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“Precisamos de toda diversidade possível na ciência para um futuro sustentável”, diz Defensora-Chefe da Ciência da 3M

Cláudia de Castro Lima / 10 fev 2022
Jayshree Seth é Cientista Corporativa e Defensora-Chefe da Ciência na 3M
Cláudia de Castro Lima - 10 fev 2022
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Nascida na Índia, Jayshree Seth vive hoje nos Estados Unidos com seu marido e dois filhos, um rapaz de 23 anos e uma jovem de 19. Simpática e comunicativa, Jayshree parece… uma cientista.

Como, aliás, qualquer pessoa que queira pode parecer, independentemente de gênero, raça, etnia e orientação sexual. E é provar isso uma das lutas diárias de Jayshree, uma engenheira química com PhD na área que trabalha há 28 anos na 3M.

Detentora de 72 patentes (você leu certo), Jayshree ocupa dois cargos hoje na empresa. Como Cientista Corporativa ela trabalha com outros engenheiros e cientistas para criar fitas e adesivos de uso industrial mais resistentes, versáteis e sustentáveis.

Já como Defensora-Chefe da Ciência, cargo criado e oferecido a ela em 2018, sua missão é ajudar pessoas, sejam elas como forem, a apreciarem, valorizarem – e, por que não? – seguirem o caminho da ciência.

Jayshree bateu um papo inspirador conosco no qual falou sobre seus desafios, missões, interesses e crenças. Abaixo você pode conferir a entrevista na íntegra.

Em 2018, a 3M criou o cargo de Defensora-Chefe da Ciência, o que não é muito comum (ao menos aqui no Brasil). Como foi esse movimento e por que a companhia fez isso?
Na 3M, ciência é nosso foco, é nossa característica mais marcante, é o que une nossos negócios e é a força fundamental por trás de nossa marca: “Ciência 3M. Aplicada à Vida”. A ciência é importante para nós e queríamos entender qual era a percepção global em torno da ciência, mas não encontramos nenhum estudo que fosse relativamente recente e de natureza global, então contratamos um. Fizemos uma pesquisa em 14 países, com 1000 entrevistados por país e, quando estudamos os resultados, ficou claro que a ciência precisava de campeões – ela era subestimada, bastante invisível e desprezada pelo público global.

Portanto, optamos por compartilhar nossa pesquisa com o mundo e fomentar um diálogo global em torno desse assunto.

Divulgamos os resultados do primeiro Índice do Estado da Ciência [Sosi] em 2018 e meu papel como a primeira Defensora-Chefe da Ciência da empresa também foi anunciado. Desde então, temos feito a pesquisa todos os anos e, com a pandemia, o ceticismo em torno da ciência diminuiu e a confiança na ciência e nos cientistas aumentou. É muito reconfortante ver isso, porque às vezes você apenas ouve o que uma minoria vocal diz. De forma geral, descobrimos que, globalmente, a ciência está realmente em seu momento!

Afinal, a ciência teve um lugar proeminente na história da pandemia.

A ciência tem sido a heroína, na vanguarda, com medidas preventivas, novos tratamentos e vacinas eficazes – tudo desenvolvido usando metodologia científica sólida, baseada em dados, por uma comunidade diversa de profissionais dedicados. É disso que a ciência precisa: uma comunidade diversa, para que possamos resolver problemas e melhorar vidas. E o salto na apreciação da ciência continuou, segundo nossos resultados das pesquisas em 17 países em 2021. “Esperança” é atualmente o sentimento que define a ciência. Devo mencionar que os leitores devem verificar todos os resultados ao longo dos anos de nossa pesquisa sobre a percepção pública da ciência em https://curiosidad.3m.com/blog/pt/o-estado-da-ciencia-no-mundo-2021/.

Qual é sua estratégia para esse papel único de Defensora-Chefe da Ciência e em quais atividades você está envolvida?
Depois de revisar os dados da primeira rodada do Índice do Estado da Ciência da 3M, ler sobre o tópico a respeito da ciência e do público e refletir sobre minhas próprias experiências, eu dividi o problema no que chamo de maneira simplista de A, B e C. A é sobre como aumentar a consciência, a apreciação e o reconhecimento da ciência para que possamos tirar as pessoas desse tipo de apatia. B é sobre quebrar os vieses, limites, barreiras – crenças como “Eu não sou um gênio, então não posso fazer ciência”, o neuromito do cérebro esquerdo-cérebro direito que leva a “Eu simplesmente não estou conectado à ciência” ou “Eu sou menina, ciência não é para mim”. Todos esses são problemas – alguns eu mesmo experimentei.

Por exemplo, apesar de ter dois cientistas PhD em casa, minha filha disse que não queria fazer ciência porque isso era coisa para geeks.

Vemos o retrato da ciência na mídia – a imagem de nerds, solitários, rebeldes e gênios não vão inspirar meninas ou meninos. Portanto, temos que endereçar isso. E, finalmente, C: temos que nos concentrar no contexto e defender a ciência – precisamos comunicar que os cientistas resolvem problemas e que a ciência pode melhorar vidas. Sei por experiência própria como o contexto foi importante para minha filha, enquanto o conteúdo foi suficiente para motivar meu filho. Em meu trabalho, viajo pelo mundo apresentando as descobertas e as iniciativas que empreendemos nas categorias acima, à medida que os dados dessa pesquisa são disponibilizados todos os anos.

Interajo com alunos, educadores, pais, mentores, acadêmicos, funcionários e profissionais e apresento descobertas em conferências, simpósios e eventos.

Também escrevo muito sobre tópicos relevantes para nossa plataforma de advocacy. Queremos criar um mundo positivo com a ciência e inspirar outros a se juntarem a nós, então também criamos programas na 3M para defender as carreiras STEM [relacionadas à ciência, tecnologia, engenharia e matemática]. Nosso projeto mais recente é uma docussérie, “Não Pareço Cientista”, que visa quebrar estereótipos jogando luz sobre as histórias de diversas mulheres em STEM. Em anos anteriores, fizemos “Campeões da Ciência”, um podcast em que dividimos os resultados com líderes e “Além da Taça”, uma série de vídeos para retratar cientistas diversos como pessoas reais. Compilamos também um “Guia para Cientistas como Contadores de Histórias” para ajudar os cientistas a se comunicar com o público leigo. Estamos sempre procurando causar um impacto em relação a todo o espectro STEM. Por exemplo, em 2020, criamos “Ciência em Casa”, onde eu, meus colegas cientistas e alguns convidados especiais gravamos vídeos de experimentos científicos fáceis de fazer que alunos, professores e pais podem acompanhar.

Como você disse, garotas normalmente não são encorajadas para serem cientistas. Quais você acredita que são alguns dos desafios enfrentados pelas mulheres em carreiras STEM?
Bem, há desafios em todo o espectro, na verdade – simplesmente porque tudo foi amplamente elaborado por homens, então parece muito voltado a eles, começando por como falamos, ensinamos, treinamos, monitoramos e até tipificamos o campo com um contexto muito masculino. O estereótipo cultural do cientista como alguém objetivo, racional e obstinado é muito consistente com as normas prescritas para os homens. Por ser um contexto masculino, muitas vezes as mulheres se sentem penalizadas por trabalhar em campos dominados por homens, e elas não são bem-vindas nesses ambientes.

Na verdade, também foi demonstrado que isso leva a uma disputa interna constante que pode causar sofrimento psicológico.

Há muito estudo sobre como isso pode se manifestar em locais tão dominados por homens. Pode haver mais discriminação, assédio, disparidade de pagamento, isolamento social e exclusão de discussões acadêmicas por serem vistas como estranhas. Há microagressões e há simbolismo. As mulheres podem sentir maior pressão para performance porque são em menor número – portanto, altamente visíveis. Além disso, elas também carregam a tremenda responsabilidade de se tornarem mentoras e modelos para todas as mulheres, o que afeta seu tempo com demandas e contribuições que os homens podem não apreciar ou realmente compreender.

Também se espera que as mulheres representem as “mulheres” como um grupo.

E há o enorme problema de que as percepções de mulheres individuais são filtradas por estereótipos sobre todo o seu gênero. Portanto, a sub-representação numérica final e os estereótipos negativos contribuem para os desafios das mulheres em STEM, e podem empilhar o sistema contra elas e impactá-las desproporcionalmente ao longo de suas carreiras. É por isso que estou animada com a série de documentários da 3M “Não Pareço Cientista” – estamos quebrando os estereótipos e promovendo a igualdade de gênero.

Histórias como a sua, que está no documentário, são geniais. O que exatamente você espera conseguir com “Não Pareço Cientista”?
Espero que seus leitores tenham a chance de ver minha história no documentário. Tenho a honra de ser uma das cientistas apresentadas nele. Confira em https://curiosidad.3m.com/blog/pt/nao-pareco-cientista/. Com ele, pretendemos informar, influenciar e, esperançosamente, inspirar. A ciência precisa de mais meninas que queiram mudar o mundo e resolver problemas reais. Precisamos de mais pessoas com objetivos e aspirações voltadas para a comunidade em STEM do que antes, com todos os desafios de sustentabilidade que temos pela frente. Para todas as jovens que se perguntam se devem considerar a ciência ou deixá-las porque as carreiras de humanas podem parecer mais intuitivas, eu lhes faço meu discurso.

O verdadeiro truque é SHTEM – Ciências, Humanidades, Tecnologia, Engenharia e Matemática, então venha com essa mentalidade tão necessária.

Para todas as mulheres profissionais em STEM ou aquelas que estão prestes a começar e se perguntam se podem ter sucesso em uma carreira corporativa, gosto de dizer que elas podem mudar a rubrica, devem alterar as métricas e vão transformar a ótica de quem entra, persiste e se destaca em STEM. Não deixe que os estereótipos a impeçam.

Os últimos dois anos nos mostraram que muitas coisas precisam mudar, mas para mudar o campo da ciência você não precisa mudar.

A ciência precisa que você seja você! Precisamos de toda a diversidade que pudermos reunir na ciência para desvendar criativamente os segredos para um futuro sustentável. Todos nós “parecemos cientistas”, podemos ter diferentes caminhos e experiências. Não importa qual seja sua raça, etnia, idade ou nacionalidade – você pode abrir caminhos, perseguir suas paixões, trazer seus interesses e moldar sua carreira com um potencial exponencial.

A cientista tem a incrível marca de 72 patentes

O que a inspirou a escrever seu livro The Heart of Science: Engineering Footprints, Fingerprints, & Imprints (“O coração da ciência: pegadas, impressões digitais & impressões de engenharia”, em tradução livre, ainda inédito em português), lançado em novembro de 2020?
O ano de 2020 foi totalmente sem precedentes – praticamente toda a humanidade enfrentando os mesmos desafios, os mesmos medos e esperando o mesmo presente da ciência na vacina. Foi também um ano que desmascarou a natureza invasiva do vírus que é o racismo sistêmico. O despertar social foi catalisado e cristalizado talvez devido aos eventos crus e reveladores que ocorreram em nosso estado de Minnesota [a morte de George Floyd], sem mencionar o impacto desproporcional do coronavírus nas comunidades negras.

Então, assim como muitos outros em 2020, eu também passei pelo ciclo de choque, entorpecimento, negação, raiva, medo, pânico, culpa, gratidão e esperança – e então o desejo intenso de ajudar e de produzir com propósito.

Eu tinha essa compulsão visceral de fazer algo sozinha, então cavei fundo no que chamo de meus próprios bolsões de privilégio e tomei algumas ações. Uma delas foi colocar todos os meus ensaios sobre trabalho, vida, carreira, liderança, mulheres, ciência e parentalidade em um livro publicado pela Sociedade de Mulheres Engenheiras (SWE). Eu o intitulei “O coração da ciência: pegadas, impressões digitais & impressões de engenharia” porque, na minha opinião, uma jornada de carreira não envolve apenas objetivos como para onde você vai e o que você faz, mas também os relacionados à comunidade e às marcas que você pode deixar em corações e mentes.

Todos os rendimentos vão para uma bolsa de estudos para mulheres da minoria sub-representada em STEM.

Sinto fortemente que aqueles em profissões STEM têm um papel importante na definição do futuro do mundo, e não podemos não ter uma representação adequada de mulheres e minorias. Estou muito animada para informar aos leitores que a primeira bolsista, uma jovem negra, já começou sua jornada com recursos das vendas. Portanto, espero que seus leitores apoiem a causa encomendando o livro da Amazon, para que possamos todos estar no coração de iniciar um capítulo STEM na vida de alguém e, assim, projetar nosso futuro coletivo. Não é apenas o que as pessoas tiram do livro – elas também estão dando algo quando compram o livro.

A marca de 72 patentes é impressionante. Como é seu processo de inovação e quais são as patentes que mais a deixam orgulhosa?
Para mim, a inspiração geralmente começa com a compreensão de necessidades e tendências. Uma boa perspectiva sobre para onde o mercado está caminhando e o que os clientes vão precisar ajuda a identificar oportunidades de inovação. Muitas vezes, o processo começa com a construção de uma narrativa convincente que, primeiro, convença a mim mesma de que vale a pena resolver aquele problema. Chamo isso de “processo de construção de mosaico” – juntar a história peça por peça para entender a imagem que surge.

Olho para os produtos e soluções que estão disponíveis, para a jornada do consumidor e onde estão suas dores, a evolução do mercado e os motivadores atuais, o cenário tecnológico, as descobertas mais promissoras etc.

E as novas ideias e conceitos aparecem. Então, eu trabalho para identificar as lacunas que temos para concretizar essa nova ideia e para colaborar com outros para desenvolver a tecnologia necessária para a criação desse próximo produto inovador que resolve os problemas de nossos consumidores e satisfaz uma necessidade do mercado. A inspiração para a inovação é abundante, especialmente em tempos de transformação como os que estamos vivendo. Ela pode vir quando se foca na direção da estratégia interna de inovação, do feedback do cliente para conceitos e protótipos, da compreensão de suas necessidades não articuladas ou de oportunidades de melhoria para ofertas existentes. Pode vir também da observação de fatores externos, como tecnologia ou negócios a partir das necessidades e tendências do mercado em evolução, que podem criar ou alterar o que o cliente deseja.

E, é claro, as ideias podem vir por acaso. A serendipidade e a intuição desempenham um papel, mas o acaso sempre favorece uma mente preparada.

No que diz respeito às patentes das quais mais me orgulho – diria que todas são muito especiais para mim – não se trata exatamente das patentes, mas dos problemas que resolvemos e das pessoas com quem trabalhei. Em todos os casos, as ideias e a implementação da inovação são mais eficazes quando apoiadas em boas informações contextuais, percepções sólidas do cliente e ciência rigorosa.

Acredito que você esteja sempre trabalhando em novos projetos ou os evoluindo. Você pode dizer por que você ama a ciência e o que acha mais gratificante em ser uma cientista?
Eu amo a arte da ciência! Eu amo a beleza do método científico – amo seus mistérios, seus dramas e como é intrigante. Vivo para os desafios e a satisfação de encontrar problemas relevantes e criar para eles soluções que vão ajudar nossos consumidores. Para mim, é como o jornalismo investigativo no começo: encontrar e revelar informações. Depois, é como um trabalho de detetive: fazer uma série de perguntas, rastrear e observar as pistas. E então, finalmente, juntar todas essas peças como um artista e ver o mosaico que acabei de construir – para então desenvolver uma narrativa convincente disso tudo.

Posso ser como uma contadora de histórias, para conseguir convencer você e os outros que aquele é um problema que merece ser solucionado.

É também sobre apresentar o caso como um advogado e inspirar outras pessoas a se juntar à causa como uma verdadeira líder. A ciência envolve trabalhar como uma equipe de artesãos em uma obra específica e usar as ferramentas corretas para identificar os tijolos necessários para resolver aquele desafio – e então fazer a ciência avançar no laboratório para inventar as soluções técnicas. Você pode imaginar ainda outras coisas. O método científico tem isso tudo. Não importa se meu trabalho está nas fitas que mantêm as fraldas em bebês agitados ou fitas que vão em telefones ou fitas que vão em aviões, trens, automóveis – é sempre uma história que gruda. E estou animada para trabalhar em muitas outras inovações.

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