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Daniel Grynberg, diretor do Grupo +Unidos: “Trazemos dinheiro dos EUA e de empresas americanas para fazer o bem aqui no Brasil”

Marina Audi / 1 jun 2023
Daniel Grynberg, diretor-executivo do Grupo +Unidos.
Marina Audi - 1 jun 2023
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Diretor-executivo do Grupo +Unidos, Daniel Grynberg completará 34 anos em junho. No mesmo mês, vai celebrar outro marco: o lançamento do maior projeto de impacto social surgido na instituição que preside. Trata-se do Rede Amazônia +Conectada, cujo orçamento é de 2 milhões de dólares. 

Idealizado em 2008 pela Embaixada dos EUA no Brasil, o Grupo +Unidos conta com apoio da Missão Diplomática Americana e da USAID, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional. Porém, é uma entidade independente (tanto em termos de operação quanto de orçamento), que gere seus projetos por meio de indicadores de impacto e políticas de financiamento customizadas.

O Rede Amazônia +Conectada, o mais novo projeto do +Unidos, vai levar conectividade a 750 domicílios da cidade paraense de Juruti, região do Baixo Amazonas, com financiamento da USAID e a participação de empresas como Alcoa, Microsoft e Qualcomm. “A sinergia é muito grande – o que chamamos de alavancagem – e favorece muito esse tipo de programa”, diz Daniel.

Além de manter uma seleção de 13 projetos sociais nas áreas de educação – ensino de inglês e de tecnologia –, empregabilidade e ações emergenciais, o grupo tem como um dos seus objetivos promover o engajamento e trocas de experiências entre mundo corporativo, organizações sociais e o setor público. 

Daniel costuma fazer uma analogia do +Unidos como um “departamento de ESG externo” das empresas associadas. O modelo tem se mostrado acertado. Em 2022, o + Unidos investiu 5,3 milhões de reais em projetos sociais (20 no total) e beneficiou 3 386 pessoas diretamente e 3,1 milhões indiretamente.

Em conversa com o Draft, Daniel Grynberg conta como começou no Setor 2.5, de negócios sociais, e chegou até o Grupo +Unidos, onde aprendeu a importância de articular ações não só com o setor privado, mas também com o poder público brasileiro:

 

Hoje, muitas pessoas escolhem trabalhar no terceiro setor, que está mais profissionalizado e têm métricas tão confiáveis e transparentes quanto os demais setores. Você sempre quis estar nesse segmento? Por quê?
Dez anos atrás, quando eu me formei no Insper, o terceiro setor e as áreas de impacto social, ESG e investimentos de impacto não eram tão grandes quanto hoje. Não era uma opção tão conhecida. 

Quando eu estava na fase final da faculdade, não conhecia, por exemplo, o setor 2.5 [a definição do Sebrae é: iniciativas financeiramente sustentáveis, com viés econômico e caráter social e/ou ambiental], no qual comecei a minha carreira.

O Insper é conhecido como uma faculdade de mercado financeiro. Muitos dos meus amigos foram pro mercado financeiro e para consultorias. Fui convidado para alguns processos de seleção em consultorias e no mercado financeiro, porque eu fazia parte da empresa júnior. 

Eu não sabia o porquê, mas tinha algo que não me motivava. Os valores não batiam, quando eu conversava com as pessoas, os papos sobre o que queriam e as perguntas do processo seletivo eram supertóxicas, ambientes superdifíceis. Pra mim ficava a sensação: “Pra quê? Tenho vontade de fazer algo diferente”

Na época, eu tinha criado com uns amigos, dentro do Clube Hebraica, um grupo de voluntariado. Um desses amigos me falou de uma palestra que tinha assistido do Quintessa – que trabalhava com negócios de impacto social – e sugeriu de eu falar com um amigo dele que trabalhava lá. 

Segui o conselho, mandei uma mensagem e acabei trabalhando na Quintessa entre 2012 e 2015. Minha ideia – que eu descobri mais pra frente e hoje é o objetivo da minha carreira – sempre foi usar os meus privilégios para tentar mudar alguma coisa. 

Na época, ir para o mercado financeiro para ganhar dinheiro, trabalhar de madrugada, e ter um chefe me enchendo o saco por causa de vírgula no PowerPoint não fazia sentido… Obviamente, é uma opção de privilégio. E foi uma decisão da qual não me arrependo em nada, nunca.

Antes de falarmos sobre sua atuação no Setor 2.5 e no Grupo +Unidos, pode contar se a experiência de empreender a Kez Bagel & Café entre 2016 e 2018 foi um desvio de rota? Como você encaixa a iniciativa na sua jornada profissional?
Foi um momento em que tive alguns questionamentos. Eu tinha ficado três anos e meio no Quintessa, junto com a Anna [Anna De Souza Aranha] e a Gabi [Gabriela Bonotti Carpinelli], que seguem lá até hoje. A gente tocava a organização, mas eu sentia muita falta de me colocar um pouco mais pro mundo. 

Apesar de gostar muito do setor 2.5, naquela época, ainda vivíamos numa alçada muito referente aos fundadores e mantenedores do Quintessa – ao Leo Figueiredo [o investidor José Leopoldo Figueiredo] e mentores. Eu me sentia muito júnior para ter uma posição de representar a organização. Sentia falta de ter outras experiências

Saí e fui trabalhar na SOMOS Educação, que pra mim fazia sentido no quesito de impacto social. Ali eu vivi uma “frustração”, porque não se concretizou o que eu queria. Eu tinha a expectativa de ser um lugar onde eu aprenderia muito, trabalharia com pessoas super de vanguarda, como o fundo Tarpon, que investia lá na época. Mas não tive uma experiência tão legal.

Foi quando recebi um convite de um amigo e do pai dele, que era investidor, para empreender. Pra mim era uma oportunidade de colocar um pouco das minhas experiências em prática. Desde que saí da Quintessa, queria provar o que eu tinha aprendido ao ajudar os empreendedores. 

E, sim, eu diria que [empreender a Kez Bagel & Café] foi um pequeno desvio na minha rota, porque mesmo sem ter impacto social na ponta, eu queria aquela experiência de empreender.

Mas eu não senti tanta falta, porque na época, um antigo cliente da Quintessa, Alexandre Furlan Braz, do Grupo Muda, me chamou para trabalhar com ele. Quando eu disse que não podia, ele me pediu uma consultoria. 

Durante essa consultoria, teve a questão de captar dinheiro para a operação dele. Foi então que apresentei o Grupo Muda para a Yunus Social Business. A Yunus adorou o trabalho e fui convidado para trabalhar com eles. 

Eu diria que nunca larguei [a área de impacto social], mas quando fui convidado para a Yunus, realmente deu um clique: “Posso até empreender. Acho que é legal, mas não quero deixar de trabalhar com impacto social!” 

O restaurante existe até hoje, seguimos amigos, mas eu tirei minha parte da sociedade já faz um tempo. 

Estar na operação, no dia a dia de um negócio te ajudou ao atuar na Yunus Social Business?
Com certeza. Apesar de não ter sido planejado, era o que eu queria. O trabalho de Quintessa e Yunus Social Business se assemelha muito. A diferença é que, na época, a Quintessa só fazia programa de aceleração, ou seja apoiava empreendedores; e a Yunus fazia investimento em dívida para esses mesmos empreendedores, mas a gente falava muito de apoio não-financeiro, algo que criamos quando eu estava lá.

Oferecíamos não só [recurso para cobrir] a dívida, mas também oportunidades para a empresa se desenvolver, fazer networking, prever fluxo de caixa. Não adianta só dar a dívida a um bom preço, assim você é nada mais do que um banco. Queríamos fazer algo a mais, então esse apoio não-financeiro sempre foi muito importante.

Quando estava na Quintessa, muitas vezes eu chegava para uma pessoa empreendedora, mais velha e experiente do que eu, querendo ensinar alguma coisa que eu sabia sobre fluxo de caixa, contabilidade, DRE [demonstração do resultado do exercício, relatório contábil que evidencia se as operações de uma empresa estão gerando lucro ou prejuízo], processos administrativos – coisas superdifíceis. 

As pessoas me diziam: “Não tenho dinheiro pra pagar os salários da equipe amanhã. Estou sendo processado. Preciso fechar um contrato”. Como eu não tinha a barriga no balcão, não sentia esse frio na barriga do empreendedorismo, achava que eu não tinha legitimidade pra falar. Depois que eu empreendi isso mudou

É claro que ainda tenho muito o que aprender – sempre terei o que aprender –, mas ganhei mais experiência para conversar com os empreendedores de igual pra igual e entender o que eles passam no dia a dia.

Empreender é uma tarefa super solitária e, às vezes, você pode ter todas as ferramentas do mundo… Por exemplo, quando estava no restaurante, tentei implementar remuneração variável a cada três meses para os garçons e pessoas que ganhavam um piso de categoria, fazer processo de feedback 360º… Eu tentava trazer uma prática de mercado. E, no português claro, eu me ferrei!

Não funcionou. Eram outras prioridades. A prática é muito diferente da teoria e empreender me ajudou muito a voltar pra esse mundo de impacto social tendo tido essas oportunidades.

É um fato que empresas multinacionais – americanas, inclusive – trouxeram ao Brasil processos de compliance e práticas do que hoje se chama ESG… Foram exemplo por muitos anos. Tendo em vista que você passou por Quintessa e Yunus Social Business, que fazem projetos de impacto social com organizações de todas as nacionalidades, como avalia o cenário hoje?
Vejo que as empresas evoluíram muito na questão de investimento social e ESG. Ao mesmo tempo, sinto que elas ainda estão incipientes nessas áreas. É muito diferente de dez anos atrás, com certeza, quando o tema ESG nem existia, mas as empresas ainda têm muito a evoluir. 

Vejo que a área de ESG das empresas, por exemplo, é hoje o que a área de marketing era há 30 anos, quando um departamento tinha uma ou duas pessoas. Hoje, em uma empresa grande, o marketing representa 30% porque se percebeu o quanto ele é importante para atrair clientes 

Hoje, a responsabilidade da empresa com a sociedade, com o meio ambiente, com as pessoas está cada vez mais clara. Isso é exigido pelos consumidores. Tão importante quanto fazer publicidade, engajar o consumidor nas redes sociais, é acreditar na marca e nos valores. 

Acho que os investimentos podem ser maiores e não só em projetos, como também na profissionalização da área de ESG. Acredito que nos próximos anos, haverá uma demanda muito grande por profissionais dessa área, porque já há a percepção de que precisamos também de profissionais especializados em responsabilidade social e ESG. 

Não se pega uma pessoa que nunca trabalhou com finanças e a coloca lá para ser Head do Financeiro! Até um tempo atrás, esse tipo de coisa acontecia muito em ESG. 

Hoje, acontece cada vez menos de você pegar uma pessoa que trabalha no RH ou no marketing e colocá-la para tocar ESG. Em geral, as metas pessoais dessas pessoas não estão tão ligadas a ESG, mas sim ao business dela mesmo. E às vezes, a pessoa não tem as capacidades técnicas para trabalhar com responsabilidade social 

Isso tem muito a ver com o que fazemos aqui no Grupo +Unidos – é quase terceirizar essa capacidade para as empresas. Mas sinto que esse cenário está se profissionalizando cada vez mais e espero que as empresas entendam o quanto isso é necessário para a sobrevivência delas. 

Às vezes, digo que assim como as empresas contratam as agências de publicidade para fazerem as suas campanhas, podem contratar o +Unidos para desenvolver projetos de responsabilidade social para elas. 

Isso não quer dizer que a gente vai terceirizar toda a área de ESG, porque ela tem muito a ver com o meio ambiente dentro da empresa quando se fala em processos para transformar a operação em algo mais sustentável, diminuir a pegada de carbono etc. Essas são coisas em que a gente não vai entrar, há outras empresas que fazem isso.

Por outro lado, na parte do S, do social – do quanto a empresa trabalha com a sociedade –, nas áreas em que atuamos – empregabilidade, educação e ações de conservação da biodiversidade –, acreditamos poder trabalhar como uma terceirizada das empresas que têm essa expertise. 

Você chegou ao Grupo +Unidos com a experiência de ter empreendido, com boa base de conhecimentos sobre aceleração e seleção de projetos de impacto social. Faz parte do seu job description de hoje captar recursos para tocar os projetos? Você já tinha esse skill? Ou teve de correr atrás?
Entrei no Grupo +Unidos em maio de 2020, bem no começo da pandemia, já estávamos online. Éramos, na época, muito menores do que hoje. Em termos de captação, éramos quase dez vezes menores; em termos de equipe éramos três vezes menores – de três pessoas passamos para 11, sem contar os terceirizados em outros projetos, que somam quase 50 pessoas. 

Sou responsável por captação de recursos, mas há renovações de projetos que podem acontecer com o próprio time que toca o Access E2C, por exemplo, que cresceu muito e começou uma turma na Amazônia. Antes o inglês era ofertado só para pessoas negras, agora é para pessoas negras e indígenas.

Daí a turma do Norte estava tendo uma dificuldade grande de colocar os alunos para dentro, porque as pessoas não tinham inglês básico suficiente. Então, a equipe desenvolveu um curso de dois anos – o primeiro ano trabalha o conhecimento básico e o segundo ano trabalha mais a conversação. É incrível você ver esse crescimento, as pessoas se empoderando. É assim que a gente consegue levar a organização para outro patamar.

A verdade é que o +Unidos cresceu muito – não apenas por minha causa – porque estávamos muito bem colocados e soubemos aproveitar as oportunidades.

Quando entrei, eu tinha muitos questionamentos. Um deles era sair da minha área de expertise principal – avaliar e apoiar negócios de impacto social. Eu saí de um local onde eu trabalhava com negócio de impacto e fui para outro onde não trabalho com isso 

Todas as coisas que estão na minha formação – analisar DRE, fluxo de caixa, projeção financeira, margem EBITDA, nível de alavancagem –, já não faço mais. Essa era uma das grandes dores que eu tive.

Costumo contar uma história, que pra mim foi muito relevante. Uma vez, fui para a Índia, porque a Yunus Social Business tem operação em vários países e fomos lá fazer um offsite, uma reunião com o time global.

Era minha primeira vez no país e foi uma experiência muito tocante, porque é um ambiente muito diferente do que eu estava acostumado. Como um estudioso e uma pessoa muito interessada no setor de impacto social, eu tinha uma dúvida…

A Yunus da Índia sofria com muita competição com outros fundos de impacto social, porque havia lá mais de 100 fundos. Aqui no Brasil, desde que comecei até hoje, seguimos com os mesmos cinco fundos – Vox Capital, Quintessa, Mov, Sitawi e Artemisia, que não era fundo, mas está começando com o Luciano Gurgel. O mercado segue muito pequeno.

E eu ficava nessa dúvida: “Por que o mercado de negócio e impacto social ficou tão mainstream na Índia, e no Brasil isso ainda não acontece? Ainda é voltado a uma elite muito pequena que acredita nisso, mas o ponteiro de mudança ali não é tão grande” 

Ao analisar alguns negócios e conversar com alguns diretores de outros fundos que participaram da viagem, a situação se esclareceu. A Índia é um país muito grande, com renda per capita muito pobre, onde o setor público não é muito atuante. Vê-se pouca polícia na rua, as escolas ainda não são totalmente pra todo mundo, nem o saneamento básico.

Então, lá é possível fazer um negócio para a base da pirâmide, sem competir com o setor público. Aqui no Brasil, muitos dos negócios que a gente apoiava, principalmente na área de educação, atingiam um público que precisava ter um recurso para poder pagar pelo curso de inglês, aula de habilidade socioemocional, correção de redação.

Era um público que tinha renda de três a quatro salários mínimos, então já era uma classe média. E me incomodava bastante a gente não ter a capacidade, com os negócios de impacto social, de atingir a base da pirâmide. 

Quando conheci o +Unidos, percebi que a gente tinha o poder da colaboração para trabalhar com a base da pirâmide e públicos vulneráveis através do investimento social – que não dá um retorno financeiro; o retorno será em um projeto que vai trazer beneficiários – e parcerias com o poder público. 

Em termos de impacto social, isso foi o que mais me motivou e me levou, inclusive, a fazer uma especialização em gestão pública. Percebi que trabalhávamos muito no setor público, principalmente, no auge da pandemia – e ainda trabalhamos –, só que eu tinha pouco conhecimento realmente das mazelas do setor público. Então, fui buscar uma especialização

Hoje, ainda acredito no setor 2.5, de negócios de impacto social, mas penso que a mudança do Brasil vem da colaboração do setor privado com o setor público. Ela vem de inovações e acordos de cooperação, porque o setor público no Brasil é muito atuante, não tem como excluí-lo. 

85% dos alunos brasileiros estudam em escolas públicas. Há programas de transferência de renda e de especialização que passam pelas mãos do Estado, Então, a mudança vem da melhoria desses processos. 

Entender isso me motivou bastante e colocamos em prática durante esses três últimos anos de atuação. 

O +Unidos tem uma visão bem diferente daquela em que você atuava antes. Isso te assustou de alguma maneira? Teve medo de ter feito uma escolha que ia te afastar, por exemplo, de um networking que você já tinha?
Eu morria de medo… Não apenas disso, mas também de algo que eu busquei – liderar uma organização. Na Yunus Social Business, eu tinha o papel de gerente do portfólio, cuidava dos negócios; porém, não tinha uma equipe que respondia a mim. Era um desafio que fazia sentido na minha carreira, mas tive medo. 

Confesso que boa parte das minhas conexões eram no setor de negócios de impacto social. Apesar de ser um setor muito similar, fui aprendendo e fazendo o networking no terceiro setor – de filantropia e ONGs.

Uma parte do desafio foi buscar, dentro da minha equipe, pessoas que me complementassem e conhecessem melhor o terceiro setor para me auxiliar nessa parte. Lembrando um pouco da primeira pergunta que você fez, existe certo preconceito contra ONGs – “não são muito estruturadas, você não tem recursos etc”. Foi esse o motivo de eu ter escolhido ir pro setor 2.5. 

Na época ouvia-se muito a frase: “Entre fazer dinheiro e impacto social, escolho os dois. Estou num lugar em que vou ganhar dinheiro, ter crescimento profissional e também causar impacto social”. Hoje em dia, sei que nada na vida é assim tão fácil

Existem os trade offs. Acredito que você pode ganhar dinheiro e fazer o bem. Talvez, ganhe menos dinheiro. Ou talvez faça menos o bem, mas não importa.

O +Unidos sempre trabalhou com a Missão Diplomática dos EUA, com empresas e com pessoas que acreditam numa visão empresarial de responsabilidade social. Hoje, conseguimos ser, praticamente, empreendedores. Temos um conselho e um comitê gestor, mas estamos aqui e tomamos as nossas decisões. 

Agimos como se fôssemos realmente uma consultoria ou uma agência, porque é no que a gente acredita, faz parte do nosso nascimento. Então foi algo que também me chamou muito a atenção aqui dentro.

Você chegou no Grupo +Unidos e o trem já estava andando fazia um tempo. Já existiam programas como Inova Educação (desde 2018) e Access E2C (desde 2019). Qual foi seu desafio pessoal ao sentar nessa cadeira e olhar esses programas? Teve gana de propor coisas novas? Qual era a sua grande vontade?
Quando eu cheguei, houve muitas oportunidades. Por conta da pandemia, as empresas buscavam muitas formas de investir. Por exemplo, fizemos doação de leitos de UTI e usinas de oxigênio, algo muito complicado. Dentro dos ritos normais de uma empresa é muito difícil você conseguir fazer. 

Existia uma emergência em Manaus, faltava oxigênio, mas até você acionar o compliance, achar o fornecedor, ver como fazer – o transporte seria via Força Aérea brasileira, daí teria um problema porque compliance e governança não permitem envolvimento com o exército. 

Você tem várias barreiras – que são normais dentro de uma empresa – que impedem uma ação rápida diante de algum problema, principalmente na pandemia, quando houve vários estímulos globais para agir.

Durante a pandemia, fizemos um projeto com a Caterpillar Foundation chamado Acelera Vacina, porque a fila da vacinação em Piracicaba (SP) estava uma bagunça. 

A gente contratou 50 pessoas, doou computadores e aumentou de seis para dez a capacidade de mesas de vacinação no ginásio, local que correspondia a mais de 80% das vacinações da região. Depois que aumentamos a capacidade, parou de ter fila e a gente conseguiu vacinar

Para doar leito de UTI, estive em regiões super remotas da Amazônia; visitei hospitais e fiz acordos de cooperação, mesmo sabendo que o setor público tem os seus riscos.

Doaríamos leitos de UTI para o Amazonas e Pará, mas era preciso fazer a adequação do hospital público pra eceber um leito de UTI – coisa que eu não sabia… a gente contratou uma consultora de saúde que nos ajudou a entender. 

Os hospitais do Amazonas fizeram esse trabalho, mas os hospitais do Pará não fizeram. Então, a gente não doou pro Pará e direcionamos para outras duas cidades no Amazonas. 

Por olharmos o mais o +Unidos como uma empresa mesmo – na qual fazemos projetos, temos as nossas margens, caixa, planejamento e sempre buscamos projetos grandes, em dólar, para ter um impacto social muito grande na população –, [isso] trouxe segurança para as empresas

Daí um projeto leva a outro, a gente ganha um pouco de notoriedade, passa a conseguir contratar mais talentos – pessoas que vieram de outros lugares e têm experiência. Tem sido uma jornada muito próspera.

No passado, existia a percepção de que o +Unidos era do embaixador dos EUA, então, muitas vezes entrávamos nas empresas via CEO. Só que quando acontecia de o CEO sair e ir para outra corporação, saíamos junto! 

Hoje em dia, ainda entramos pelo CEO, porque temos algumas conexões via C-level, mas, muitas vezes, as pessoas que estão no nível gerencial e realmente tocam a agenda ESG das empresas gostam da nossa proposta de valor. Conquistar essa pessoa é, pra gente, muito mais duradouro e perene, porque ela estará sempre lá. 

Temos uma taxa de associação – uma barreira simbólica para entrarmos dentro da organização –, mas, ao longo do tempo, a empresa nos vê como parceiros, executores. E isso ajuda muito. Conseguimos fazer vários projetos ao mesmo tempo, nos quais as empresas investem de forma conjunta em programas e eventos da embaixada americana 

Sinergia e articulação são as grandes palavras no +Unidos, porque construímos em cima disso.

Essa taxa de associação é revertida para projetos em que a própria empresa que aderiu vai participar? Ou não necessariamente?
Não necessariamente. A taxa de associação do Grupo +Unidos, desde o começo foi fixada em 10 mil dólares; então, hoje gira em torno de 50 mil reais e é paga em reais com o objetivo de ajudar a operação do +Unidos. 

As empresas nos apoiam porque entendem que o que fazemos tem valor e isso alavanca todo o resto das operações. 

Algumas pessoas ainda não entenderam, mas para nós vale mais pegarmos 500 mil reais e investir em talentos e salários competitivos, para termos uma equipe boa e formada – porque é ela quem libera grants [doações filantrópicas] e awards [prêmios ou recursos de editais] do mundo inteiro – e aumentarmos os nossos projetos.

A verdade é que existem muitos recursos no mundo para serem investidos em impacto social, mas muitas vezes você não tem esse elo, não tem uma ligação entre a pessoa que capta os recursos e executa projetos e o dinheiro 

E é preciso ter pessoas com conhecimentos e experiência no setor; às vezes, elas precisam falar inglês. Não posso contratar uma pessoa dessas e saber que ela ganha 50% do que uma empresa paga. 

É claro que ela pode ganhar menos do que em outro local – mesmo porque as próprias empresas competem entre si pelos talentos –, mas não podemos reter as pessoas somente pelo impacto social. 

Temos de ter as pessoas sabendo que ganham 10% ou 20% a menos que no setor privado, porém para ela está ok, porque ela tem um ritmo de crescimento aqui dentro, que ela vai continuar a se desenvolver na organização!

Essa profissionalização do serceiro setor é essencial e as empresas têm de entender isso. A taxa de associação vem para valorizar o time, para que possamos fazer projetos mais legais e evoluir.

A Missão Diplomática Americana ou a USAID tem um compromisso formal de aportar dinheiro? Ou trazem mais o peso dos relacionamentos?
O +Unidos foi criado pelo embaixador Clifford Sobel, 15 anos atrás. Nesse meio-tempo houve vários embaixadores, inclusive passamos por uma transição de quase dois anos na embaixada – Elizabeth Frawley Bagley acabou de chegar e ainda não tivemos uma conexão muito profunda. 

É legal dizer que não dependemos da embaixada, dos embaixadores e de nenhum dos órgãos da missão diplomática para sobreviver. Até 20 dias atrás, a USAID nunca tinha colocado recurso dentro do +Unidos. Era só apoio!

A gente tem uma diversificação de recursos que é essencial para termos a nossa independência. Parte da nossa essência é a nossa agilidade, é termos todo apoio da embaixada dos EUA, sem estarmos ali dentro, onde os timings seriam diferentes e haveria certa burocracia. 

Em 2020 e 2021, 75% do recurso que a gente recebeu era de empresas e 25% era do governo dos EUA. Ano passado, foi 60% do governo e 40% de empresas, que investiram menos por conta de ajustes ao final da pandemia. E os recursos que recebemos são para executar os projetos. 

Aqui temos um menu com diversos projetos nas mais diferentes frentes. As empresas podem se interessar em projetos de: empreendedorismo feminino com AWE (Academy for Women Entrepreneurs); empregabilidade com TEConecta e Vertentes; ensino de tecnologia com Componentes de Inovação e Robótica, Inova Educação, ONE – Oracle Next Education e Programa de Bolsas Conectando Sonho e Realidade; educação em inglês com Access E2C (English to Connect, Communicate, Catalyze), Access Amazon, Access E2C Alumni e Jovens Embaixadores; e conservação de biodiversidade.

Queremos ter um cardápio muito variado de projetos – essa é a nossa ideia para captar tanto aqui quanto nos EUA e outros lugares.

O primeiro projeto que a USAID fez com o +Unidos foi assinado na segunda semana de maio e lançaremos no dia 13 de junho. É o maior projeto da história do +Unidos – 2 milhões de dólares. Vamos levar internet para uma cidade na Amazônia e tentar provar a tese de um desenvolvimento sustentável na região através da conectividade, mantendo a floresta de pé

Como desenvolver o potencial das pessoas que moram lá? Porque existem pessoas que precisam viver, se desenvolver, consumir, ter lazer e melhorar a qualidade de vida – porque a renda é muito baixa, em comparação com os outros estados – sem destruir a floresta!

É fácil falarmos daqui [de São Paulo, onde fica a operação do grupo] que não queremos a destruição da floresta, mas às vezes, pode ser a única forma de renda de uma família, cidade ou região. Queremos trazer outras formas de renda para pessoas e negócios pela conectividade.

Além de conectar 750 casas, doaremos computadores para todas elas e faremos cursos de formação tanto em empreendedorismo, quanto em tecnologia para que essas famílias se capacitem, possam arrumar novos empregos e, ao final do programa, consigam pagar pela sua própria internet.

Hoje, um plano de internet pode representar 20% da renda média de uma família. Se aumentarmos a renda, talvez consigamos manter a internet no longo prazo. 

Rede Amazônia +Conectada é o primeiro projeto da USAID, o que pra nós é um marco, uma honra virar parceiro implementador dela e ter projetos grandes. É um reconhecimento enorme da nossa metodologia e da maturidade do +Unidos. E é um projeto para qualquer outro implementador ou outra organização. Atingimos isso por mérito. O projeto começou através de um edital feito pelo +Unidos com a USAID – que garantiu todo o recurso. 

A beleza do +Unidos é que, a partir do momento que temos o projeto estabelecido e com recurso, fica muito fácil chamarmos as empresas e elas quererem participar, porque já é um projeto tão grande que elas falam: “Eu preciso participar disso. Me fala como posso ajudar”

 Voltando à resposta, sempre teremos uma proximidade muito grande com a Missão Diplomática Americana mais na parte de executar projetos e trazer programas – o que é chamado de private sector engagement, que é engajar o governo dos EUA e o setor privado em programas de impacto social. 

Para a gente, isso tem um valor muito grande e fazemos aqui de uma forma única. Ano passado, estive no Peru conversando sobre a possibilidade de levar o +Unidos para lá, que também tem uma operação da Missão Diplomática Americana muito grande na região.

Observamos que, às vezes, a missão diplomática tem dificuldade em realizar esse private sector engagement porque as coisas dentro da embaixada acontecem de outra forma, não têm a mesma flexibilidade. Vemos o +Unidos como uma ferramenta de aproximação também em outras regiões do mundo. 

Como é feito o “onboarding” de novas empresas associadas ao grupo +Unidos? Existe um teste de fit cultural? Mesmo com projetos “de prateleira”, é fácil manter coerência entre ações feitas por 17 organizações que atuam em mercados diferentes e possuem culturas organizacionais diferentes? Qual é o segredo?
Às vezes, eu converso com o time sobre isso… o +Unidos é menos radical do que a gente é pessoalmente, porque é uma associação de empresas americanas. Aqui, temos bancos, empresas de mineração, petróleo, tecnologia e estamos aqui em prol do investimento social.

Acho que temos a coerência de trazer investimentos sociais dos EUA para o Brasil, ou de empresas brasileiras, da forma mais eficiente possível, procurando projetos que têm escala, eficiência e métrica comprovada

Então, às vezes, temos o Bank of America e o Citi investindo no mesmo programa – e eles são concorrentes. Essa é a beleza do que fazemos.

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