Em março de 2020, a empreendedora gaúcha Clarissa Millford estava em uma situação complicada.
Sócia de uma produtora audiovisual que atuava em filmes e séries para streaming, ela se viu — com a chegada da Covid-19 ao Brasil — quebrando contratos com mais de 80 pessoas, vagando salas comerciais e com uma dívida de 79 mil reais.
Três anos depois, Clarissa, 32, hoje comanda um negócio com 15 funcionários, que já atendeu quase 18 mil pessoas e faturou 10 milhões de reais em 2022: a Academia de TikTokers, especializada em ensinar pessoas a criarem conteúdo em vídeos curtos para as redes sociais.
Até 2020, nada na trajetória de Clarissa a fazia imaginar que um dia trabalharia com redes sociais:
“Havia muito preconceito com o TikTok. Eu falava para os meus amigos e família e eles comentavam que era ‘coisa para criança’, ‘para fazer dancinha’… E de certa forma tinha um preconceito meu também”
A ideia surgiu despretensiosamente. Em meio à crise e sem saber direito o que fazer, ela resolveu experimentar o TikTok, rede social que começava a se popularizar no Brasil. “Eu estava desesperadamente em busca de um novo modelo de negócios”, confessa.
Clarissa começou a publicar no TikTok vídeos com dicas de como estruturar roteiros, gravar, preparar luz, posicionar câmera, falar e editar — conhecimentos adquiridos durante o curso de produção audiovisual na PUC-RS e ao longo da carreira de empreendedora. “Até então eu mal abria o Instagram, não tinha praticamente nada de redes sociais.”
Apesar da inexperiência, em pouco tempo os vídeos começaram a bombar, alcançando 150 mil, 200 mil visualizações cada. Clarissa então percebeu que havia demanda por esse tipo de conteúdo. Faltava entender como transformar a oportunidade em negócio.
Natural de Bagé, no interior do Rio Grande do Sul, Clarissa se mudou para Porto Alegre para estudar administração com ênfase em comércio internacional.
Já no primeiro ano, em 2006, começou a estagiar em uma grande produtora de alimentos frigoríficos na capital gaúcha.
“Eu gostava dessa parte de relacionamento, me comunicar com as pessoas, mas não do comércio em si. Na época, a gente comercializava frango e carne, mas eu não era apaixonada por aquilo”
O estágio abriu portas para que, em 2008, Clarissa fosse morar por um ano em Londres com o objetivo de aprender inglês voltado para negócios. Durante a estadia na capital britânica, conheceu pessoas que trabalhavam para canais de televisão.
“Participei de algumas inserções, nunca tinha tido uma experiência de bastidores de TV. Achei interessante e voltei buscando alguma faculdade que tivesse proximidade com isso”, explica.
Em 2019, ela trancou o curso de administração para cursar cinema, já de olho na produção.
“Existem três funções clássicas no cinema: diretora, roteirista ou fotógrafa. Eu não me encaixava em nenhuma delas. Me via mais na função de produção executiva, que ninguém quer, ninguém gosta, não tem glamour, mas é fundamental para que tudo aconteça”
Ao longo do curso, percebeu que para trabalhar de maneira mais estratégica nos projetos, precisaria da administração.
Clarissa retomou o curso e, depois de se formar nas duas graduações, fundou, em 2011, a Remo Assessoria, dedicada a impulsionar a viabilização de projetos audiovisuais.
A Remo Assessoria prosperou entre 2011 e 2020. Sediada no Rio Grande do Sul, conquistou clientes nos disputados mercados do Rio de Janeiro e São Paulo, e depois expandiu para outros estados, empregando freelancers locais em cada projeto.
O crescimento das plataformas de streaming no período ajudou a alavancar o negócio. Até que, no começo de 2020, quando Clarissa comandava uma pré-produção, a pandemia chegou ao Brasil. “O negócio foi muito impactado, a gente não conseguia gravar de maneira nenhuma por causa das limitações de gente e espaço”, afirma.
Sem trabalho e endividada, ela se dedicou ao TikTok. “Quando comecei, o TikTok estava bem dividido entre a linha de entretenimento e uma linha bem focada em educação. Fui muito para esse caminho da educação.”
A aposta logo se mostrou um acerto:
“Para minha surpresa, os vídeos começaram a ir bem. Tinha uma visualização muito grande, uma busca enorme de pessoas me procurando. E casou muito o timing daquele momento, em que as pessoas precisavam das redes sociais para se comunicar umas com as outras”
Empolgada com o resultado, Clarissa decidiu buscar pessoas que pudessem trazer ideias de como tornar aquilo um negócio. “Encontrei oito pessoas, mandei mensagem para elas. Eram perfis bem aleatórios.”
Uma dessas pessoas era o infoprodutor Diego Davoli (que hoje tem 33). Natural de São José dos Campos (SP), ele já atuava com marketing para produtos digitais – uma expertise que faltava a Clarissa.
“Até ali eu já tinha vivido o suficiente para saber que a gente precisa de pessoas para crescer. Eu tinha total noção de que tinha uma parte do conhecimento daquela ferramenta, que era o formato. Mas havia todo um outro conhecimento de marketing e redes sociais que eu não tinha”
Alinhados, os dois começaram a colocar o plano em prática: criar um curso como MVP para testar a receptividade do público. Em uma semana, criaram as primeiras aulas do curso – vídeos de 5 a 8 minutos, ministrado por ambos e divididos em meia dúzia de módulos que somavam duas horas de aprendizado.
“Naquele momento, colocamos o nome de Academia Tiktokers pensando que depois a gente poderia pensar em outro nome”, diz Clarissa. “Nunca mais mudamos.”
Naquela primeira etapa, Clarissa e Diego alcançaram 180 alunos. Isso deu fôlego e dinheiro para desenvolver um produto consolidado.
Refinaram também o entendimento sobre o seu público ideal: empreendedores e profissionais liberais que poderiam utilizar o TikTok como instrumento para impulsionar os negócios.
Ao final de 2020, já tinham o produto finalizado, que começou a ser vendido no começo do ano seguinte por 497 reais. Clarissa afirma:
“Hoje, na Academia, a maior preocupação é como agregar no negócio dos nossos alunos através da produção de vídeos. E isso é muito claro na nossa missão, nas nossas aulas: não adianta a pessoa fazer um vídeo muito legal, mas não dar resultado nenhum. Isso para gente não é um sucesso”
Parte do sucesso da Academia de TikTokers veio justamente do entendimento do público a ser conquistado. E os próprios conteúdos produzidos por Clarissa e Diego faziam essa filtragem.
Naquele momento, eles não eram influencers, mas empreendedores; não tinham autoridade para conversar. com jovens e adolescentes interessados em viralizar com dancinhas.
“A gente sabia que queria falar com tomador de decisão, com quem via aquilo como ferramenta do negócio. E a gente aplicava muito do nosso próprio método, trazia 100% do tráfego orgânico”
O negócio começou a escalar na metade de 2021, depois que testaram vários modelos de negócios. Concluíram que a melhor solução era adotar o método de venda perpétua: na linguagem do marketing digital, é o modelo que preconiza que o produto estará sempre disponível para compra.
“A partir do segundo semestre, passamos de uma média de 10 a 15 novos alunos por dia, para 90”, revela Clarissa, que em 2021 conseguiu quitar a dívida de 79 mil reais adquirida na pandemia.
CLARISSA DIZ QUE O FEEDBACK DE UMA CLIENTE FELIZ AJUDOU A TRANSFORMAR SEU MODO DE VER SUA PRÓPRIA TRAJETÓRIA
Atualmente, a Academia de TikTokers tem 15 funcionários próprios e sete fornecedores externos, que operam toda a estrutura de atendimento, comercial, marketing e redes sociais.
Entre as metas para o futuro estão aumentar a eficiência no atendimento, buscando outras formas de ajudar os alunos, como imersões presenciais e formação de comunidade; lançar produtos focados em outros métodos e plataformas; e internacionalizar — começando pela América Latina.
“Hoje temos 382 alunos que se consideram casos absolutos de sucesso. Que realmente sentiram uma transformação absurda no negócio, vida, que realmente têm uma transformação visível e registrada. A ambição, até o fim deste ano, é ter 500 alunos desse tipo”
A própria Clarissa se diz transformada. A produtora de cinema e administradora lembra que, no início de 2020, ainda na fase do MVP, tinha dúvidas se aquele era o caminho certo. “Eu pensava que tinha uma produtora, fazia conteúdos para streaming, e acabei produzindo vídeos para o TikTok”.
Segundo Clarissa, a virada de chave veio com o feedback de uma aluna. A cliente fazia banho e tosa de pets na própria casa, e comprou o curso por 30 reais parcelados; depois de aplicar o aprendizado em seus próprios vídeos, ela teria ligado para Clarissa e Diego para mostrar a eles a fila de pessoas esperando o serviço de tosa.
“Depois disso, nunca mais pensei que o que eu fazia antes era mais interessante”, afirma Clarissa. “Agora, sou realmente apaixonada pelo que faço — e por ajudar os alunos a transformarem os seus negócios”.
Izadora Barros aprendeu a conectar pessoas em torno de uma marca ao criar o fã-clube do RBD no Orkut. Hoje, à frente da Commu, ela fatura ajudando empresas (como a Unilever) e influenciadores a gerenciar suas comunidades.
Já virou clichê dizer que a nossa atenção e os nossos dados valem ouro. Agora, a SoulPrime, uma rede social brasileira baseada em blockchain, se propõe a pôr os usuários no controle de seus feeds – e pagar por isso. Entenda como funciona.
Dar um match num aplicativo de namoro virou uma decisão política. Conheça a Similar Souls, startup brasileira por trás do Lefty, que acaba de expandir para os EUA (e saiba por que paquerar pelo “Tinder de esquerda” ainda é um desafio).