensador ver que, neste mar de caos informacional, estávamos sendo vistos como neutros e confiáveis. 

Além desse primeiro projeto que nasceu na pandemia, quais outras soluções foram desenvolvidas nos quase quatro anos de existência da organização?
Não usamos mais essa ferramenta do Farol Covid. Hoje, temos uma focada na atenção primária que já tem abrangência nacional, é a Impulso Previne. Ela inclui todas as unidades federativas do Brasil. Se você for na aba “resultados do município”, consegue selecionar qualquer município do país. 

Conseguimos mostrar como está a cidade em sete indicadores de atenção primária; por exemplo, como está a cobertura da poliomielite. Um indicador que costuma chamar a atenção por ter índices ruim é o de hipertensão. 

E tem alguns municípios parceiros nossos para os quais conseguimos entregar um nível a mais de detalhes — só que, para isso, precisamos dos dados deles. Assim, conseguimos indicar, por exemplo, quais crianças ainda precisam ser vacinadas contra a pólio e seus respectivos endereços 

Tudo o que o gestor público precisa fazer é pegar o núcleo de saúde da família, ir lá e falar com a família para resolver essa situação. Isso ajuda muito a vida do município! 

Esses dados já são coletados, eles já existem. Só que eles estão armazenados de uma forma que o município não consegue usar de um jeito inteligente e direcionado. 

O município sabe quantas pessoas nasceram em determinado ano, quem são elas, a idade do indivíduo, e sabe quem foi vacinado ou não. A partir do cruzamento de algumas informações, você consegue descobrir quem precisa receber a vacina, quem são os hipertensos… 

Mas isso é difícil para o município tanto do ponto de vista analítico quanto do de tecnologia, de entrar no sistema e fazer essa comparação entre bases de dados e tudo mais. E é isso que nós fazemos!

Existe um potencial de fazer análise preditiva na saúde pública, então?
Eu adoro essa pergunta porque é muito legal ver o que é possível fazer com esses dados. Hoje em dia, a análise preditiva não está no pipeline de curto prazo porque existem coisas extremamente simples que não estão sendo feitas no setor público e tem um impacto gigantesco na saúde. 

Por exemplo, é um absurdo que não se conheça os hipertensos de um município. São eles que, daqui alguns anos, podem ter complicações cardíacas bem sérias e podem acabar parando na porta do hospital, quando pode ser tarde para salvar a vida dessas pessoas.

Então, para nós é muito mais importante focar no que precisa ser feito agora. Você não pode falar de outras coisas mais sofisticadas antes de estar fazendo o feijão com arroz bem feito 

Uma vez que estivermos muito melhor no básico, dá pra fazer análises preditivas. Baseado onde a pessoa mora, sua renda e outras informações de saúde que estão no seu prontuário do SUS, consigo estimar com alguma confiança a chance dessa pessoa ter, por exemplo, alguma complicação cardíaca nos próximos cinco anos. Dá para saber se ela tem mais chance do que outra pessoa, o que, por sua vez, ajuda a direcionar o trabalho do SUS. 

O mais difícil já foi feito quando criou-se o SUS lá atrás, quando foram contratadas essas pessoas e criadas as unidades de saúde. Agora, temos só que fazer o finalzinho ali que é falar para essas pessoas que existe um jeito mais eficiente de trabalhar e de usar os dados indo atrás de quem mais precisa de assistência nesse exato momento. 

Essa ideia de fazer bem o feijão com arroz também se aplica ao uso de tecnologia para ajudar a saúde pública? A Impulso Gov opta por utilizar recursos mais básicos em vez de apostar, por exemplo, em machine learning?
Dessas buzzwords mais comuns, a mais próxima do que fazemos hoje é Big Data porque o volume de dados é muito grande. Estamos falando de todas as pessoas que usam o SUS em determinada cidade. E são várias cidades — hoje, temos uma dezena de cidades que nos passam os dados individuais, então, é muita coisa.

Sinceramente, hoje nós não dedicamos muito esforço para usar recursos mais sofisticados pelo motivo que falei: vamos fazer primeiro o arroz e feijão. Isso, por si só, já vai ter um impacto enorme na saúde pública.

O que está faltando na gestão de saúde no nível municipal não é usar mais inteligência artificial, não é usar blockchain, o que está faltando é bem anterior a isso: é simplesmente identificar, fazer lista nominal e ir atrás de quem mais precisa na hora que mais precisa. Existem muitas possibilidades ainda não exploradas e que nós mesmos não estamos atendendo. 

A tecnologia avançou muito e muito mais rápido do que a saúde pública. Então, não precisamos ir para a fronteira da tecnologia, precisamos ir para o que era fronteira da tecnologia há 10 ou 20 anos. 

Fazer inovação social não se trata de usar tecnologia de ponta que foram inventadas no ano passado. Inovação social para mim é usar tecnologias, algumas já estão aí há algum tempinho, que são eficientes para resolver os problemas sociais mais gritantes 

Temos tecnologias que foram usadas para os nossos smartphones funcionarem melhor, o que é ótimo, eu gosto do meu smartphone. Mas por que não usar isso também para que o governo funcione melhor, para que as pessoas tenham um atendimento melhor?

Acho que inovação para impacto social é justamente pegar as tecnologias que mudaram o setor privado — e mudaram muitas vezes as nossas vidas — e fazer com que as pessoas que mais precisam que os serviços públicos funcionem tenham acesso a serviços com maior nível de sofisticação. 

É levar ideias que já foram concebidas para outros contextos, levar para lugares onde elas ainda não foram usadas. E isso é exatamente o que a Impulso Gov tenta fazer. 

E é por isso que sempre falo que não usamos blockchain, não usamos inteligência artificial, porque o que nós fazemos é bem mais simples do que isso. Só que o impacto e o potencial são, na verdade, muito maiores do que várias outras tecnologias que temos por aí. 

Uma vez percorrida toda essa jornada na área de saúde, vocês pensam em retomar a ideia original de atuar também com Assistência Social e Educação?
Do ponto de vista do empreendimento, não temos nenhuma previsão de quando iremos trabalhar com Assistência Social e Educação porque Saúde é um mundo. Nós já fizemos um recorte dentro da saúde que é a atenção primária e uma ferramenta voltada para a saúde mental. Tem várias outras coisas que são importantes, mas com as quais ainda não trabalhamos; por conta disso, não temos previsão nem expectativa de estar em outras áreas.

Porém, nós trocamos muito com outras organizações com e sem fins lucrativos em outros campos de atuação. Já escutamos de pessoas que trabalham com educação que se inspiraram em uma das nossas soluções para utilizar dados do ensino do Brasil para criar indicadores parecidos. 

Existem, de fato, muitos pontos de similaridade entre a área em que atuamos e a de outros negócios, mas enxergamos a nossa atuação de forma mais indireta, muito mais como um exemplo, como uma demonstração do que dá pra fazer com dados organizados, do que botando a mão na massa em outro setor. 

Com base na sua experiência, quais dicas você daria para outros negócios que queiram enveredar por esse caminho de impacto social?
Eu ouço direto empreendedores que dizem que criaram uma organização para ter impacto social, só que passaram a fazer algumas outras coisas diferentes disso e agora não atuam com nada que tenha a ver com impacto social. 

Em saúde, o discurso costuma ser: nós nascemos porque queríamos melhorar determinado aspecto no SUS, mas agora só trabalhamos com plano de saúde e hospital privado… 

Toda semana alguém vem falar comigo sobre isso. Então, ouvindo essas histórias e percebendo que esse é um risco muito comum, acho que o meu conselho é ter muita firmeza com relação ao que você quer fazer, qual é o propósito da sua organização e qual é o plano de como isso vai dar certo, inclusive financeiramente. Se não, o que vai começar a acontecer é que você vai fazer [apenas] aquilo pelo que é pago para fazer, aquilo que oferece mais dinheiro. 

Se você não tiver muita clareza do propósito do seu negócio e um modelo que funcione, é natural que a organização desvie a rota, porque você precisa pagar as contas, precisa manter uma equipe e pode ser atrativo apostar em um negócio que gera recursos mais fácil e rapidamente

Algo que ajudou muito a Impulso é que tanto a Isabel quanto eu — e outras pessoas da organização — trabalhamos no governo antes. Então, nós sabíamos exatamente onde estávamos nos metendo, sabíamos como o governo pensava, as dificuldades que o setor público enfrenta, enfim, estávamos ciente de quem era o nosso cliente. E isso facilitou muito!

Nós fomos do governo para a saúde e o que a maioria faz é trabalhar com saúde — ou outro setor — e tentar trabalhar com o governo, que é o caminho inverso ao nosso. Isso é muito difícil, porque você não conhece o setor público, tem mil preconceitos, não entende direito como funciona. 

Além disso, no caso de quem quer trabalhar com saúde, existem vários hospitais, um monte de [empresas de] seguros propondo que você adapte sua solução para o negócio deles. 

Nós vivemos isso mesmo tendo “gov” no nome da nossa organização! Somos abordados por empresas, farmacêuticas, planos de saúde que gostariam de desenvolver um projeto conosco e que, inclusive, pagariam muito bem por isso. E nós falamos que não queremos. 

Existem vários jeitos de ganhar dinheiro e isso não é o que estamos maximizando aqui na Impulso Gov. A pergunta que nós estamos tentando responder não é qual é o modelo mais rentável possível trabalhando com saúde, e sim qual é o modelo com o maior impacto possível na saúde pública

Se isso não for muito claro, não tem como dar certo. Todo dia, você vai ter que escolher entre essas duas coisas. E essa clareza é muito importante.

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