A lógica das relações de trabalho no mundo corporativo é simples: produtividade.
O contratante paga um valor adequado por uma quantidade de horas e recebe em troca dedicação profissional às suas demandas dentro de um espectro de responsabilidades previamente combinado.
Quanto mais a pessoa “entregar” por aquele valor, mais produtiva ela é. Na realidade, sabemos, esse acordo pode apresentar uma elasticidade velada…
Um dos lados mantém o pagamento combinado, mas muitas vezes passa a exigir que o outro se dedique cada vez mais. Com desculpas variadas, como “vestir a camisa” e “ter espírito de dono”, por exemplo, empresas se acostumaram a pedir que funcionários “entreguem” cada vez mais para preservarem seus postos.
Em parte, isso contribuiu para o fortalecimento da cultura workaholic, em que é necessário, bonito, desejável e admirável que o trabalho seja a prioridade na vida das pessoas.
Não é preciso dizer que a devoção à “divindade” Trabalho nos deixou doentes. Nesse sentido, a pandemia parece ter contribuído para que as relações corporativas fossem ressignificadas, ajudando a colocar as pessoas no centro da discussão — e não mais a produtividade
Há muitas empresas que cuidam de suas pessoas, mas sabemos que o foco na produtividade pode deformar essa precedência em algumas companhias.
Como funcionário, muitas vezes excedi as oito horas diárias de trabalho. Atendi ligações no final de semana e em feriados. Almocei na frente do computador e marquei médico para minhas filhas nos intervalos de reuniões.
Assim como eu, aposto que você também já passou por isso. E também deve ter sentido que equilibrar vida pessoal e profissional é algo extenuante e que compromete a bendita produtividade em ambas as áreas. E, vira e mexe, a vida nos lembra que trabalho é só trabalho e nada pode ser mais importante do que nossa saúde e a nossa família, certo?
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Foi a partir desse entendimento e da observação do declínio da produtividade de uma equipe que decidi implantar a semana de quatro dias de trabalho na minha empresa. Eu já vinha acompanhando o fenômeno internacionalmente e resolvi fazer um projeto piloto na Vockan, começando com dez pessoas da área de Suporte.
Fora do Brasil, alguns países chegam a dar incentivos para que as empresas adotem o modelo e há instituições estudando os impactos dessa mudança.
Por aqui, a premissa era: o grupo trabalharia três dias de forma remota, um dia no escritório e folgaria na segunda ou na sexta-feira dentro de uma escala predefinida, criando um final de semana estendido para todos. Isso sem compensação de horas, perdas no salário ou corte de benefícios
Confesso que quando apresentei o projeto para os diretores, houve resistência por parte dos gestores. Afinal, como manteríamos a produtividade, a excelência no atendimento aos clientes, o volume de trabalho e a rapidez se trabalhássemos menos horas, com a mesma quantidade de demandas, sem contratar mais pessoas e em um sistema híbrido?
Eu tinha certeza que daria certo. Planejamos, estruturamos e desenhamos um modelo que me deixava confiante.
A implantação aconteceu em novembro de 2022 e a resposta para todas as dúvidas veio da prática.
Além do incremento de 23% na produtividade, aferimos que aumentaram a sensação de felicidade e a percepção de qualidade de vida dos colaboradores — que saiu de 57% para 86%, de acordo com uma pesquisa interna
Agora, as pessoas podem reservar um dia útil inteiro para cuidados com a saúde, estética, viagens, estudos, entretenimento e, principalmente, descanso.
Preciso dizer que uma das minhas alegrias é ouvir o relato espontâneo daqueles que já estão trabalhando nesse modelo. Até agora, não houve quem não gostasse de vivenciar uma semana de trabalho mais curta.
Além da satisfação óbvia de terem mais tempo para aquilo que lhes dá prazer, os colaboradores compartilham a sensação de se sentirem vistos, reconhecidos e de fazerem parte de um sistema baseado em confiança e transparência
Nestes sete meses desde a implantação, não tivemos nenhum pedido de demissão e as pesquisas internas mostram que as pessoas não têm intenção de sair da Vockan tão cedo.
É claro que a semana de quatro dias faz parte de todo um conjunto de práticas de gestão democrática que contribuem para essa intencionalidade, mas diante do aumento da sensação de felicidade e da percepção da qualidade de vida, podemos dizer que ela é parte central dessa decisão.
Um dos resultados mais interessantes da iniciativa foi o senso de equipe que emergiu naturalmente. Aumentaram a corresponsabilização e a autonomia, na mesma medida em que a empatia pelos colegas
Quanto mais avanço na gestão, mais percebo que é preciso confiar nas pessoas.
Como gestor, eu não quero que o trabalho seja a vida das pessoas. Quero que seja uma parte importante, em que elas se sintam realizadas, capazes e felizes (por que não?), mas não sugadas e limitadas a um cargo ou uma função.
Pessoas descansadas trabalham mais e melhor. Elas não são confundidas pela exaustão, focam com mais facilidade em uma tarefa e são mais assertivas.
O sucesso foi tanto que o projeto está sendo expandido para as demais áreas. Até o final do ano, a ideia é que todos os 100 funcionários da empresa adotem o sistema.
Nos filiamos a uma organização internacional que estuda e promove metodologias para troca de práticas em relação à semana de quatro dias, a 4 Day Week Global
A instituição, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, vai conduzir uma série de testes com empresas brasileiras neste segundo semestre.
Comece pequeno: escolha um time relevante e que tenha representatividade, porém pequeno. Fica mais simples de mensurar os dados e fazer os ajustes necessários;
Planeje: entenda como a operação acontece, estude as rotinas, as entregas, as demandas e planeje um modelo que faça sentido para aquela equipe. Provavelmente, áreas distintas precisarão de estratégias distintas para que o projeto dê certo;
Alinhe com as lideranças: não adianta implantar um projeto como esse e os gestores não embarcarem na ideia. A liderança precisa entender a premissa estabelecida e ajustar as expectativas. Também é importante que eles vivam o modelo; assim, vão experimentar os benefícios e os desafios e serão capazes de empatizar com mais facilidade com a equipe;
Comunique: este é um ponto que vale para quase tudo, mas nunca é demais reforçar que é preciso ser claro sobre como as coisas vão acontecer e o que se espera de cada um.
Quando conto a nossa experiência com a semana de quatro dias de trabalho, alguns desacreditam, outros querem nos mandar currículos.
É claro que há desafios e que são necessárias adaptações, reflexões e mudanças no modelo previamente desenhado. Esse é o movimento natural que envolve qualquer inovação
É comum achar que disrupções estão necessariamente ligadas à tecnologia. Podem estar. Mas talvez a maior inovação dos nossos tempos seja pensar — e confiar — legitimamente nas pessoas.
Fabrício Oliveira é CEO da Vockan, distribuidora autorizada QAD no Brasil, que oferece a implementação deste software, além de serviços específicos para sua indústria.
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