Fechar o gap existente entre a pesquisa científica brasileira e a aplicação mercadológica desse conhecimento. Foi com essa missão que surgiu há dez anos o Criatec, o primeiro grande fundo de investimento em startups no Brasil — com 80 milhões de reais do BNDES e 20 milhões de reais vindos do BNB. De lá pra cá muita coisa mudou no cenário de inovação e empreendedorismo no país.
Para se ter uma ideia, há uma década não existiam aceleradoras por aqui, ainda não se falava em Corporate Venture e investimentos-anjo eram muito raros. Hoje, segundo levantamento do Centro de Estudos de Private Equity da FGV, existem 40 aceleradoras no país e mais de 7 mil investidores-anjo aportando recursos em startups, de acordo com a Anjos do Brasil. A cultura do empreendedorismo cresceu ao mesmo tempo que tecnologias de processamento de dados se tornaram acessíveis. Gustavo Junqueira, diretor da Inseed Investimentos, co-gestora do Criatec em sua primeira edição, fala:
“Estamos vivendo apenas o início de uma revolução”
Iniciativa do BNDES, o Criatec, que surgiu em 2007, analisou mais de 2 000 oportunidades de investimento e selecionou 36 startups (que receberam até 5 milhões de reais cada uma). Deste total, 16 já foram vendidas e as outras 20 faturaram, juntas, 220 milhões de reais em 2017. De 2007 para cá, o bem sucedido fundo ganhou mais duas novas edições: o Criatec 2, em 2013, e o Criatec 3 em 2016.
Para Gustavo, o fundo foi muito pioneiro quando surgiu. “Naquela época as empresas em early stage não tinham nenhum apoio e era comum que o conhecimento gerado da pesquisa científica ficasse restrito ao ambiente acadêmico”, conta.
Foi tentando aproximar esses dois mundos que ele e outros cinco colegas (entre eles Felipe Matos) fundaram, antes mesmo do Criatec, em 2002, o Instituto de Inovação em Belo Horizonte. Com recursos próprios, e portanto limitados, eles abriram cinco startups de base tecnológica, quatro delas na UFMG e uma na Universidade Federal de Viçosa (MG).
OS PRIMÓRDIOS DO INVESTIMENTO SEMENTE
“Depois de cinco anos trabalhando com essas cinco empresas, vimos que era possível transformar conhecimento em negócio e sabíamos que nosso trabalho seria muito acelerado se houvesse investimento de capital empreendedor”, diz, e prossegue: “Aí, mudamos nosso modelo de negócio: deixamos de simplesmente empreender em startups de base tecnológica e passamos a gerir recursos de terceiros investidos nessas empresas”.
Foi quando eles ficaram sabendo que o BNDES estava para abrir um edital de um fundo de investimento — co-gerido pela Antera Gestão de Recursos e pela Inseed Investimentos — e decidiram tentar. “Foi bem concorrido, foram mais de 30 propostas e a gente ganhou. Como éramos empreendedores, sabíamos exatamente quais as dificuldades. Trouxemos um olhar empreendedor para a área financeira”, afirma.
Entre 2007 e 2011, o Criatec investiu em empresas que faturavam de 0 a 6 milhões de reais por ano. Gustavo conta que as empresas cresceram quase 15 vezes em dez anos, em média 45% ao ano. Atualmente a Inseed gere também os recursos do Criatec 3, lançado em 2016. O fundo tem 13 investidores, entre eles o BNDES, agências de desenvolvimento, fundos de pensão e investidores privados. Já são cinco empresas investidas — e eles ainda tem 150 milhões de reais para investir em outras 30 nos próximos 2 anos.
“Conseguimos atrair recursos privados para o Criatec 3 e, assim, começar a girar a roda da economia desde a base. Era isso que faltava para o Brasil ter uma economia que conversa desde o empreendedorismo inicial até o IPO na bolsa. Hoje a gente tem esse caminho”, afirma. Gustavo ressalta que a Inseed tem também o Fundo FIMA Inseed (Fundo de Investimento em Meio Ambiente), de 165 milhões de reais. O primeiro fundo de participações brasileiro com foco no desenvolvimento de soluções para problemas ambientais, que já investiu em 10 empresas entre 2013 e 2017.
PRINCIPAIS CONQUISTAS EM UMA DÉCADA
Olhando para trás, Gustavo, que acompanhou de perto a evolução do mercado de startups no Brasil lembra que há dez anos o empreendedorismo ainda sequer era visto com bons olhos no ambiente acadêmico. “Os pesquisadores ficavam meio constrangidos de dizer que estavam montando uma empresa, não sabiam se isso ia ser bem aceito pelos colegas acadêmicos. As pessoas que vinham trabalhar nas empresas investidas tinham que enfrentar a resistência da família que não entendia porque eles estavam largando um emprego em uma multinacional e indo para um empresa pequena e nova. Era um cenário muito mais árduo e vanguardista”, conta.
1) Ecossistema Empreendedor
Hoje todo mundo sabe o que é uma startup e o valor que elas representam. Segundo Gustavo há até mesmo uma glamourização em excesso em torno do tema, mas o lado bom da popularização é que hoje existem muito mais atores no ecossistema empreendedor — como incubadoras, aceleradoras, mentores e toda uma estrutura de apoio que não havia há dez anos.
2) Avanço tecnológico
Gustavo ressalta também o impacto importante da popularização da capacidade de processamento de dados nos últimos anos. “O que há dez anos só uma IBM conseguiria fazer, hoje a digitalização e a facilitação de acesso de capacidade de processamento permite que o empreendedor consiga montar serviços e produtos de digitalização da economia real. Desde big data, aprendizado de máquina, inteligência artificial, tudo isso está acessível sem a necessidade de um investimento bilionário. E isso está proporcionando uma grande revolução que na minha opinião está apenas no começo”, diz.
Segundo ele, o Brasil já desenvolveu muito a base da pirâmide empreendedora nos últimos anos, e se souber encontrar os nichos nos quais possa ter um potencial competitivo maior, vai seguir nessa tendência: “A digitalização da economia real é uma grande oportunidade porque requer muito conhecimento profundo e pouco capital. No Brasil temos justamente isso. Somos muito bons na agricultura, na mineração”.
3) Perfil do empreendedor
Em dez anos, Gustavo conta que o perfil dos empreendedores também mudou. Comparando Criatec 1 e Criatec 3, Gustavo diz que hoje os profissionais estão muito melhor preparados. Segundo ele, se antes era preciso começar explicando o que era capital empreendedor, hoje “o pessoal já vem com um plano e sabendo porque precisa desse capital”.
O QUE FALTA PARA O FUTURO CHEGAR
Gustavo acredita que em dez anos já será possível sentir os efeitos de tudo isso na macroeconomia. E cita o exemplo de Florianópolis, que, segundo ele, tem feito um bom trabalho na base da pirâmide já há 20 anos e hoje começa a sentir os efeitos na economia da cidade com a atração de talentos do Brasil inteiro para empresas de tecnologia instaladas na região. “Isso atrai também investidores e vai virando um movimento circular, uma espiral crescente, uma coisa atrai a outra e surge um hub de inovação. É um projeto de longo prazo, o Vale do silício não nasceu hoje, foram 40 anos. Aqui acredito que em mais dez a gente já vai sentir essa mudança no Brasil de uma forma geral”, diz.
No entanto, ainda há muito a aprimorar. Gustavo destaca a necessidade de uma mudança de mentalidade. Para ele, o que falta ainda é a cultura empresarial brasileira deixar de ser familiar.
“O brasileiro ainda monta empresa para si, para a família. Quando se cria um negócio para o mundo, a capacidade de escala vai muito além das limitações de uma pessoa física”
Ele prossegue: “Estamos falando de acessar os ativos que forem necessários no mundo como um todo em termos de talentos, tecnologia e recursos”. Para Gustavo, isso é algo que está começando a mudar no Brasil com o crescimento cada vez maior de startups que já nascem com um pensamento global expansionista. E fala, também, sobre a importância da educação empreendedora. “Nos Estados Unidos e na Europa isso é mais desenvolvido, aqui ainda é normal um pesquisador PhD biólogo nunca ter feito um curso na área de gestão e empreendedorismo. Eu mesmo que estudei administração na faculdade na década de 1990 e fui formado para ser gerente de multinacional, e não para ter um próprio negócio.”
Isso faz, segundo ele, com que aqui no Brasil o empreendedor precise de um apoio muito mais “mão na massa” e de ajuda para tomada de decisões. “Sem falar que empreender no Brasil tem um pouco mais de emoção do que em outros lugares do mundo, tem obstáculos tributários e burocráticos, instabilidade econômica, e outros desafios maiores que em outros lugares do mundo. Tem muita oportunidade, mas o jogo é bruto”, diz.
Renato Mendes, Priscilla Erthal e Roni Cunha Bueno falam como a experiência de digitalizar a loja de material esportivo os preparou para a aceleradora (de startups e empresas grandes).