Quando você tem uma ideia fora da caixa, mas essa ideia é justamente encaixotar água mineral… E dá super certo. Esse é um resumo-relâmpago do que aconteceu com Fabi Szwarcgun Tchalian, 34, cofundadora da Água na Caixa.
A empresa vende água envasada em uma embalagem cartonada reutilizável, 100% reciclável, com matéria-prima 88% renovável (na versão de 500 ml, 53% dela é papel de madeiras de florestas certificadas e 35% plástico verde, de cana de açúcar, incluindo o topo e a tampa). A fonte fica em Pinhalzinho, a cerca de 150 quilômetros da capital paulista.
A marca se anuncia como a primeira água mineral carbono neutro do Brasil, compensando 100% de suas emissões. “Nossa caixa é a única que não tem embalagem transparente, mas é a mais transparente de todas na comunicação com o consumidor”, diz a empreendedora. Segundo ela, o que a empresa vende não é a água mineral em si:
“Se a gente fosse concorrer com o que existe no mercado, ninguém iria entender nosso produto, pois o preço é três vezes mais caro do que uma garrafa de plástico. Estamos em outra categoria, mas não na de água. O que vendemos são três coisas: inovação, experiência e sustentabilidade”
Fabi cofundou a Água na Caixa junto com o primo, Rodrigo Gedankien, e lançou o produto no mercado em janeiro de 2021. Esta história, no entanto, começou em 2016, com uma viagem aos Estados Unidos. De lá até aqui, a empreitada exigiu pesquisa, validação e amadurecimento — da ideia e da dupla de empreendedores.
Formada em economia, Fabi trilhou uma carreira de sete anos na P&G e teve uma passagem rápida pela Amazon.
Na época em que estava na empresa de bens de consumo, ela começou a sentir vontade de ter seu próprio negócio ao observar o dia a dia do então namorado, hoje marido, que empreende no mercado de calçados infantis. E pediu a ele dicas de onde começar a buscar ideias.
“Ele falou para eu aproveitar um viagem que tinha para os EUA, porque viagens são sempre oportunidades de ver coisas novas, observar tendências na prática.”
E foi o que fez. Em Salt Lake City, em Utah, ela teve contato com a marca Boxed Water is Better ao pedir uma água e uma torrada em um café.
“Quando a garçonete entregou a bandeja, eu disse que tinha pedido água, não leite, porque veio uma caixinha branca em vez de uma garrafa pet. E ela respondeu que era água, sim”
Fabi conta que achou a embalagem muito bonita. “A estética foi a primeira coisa que me chamou atenção. E no momento seguinte, fui entender, no verso do produto, que havia uma razão de sustentabilidade por trás da caixinha por conta da pegada de carbono menor, do transporte mais efetivo e fontes de matéria-prima renováveis.”
Naquele mesmo dia, ela mandou um e-mail para Rodrigo, convidando o primo para que juntos criassem algo parecido no Brasil. Apesar de ser formado em design industrial, Rodrigo construiu sua carreira na área comercial, com passagens pela Down Química, PPG Industrial e na trader Tricon Internacional.
“Crescemos juntos, nossas mães são irmãs, então tudo que a gente tem de valores e princípios é parecido. Pensei que com a minha experiência de gerente de projetos na P&G eu conseguiria fazer uma água numa caixa. Mas precisava de alguém que me ajudasse a vender em escala. Aí lembrei dele porque o Rodrigo é o melhor vendedor que já conheci!”
Fabi trouxe a caixinha da Boxed Water is Better na bagagem e ela e Rodrigo começaram a conversar com diversas pessoas para entender se a ideia tinha validade.
“Dentre essas conversas, um ex-diretor responsável por águas na Danone foi muito categórico e disse para não levarmos o projeto adiante porque água no Brasil não dava lucro”, lembra a cofundadora. Porém, outras pessoas, ao longo da construção do negócio, embarcaram na ideia e quiseram participar do empreendimento.
Assim, a dupla encontrou o primeiro time de sócios: Eduardo Eisler (ex-VP de estratégia de negócios da Tetra Pak no Brasil), Gabriela Onofre (com quem Fabi trabalhou na P&G e, mesmo após sua saída, tornou-se sua mentora) e Guilherme Sobral (um dos sócios do empório Casa Santa Luzia).
Ainda no começo da operação, Fabi tirou licença maternidade. Nesse momento, o irmão dela, Marcelo Szwarcgun, entrou como sócio do negócio, para para dar uma força na ausência dela. Hoje, ele cuida da parte de supply chain.
Para dar início aos testes de viabilidade da proposta do negócio, o time lançou mão de uma estratégia mais ousada:
“Como não tinha nenhuma empresa no Brasil com uma máquina que fizesse o envase de água em caixa, até então realizada só em garrafa PET, o MVP foi feito importando um produto da Patagônia: a água glacial Anoka”
Ela vinha na caixinha, mas segundo Fabi, não tinha nada a ver com o que ela sonhava em fazer. “Era uma embalagem do tipo de água de coco, na frente tinha umas montanhas de gelo, não estava escrito água mineral, que é uma coisa que aqui no Brasil todo mundo conhece.” Mas serviu para o teste.
Nesta época, a dupla teve três principais clientes por conta da pegada da inovação e sustentabilidade: o Santa Luzia, a Adidas (que estava fazendo o lançamento de um tênis de corrida confeccionado com plástico retirado do oceano, e por isso não poderia ter garrafas de plástico em seu evento) e o Otávio Café.
A partir dessas experiências, Fabi e Rodrigo começaram a criar um plano de negócio, que se concretizou quando Guilherme Sobral, do Santa Luzia, procurou a empreendedora para dizer que um cliente dele estava interessado nas caixinhas. Foi aí, aliás, que ele entrou como sócio.
O cliente era uma rede de hotéis que pretendia trocar todas as garrafas de plástico pela versão mais sustentável oferecida por Fabi e Rodrigo, o que representaria um pedido de 150 mil unidades por mês.
“Fomos então na Tetra Pak apresentar um plano de negócios real e viram que tínhamos demanda. E conseguimos alugar deles a máquina de envase, única na América Latina, para poder lançar o produto.”
Aí foi a hora de captar fundos para começar a operar.
“No final de 2019 para começo de 2020, assinamos com a Tetra Pak e tínhamos um origami, um papel no formato de caixa, com uma tampinha que pegamos de outro produto. Este era o nosso protótipo. Com ele, fomos atrás dos investidores”
Em uma rodada Family and Friends, eles captaram 3 milhões de reais por 13% de participação, com post-money valuation de 23 milhões de reais, segundo a empreendedora.
Enfim, na hora de lançar, os empreendedores escolheram montar um press kit, com um filtro de barro em forma de caixa, feito pelo MÃOS – Movimento de Artesãs e Ofícios do Vale do Jequitinhonha, e uma carta sobre a empresa.
A mensagem, segundo Fabi, dizia que a Água na Caixa é a melhor alternativa para o consumo de água mineral, fora de casa. Dentro de casa, a recomendação da própria empresa é que se use o filtro.
A cofundadora conta que a Água na Caixa foi lançada com três objetivos que até hoje são os mesmos. O primeiro é tornar o ato de beber água o mais simples e sustentável possível.
“Não adianta falar que o mais simples e sustentável é ter filtros espalhados na Faria Lima e na Paulista e ninguém nunca mais precisar comprar água ou todos os restaurantes oferecerem a água da casa. Seria o ideal, mas hoje ainda não é possível. A Água na Caixa é o primeiro passo em relação a esse ideal”
O segundo é ser “a primeira marca mineral a ocupar um espaço no coração do consumidor”. Fabi afirma que esse objetivo já foi alcançado, porque todos os dias a empresa recebe demonstrações orgânicas nas redes sociais de como as pessoas que consomem o produto são “apaixonadas” pela marca.
O terceiro objetivo é tirar a água da “prateleira” de commodity e dar uma roupagem “artística” ao produto.
“Somos a primeira marca a incentivar a reutilização da embalagem. Como vou fazer a pessoa se sentir provocada a reutilizar aquele produto? Só se ele for muito bonito; caso contrário, vai jogar no lixo. Por isso, trazemos esse aspecto da arte para caixa”
A empresa já produziu dois packs colecionáveis no último ano, convidando artistas para criar suas artes baseadas em campanhas. A primeira foi sobre água; a segunda seguiu o tema “brasilidades”. A intenção agora é produzir essas coleções duas vezes por ano.
Desde o começo, a proposta da Água na Caixa era ser consumida fora de casa. Mas na época do lançamento, em janeiro de 2021, as pessoas ainda estavam reclusas por conta da pandemia de Covid-19.
A solução, diz Fabi, foi fazer um ajuste temporário de rota:
“Entramos no varejo para as pessoas poderem experimentar nosso produto e reutilizar a caixinha em casa. Era o que tinha para o momento e depois nos reorganizamos”
Ela diz que a resposta dos varejos foi muito positiva e que se mostraram interessados em colocar os produtos em suas gôndolas, principalmente pelo aspecto de inovação. Hoje, a empresa está nos principais supermercados regionais de São Paulo, como Mambo, Hirota, Pão de Açúcar, Carrefour, St. Marche e empórios como Eataly, Santa Luzia, Santa Maria e São Paulo.
Depois que a pandemia passou, a empresa voltou a focar no seu objetivo inicial, que é o consumo fora da gôndola, conhecido como on trade, que seriam os restaurantes, bares, cafés, e sorveterias. Entre esses clientes é possível citar o Mani (incluindo aí o Manioca e a Padoca do Mani), o Day Coffee a Bacio de Latte.
Hoje, são mais de 6 mil pontos de venda abastecidos pela empresa, que tem capacidade de produzir mensalmente 4 milhões de unidades de caixinhas. Para ter uma ideia de preço, que varia conforme o estabelecimento, na Casa Santa Luzia, por exemplo, é possível encontrar a embalagem de 330 ml por R$ 4,90 e a de 500 ml, por R$ 5,20.
Outras duas frentes da empresa são os hotéis (entre eles Casana, Kenoa, Rede Accor, Rede Fasano e Rosewood) e eventos.
A Água na Caixa foi a responsável por abastecer com 240 mil unidades o backstage da turnê do Coldplay no Brasil (incluindo distribuição na área premium), marcou presença também no último VTEX Day, em abril de 2022, e estará com suas caixinhas no backstage do Web Summit Rio, em maio.
“Ainda não somos perfeitos, mas vamos chegar lá”. A frase, na embalagem da Água na Caixa, se refere à porcentagem (88%) de materiais renováveis das caixinhas.
Foi seguindo esse mantra de buscar a perfeição que, após o primeiro ano de operação, a empresa decidiu compensar suas emissões de carbono. Fabi afirma:
“Fizemos um estudo em colaboração com a WayCarbon e chegamos à conclusão de que a nossa pegada de carbono é três vezes menor do que a da garrafinha de plástico. Mesmo assim, decidimos compensar para nos tornarmos a primeira e única água mineral carbono neutro do Brasil”
Para entender melhor, a pegada de carbono de uma caixa do produto equivale a 0,08 kg CO2e. Para compensar essa emissão, em parceria com o Programa Amigo do Clima, a Água na Caixa escolheu o projeto de Redução do Desmatamento e da Degradação Florestal no Pará (REDD).
A partir da implementação do Projeto REDD, como um todo, estima-se que 9.432.299 toneladas de dióxido de carbono serão evitadas em um período de dez anos.
No mercado já começam a aparecer opções de água em lata, o que poderia ser uma alternativa ao que oferece a empresa de Fabi. No entanto, segundo ela, a lata não é exatamente uma opção mais sustentável. A empreendedora compara o que existente hoje no mercado, levando em conta quatro pontos: reutilização, matérias-primas renováveis, reciclabilidade e compensação de carbono.
“A lata não é reutilizável. O plástico e o vidro são, no sentido teórico, mas não têm o nosso apelo estético. Em termos de renovabilidade, o nosso produto tem 88% de suas matérias-primas renováveis; já no caso do plástico, vidro e alumínio, é zero”
Por outro lado, na reciclagem, para o consumidor final, aparentemente há uma grande diferença. “A lata é 98% reciclada, o plástico é 23% e a Tetra Pak é 34%”, diz Fabi. “Mas, no ponto de carbono neutro, somos os únicos, pois nenhuma das outras opções foram construídas com margem para pagar essa compensação.”
Diariamente, diz Fabi, a Água na Caixa recebe pedidos de bonificação de água para eventos. Ou seja, os eventos pedem para a Água na Caixa distribuir seu produto de graça em troca da publicidade da marca.
“Para muitos eventos, vale a pena, porque tem gente do meio que eu preciso impactar. Mas tem centenas de outros eventos que não têm a ver comigo. Mas eles querem água na caixa e não em garrafa. Fiquei pensando como aproveitar essa oportunidade.”
Ela se inspirou no último VTEX Day, que vendeu uma cota de água. Empresas que queriam ter seu logo na água distribuída pela marca de Fabi no evento pagavam determinado valor.
A partir deste insight, Fabi decidiu transformar sua embalagem em mídia, criando um novo modelo de negócio de serviço chamado Água na Faixa, já que no fim do dia a água sai de graça para o evento e para os participantes. Quem banca é a marca que quer se divulgar.
“Mas esse custo de ativação é bem mais baixo do que se a marca tivesse que montar um estande no evento, por exemplo”, explica a empreendedora. A Água na Caixa já realizou uma experiência do tipo com a Malwee, com as caixinhas sendo distribuídas no réveillon de Pipa (RN). A tiragem mínima para esse serviço é de 30 mil unidades.
“Estamos super abertos a ouvir o que a marca deseja”, diz Fabi. “Por exemplo, se o sonho dela é ter a marca dela no Web Summit, mas ela não consegue porque é muito caro, a gente pode oferecer água de graça para o evento com divulgação dessa empresa. Mas tudo isso tem sempre que ser bom para os três: para a gente, para a marca e para o evento.”
Além do novo serviço, Fabi diz que ainda este ano a empresa vai lançar três produtos que complementam a “jornada de hidratação” do consumidor. Um deles é uma água com gás — uma demanda constante dos clientes, segundo a empreendedora.
Sobre os outros dois produtos, por enquanto ela não dá muitos detalhes, mas solta algumas pistas. No segundo semestre, a Água na Caixa apostará em um produto de água para o público infantil, que vai ajudar as famílias a fazer as crianças tomarem água.
“Ele será voltado para a questão da saudabilidade. A minha geração bebeu refrigerante quando era criança de forma natural. Passados 30 anos, eu tenho uma filha pequena e não dou refrigerante para ela de jeito nenhum. Por outro lado, o que dou no lugar? Um suco de caixinha. Mas a melhor coisa é dar água”, diz.
A empreendedora prossegue com o raciocínio:
“Vi que existe uma oportunidade aqui de ser a marca que vai ajudar as mães a darem esse próximo passo. Elas saíram do refrigerante e foram para o suco de caixinha; agora acredito que querem sair do suco de caixinha e ir para a água, mas precisam de um produto que auxilie neste processo”
O terceiro produto, previsto ainda para este semestre, é um pó que, dissolvido em água, ajudaria a melhorar a hidratação do corpo.
“Vou usar o exemplo do soro caseiro, que tem na fórmula sal, água e açúcar para explicar o funcionamento. A mistura do sal e açúcar faz com que as células do corpo ‘bebam’ mais água. É mais ou menos isso que eu posso dizer até agora sobre a proposta deste novo produto.”
Fabi faz questão de deixar claro que este não será um isotônico, e sim uma nova categoria de produto a ser lançada pela marca. E se diz ansiosa, inclusive como consumidora:
“Não tem aquele ditado, ‘casa de ferreiro, espeto de pau’? Tenho uma vida completamente maluca, com dois filhos, casa, marido, empresa, funcionários, família. Não consigo parar para beber água. Então, preciso de ajuda para isso.”
Hoje, ela diz que o seu consumo diário de água gira em torno de 1 litro. “Mas eu deveria beber bem mais, e sei que outras pessoas vivem isso. Por isso, tenho confiança de que esse produto novo vai dar certo.”
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