No momento em que me formei em jornalismo, com meus 21 anos, tive que lidar com algo difícil de aceitar: eu não estava feliz com minhas escolhas até ali.
Ainda assim, tentei acreditar que talvez o problema com minha profissão fosse as empresas em que eu trabalhava. Mas, com o tempo, percebi que independente de onde estivesse ou o quanto eu ganhasse, era sempre muito difícil me levantar da cama para passar oito horas (às vezes, até mais) fazendo o que eu aprendi a fazer — e fazia bem –, mas não gostava.
E se uma coisa eu aprendi em todo esse processo é que a gente sabe, no fundo sabe, o melhor caminho para seguirmos
O problema é que temos uma parte mais racional, uma pressão da sociedade e responsabilidades que nos fazem questionar nossas escolhas:
“Passei quatro anos em uma faculdade e dei gastos para os meus pais, que se esforçaram tanto para me manter nos estudos, para desistir? Joguei quatro anos da minha vida fora? No momento em que tenho que buscar minha autonomia financeira, como é que vou recomeçar tudo do zero?”
Mas eu recomecei. E para isso, resgatei em mim minhas paixões da infância, me reconectei com minha história e meus valores, me arrisquei e me dei uma nova chance.
E aprendi que nada nessa vida é tempo perdido.
Vim do interior de Goiás e lá, em nossa casa simples, decorava meu quarto com o que tinha acesso: papéis, cola, tinta guache, tudo o que encontrava em papelarias e que não custava muito.
Para a minha sorte, minha mãe sempre me incentivou neste processo. Em vez de brigar pelas portas pintadas, ela me elogiava. E esse estímulo foi essencial para que eu me tornasse a mulher e profissional que sou hoje.
Voltando um pouco no tempo, logo depois de me formar em jornalismo, fui morar em um apartamento muito antigo, que era o que eu conseguia pagar.
Como sobrava pouco dinheiro para decorar, me lembrei de quando eu me virava com o que tinha na minha infância e comecei a fazer o mesmo nessa nova casa, tentando deixá-la mais com minha personalidade
Neste momento, também percebi que ter um lar para onde voltar no final de um dia difícil, um local onde me se sentisse acolhida, bem e me identificasse, era essencial para deixar os meus dias melhores — ainda mais depois de passar tantas horas trabalhando com algo que não me fazia feliz.
E na minha busca por inspirações em transformar aquela casa em um lar, vi que não me identificava com muitos conteúdos que encontrava na internet…
O ano era 2012 e, nesta época, o movimento Do It Yourself era mais forte em países como os Estados Unidos ou mesmo nos europeus. Mas eu queria algo mais próximo da minha realidade.
Queria ter coisas bonitas em casa, porém acessíveis. E foi neste momento que criei o blog Mania de Decoração, para registrar minhas descobertas e acertos.
Na época, eu postava para os meus amigos verem minhas invenções e pensava que, se elas ajudassem mais alguém além de mim, também ficaria muito feliz
E eu ainda relutei, sabe? Apesar de amar decoração e fazer as coisas com minhas próprias mãos, ainda não queria abrir mão dos anos de jornalismo.
Como continuava em uma luta interna muito grande, fiz uma orientação vocacional e o psicólogo que me atendeu me disse o que eu já sabia: que meu caminho era a criatividade.
Foi no meio de crises de ansiedade, ganhando pouco e querendo uma casa mais acolhedora, que decidi parar de relutar e fui fazer uma nova faculdade: design de interiores
Na minha cabeça, esse curso era o mais próximo que eu conseguiria da arquitetura, já que era meio período e eu poderia, assim, continuar trabalhando como jornalista e pagar as contas.
Foram quatro anos difíceis — como todo mundo que estuda e trabalha sabe –, mas valiosos. Comecei a faculdade com 25 anos e, como estava mais madura, me esforcei e aproveitei todas as oportunidades que podia.
Tanto que ganhei da universidade uma bolsa de estudos em Portugal, onde passei seis meses estudando e estagiando em design.
Lá em Portugal, percebi que as pessoas colocavam nas caçambas, de forma organizada, roupas, móveis e objetos usados (mas em bom estado) e que não estavam sendo realmente descartados, apenas deixados ali para quem quisesse ou precisasse.
Isso também me fez lembrar de uma história que minha mãe me contou sobre o descarte de coisas que podem ser mais valiosas do que imaginamos.
Uma vez, ela fez um presente para uma amiga com cartões antigos que eram relíquias da minha avó. Essa amiga então foi se mudar de casa e minha mãe, ao visitá-la no período da mudança, viu no lixo o presente que ela havia feito…
Na hora, ela ficou tão triste que teve vergonha de pegar o presente de volta. Mas, até hoje, ela se arrepende de não ter feito isso.
Quando voltei para o Brasil, algo já tinha mudado em mim. Como eu continuava trabalhando e estudando, atualizava esporadicamente o blog do Mania de Decoração, mas decidi entrar na onda e começar a produzir conteúdo também para as redes sociais, em especial o Instagram.
E foi aí que, além de produzir ideias com objetos acessíveis, comecei a olhar as caçambas da rua de outra forma
Mesmo que no Brasil as coisas normalmente descartadas já estejam em um estado ruim, achei que valeria a pena tentar “resgatá-las” (como minha mãe um dia quis) e usar a criatividade a meu favor.
Em 2019, me formei em design de interiores e, pouco antes da pandemia, decidi largar de vez o jornalismo e me dedicar ao Mania de Decoração.
Neste processo, contei com a ajuda do meu marido que, por muitas vezes, me lembrava do meu objetivo e acreditava no meu potencial.
Então, enquanto ele bancava as contas de casa, eu praticava e aprendia a mexer com ferramentas e desenvolvia meus projetos até as parcerias começarem a surgir e o Mania se tornar rentável.
E foi com todo esse processo, todas essas experiências de vida, que o Mania de Decoração criou a forma que tem hoje: não considero ele apenas um blog ou uma página em uma rede social, mas sim uma comunidade onde pessoas, assim como eu, buscam inspirações criativas, originais e realmente acessíveis para decorar suas casas.
Neste espaço, também busco incentivar a sustentabilidade e mudar um pouco a visão dos brasileiros sobre o que é descartado.
Mostro como o reaproveitamento de algo que iria (ou mesmo já foi) para o lixo é algo incrível e que não devemos ter vergonha de fazer isso
O lema do Mania é “inspirar pessoas comuns a fazerem coisas incríveis”, porque é um espaço para mostrar que com criatividade a gente consegue ir além.
Que ter uma casa bonita e com personalidade não é benefício para poucos e pode, sim, ser de muitos — sempre se adaptando à realidade de cada pessoa.
Gosto de dizer que ter virado criadora de conteúdo de DIY é meu processo de cura: hoje trabalho com algo que me dá um propósito de levantar da cama.
E se tem uma coisa que eu falaria para a Ráisa de 21 anos, recém-formada em jornalismo e que se sentia sem perspectiva na vida (mesmo tão nova), é que ela um dia será grata a todos os conhecimentos que a primeira faculdade a proporcionou
E que todos os desafios que passamos na vida não acontecem por acaso: eles nos moldam para sermos exatamente o que devemos ser e chegarmos aonde deveríamos chegar.
Hoje, almejo que o Mania de Decoração ajude sempre mais pessoas, incentive o movimento DIY no Brasil e dê coragem para quem quer mudar sua realidade dentro de casa, transformando-a em um lar.
E sei que estou no caminho certo quando recebo várias mensagens de seguidoras me contando que tiveram atitude, colocaram a mão na massa e conseguiram mudar um espaço, se identificando mais com seus lares e ficando felizes por isso
E tem uma história do começo de tudo isso que eu nunca vou me esquecer — e que queria deixar por último neste texto como um recado para você que está lendo.
Há 11 anos, me lembro que contei para os meus colegas de trabalho sobre o blog que eu havia criado e um deles me disse que provavelmente o site não duraria nem três meses.
Eu nunca me esqueci dessa cena e me orgulho quando me lembro que hoje o Mania de Decoração não só passou dos três meses como já tem mais de dez anos de existência e 2,5 milhões de seguidores em suas redes sociais!
Apenas para te lembrar: sempre existirão pessoas que vão duvidar do seu potencial. Mas você é quem nunca deve duvidar dele.
Ráisa Guerra, 34, é jornalista formada pela UEL e designer de interiores pela UFG. Criadora do canal Mania de Decoração, que possui mais de 2.5 milhões de seguidores em suas redes (TikTok, Pinterest, Instagram e YouTube), produz conteúdos focados no estilo “Do it Yourself/faça você mesmo”, com vídeos-tutoriais ensinando a como transformar a casa com criatividade.
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