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Brasileiro topa comer carne vegetal? Quantos migrarão para a picanha plant-based? Sobre a mesa, 600 milhões de reais

Dani Rosolen / 11 mar 2021
Lanche feito com o hambúrguer da Vegetarian Butcher, marca de carnes plant-based da Unilever.
Dani Rosolen - 11 mar 2021
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Você já considerou reduzir o consumo de carne? Se sim, saiba que você não está sozinho.

Segundo uma pesquisa do The Good Food Institute (executada em parceria como o IBOPE), 49% dos brasileiros tomou essa decisão entre maio de 2019 e abril de 2020. Divulgado em dezembro, o levantamento ouviu 2 mil pessoas das classes A, B e C, em maio do ano passado.

Esse estudo revela a ascensão dos flexitarianos. São consumidores que buscam reduzir a ingestão de carne por preocupações ambientais, de natureza ética ou por cuidados com a saúde, mas que não abrem mão totalmente do consumo da carne — e procuram, em paralelo, opções vegetais que imitam o aroma, o sabor e a textura da proteína animal.

Para abocanhar essa fatia do público (além dos vegetarianos e veganos, claro), foodtechs e gigantes da indústria alimentícia travam uma disputa acirrada. Nos últimos cinco anos, as vendas de substitutos da proteína animal cresceram 11% ao ano no país, segundo a Euromonitor. Em 2020, o setor faturou 418,7 milhões de reais — e esse faturamento deve dar um salto e chegar a 666,5 milhões de reais até 2025.

Mas do que estamos falando quando falamos em carne plant-based? Qual é a base vegetal desses produtos?

Na maioria das empresas em operação no Brasil, estamos falando de grãos — ou das proteínas deles, isoladas em laboratório.

A seguir, destrinchamos os principais players desse mercado, seus desafios e estratégias.

FAZENDA FUTURO

A Fazenda Futuro quer competir com os frigoríficos.

Grão de bico, ervilha e soja não-transgênicos são a base das almôndegas, carnes moídas, frangos, hambúrgueres e linguiças plant-based da Fazenda Futuro

A foodtech fundada em 2019 sacudiu o mercado no país com sua primeira linha de produtos. Segundo Marcos Leta, fundador da startup (confira nossa entrevista completa), ao longo do tempo, a equipe de desenvolvimento foi se desafiando: 

“Depois de atingir o aroma, sabor e textura, fomos colocando novas variáveis para serem alcançadas como maciez, conseguindo dar a elasticidade da carne, algo que geralmente os vegetais não têm”

Em janeiro de 2021, a Fazenda Futuro lançou uma nova versão de seu hambúrguer, com óleo de coco e canola na receita. 

“O Burguer 2030 é muito mais saboroso, saudável e sustentável, além de ter menos calorias, sódio e teor de gordura do que a versão 2.0”, diz Marcos.

NOTCO

A foodtech chilena NotCo está no mercado brasileiro desde 2019 (leia nossa entrevista com o fundador).

Eleita recentemente em um ranking da Fast Company como uma das dez empresas mais inovadoras da América Latina, a startup utiliza uma inteligência artificial (batizada de Giuseppe) para testar e definir as formulações veganas de seus produtos — maioneses, leite, sorvetes e hambúrgueres. Segundo o country manager Ciro Tourinho:

“O Giuseppe usa o machine learning para aprender e se retroalimentar. O primeiro produto da NotCo, a NotMayo, demorou 18 meses para ser feito. Já o hambúrguer levou [apenas] dois meses de desenvolvimento”

O Not Burger leva uma série de ingredientes, inclusive cacau.

Comparados aos de outras marcas, os insumos da carne vegetal da NotCo são mais variados.

O hambúrguer da NotCo leva proteína de ervilha, óleo de coco e de girassol, fibra de bambu, cacau em pó, proteína de arroz, beterraba (para emular o aspecto de carne “sangrenta”), e têm suplemento de ferro, zinco, vitamina A, B9 e B12. 

Mesmo com a inteligência artificial, o fator humano ainda é fundamental, diz Ciro.

“O sabor fica por conta do Giuseppe, mas ele não chega na textura — isso é algo que nossa equipe faz testando. E não adianta ter um gosto de hambúrguer se não tem a textura.”

SADIA (BRF)

Em março de 2020, chegou ao mercado a linha Veg&Tal, da Sadia (marca da BRF, dona também da Perdigão), que inclui hambúrguer e nuggets à base de proteína de soja e de trigo, com aromatizantes naturais. 

A linha Veg&Tal tem duas opções de carne plant-based.

Os produtos são enriquecidos com B12. Segundo Demetrio Teodorov, executivo de inovação da BRF:

“Foi um soft launch para entendermos o mercado e agora em 2021 colocar em prática todas as estratégias que desenvolvemos com o lançamento de seis a dez produtos por trimestre”

 

Demetrio diz que o know-how da empresa foi fundamental para superar os desafios:

“Temos aptidão corporativa de pesquisa, desenvolvimento e da área de novos negócios em olhar para uma melhor formulação e para uma embalagem com mais informações.”

Para chegar ao sabor e à textura de seus dois produtos que imitam carne, a empresa pesquisou 14 diferentes tecnologias e aplicações e realizou teste sensorial com equipe externa e interna da BRF.

SEARA (JBS)

A Seara, marca da JBS, lançou a Incrível, sua linha de carnes vegetais, em janeiro de 2020. 

Além de proteínas de ervilha, soja e trigo, os produtos levam o que a empresa chama de biomolécula I, desenvolvida no hub de estudos da empresa. 

“A biomolécula I é um conjunto de aromas extraídos da natureza e que concede sabor e textura de carne aos produtos”, diz Renata Nascimento, gerente de P&D Inovação. 

Os produtos da linha Incrível, da Seara, são feitos a partir da biomolécula I.

Os produtos são enriquecidos com ferro e B12. Há 13 itens no catálogo, que incorpora versões de carne bovina, suína, aves e pescados, além de pratos prontos como escondidinho e frango oriental.

Raphael Cumplido, gerente executivo de marketing da Seara, diz que, além dos desafios técnicos do plant-based, foi preciso trabalhar a cultura interna da companhia:

“No começo, causava uma certa estranheza, por sermos uma empresa de proteína animal. Mas mostramos para o time que, sendo uma empresa especialista em carne, seria um diferencial competitivo investir também na categoria plant-based.”

SUPERBOM

Muito antes que se falasse em “foodtech” e “plant-based”, a quase centenária Superbom já produzia carnes vegetais. À venda desde 1969, esses enlatados à base de soja e glúten não têm intenção de imitar a carne. 

Hoje, porém, a empresa tem uma linha de 18 opções de congelados plant-based, como empanados, filé de frango, hambúrguer, linguiça e salsicha. Segundo David Oliveira, gerente de marketing:

“Nossa equipe de desenvolvimento e inovação testou mais de 100 tipos de proteína isolada de ervilha até chegar na fórmula ideal” 

A Superbom estudou 100 tipos de proteína isolada de ervilha para suas carnes.

Reproduzir a textura foi um dos principais obstáculos, em especial no caso das réplicas de frango:

“Conseguimos produzir um frango vegetal com fibras longas que desfiam. Foi um processo bem dispendioso de tempo, técnica e profissionais. Para este ano, vamos lançar a versão 2.0.”

A Superbom produz 41 toneladas de carnes vegetais por mês. Lançados entre 2018 e 2019, os congelados plant-based são enriquecidos com vitaminas A, B9, B12, ferro e zinco e estão disponíveis em mais de 25 mil pontos de venda em todo Brasil. 

THE VEGETARIAN BUTCHER (UNILEVER)

A The Vegetarian Butcher, empresa holandesa comprada pela Unilever em 2018, oferece no Brasil desde outubro de 2020 quatro produtos à base de proteína de soja: almôndega, carne moída, empanado de frango e hambúrguer. 

A The Vegetarian Butcher vende seus produtos apenas para o food service.

Atingir o sabor ideal foi o que levou mais tempo de desenvolvimento, diz Camille Lau, gerente de marketing da Unilever Food Solutions: 

“Ouvimos em pesquisas pessoas falando que desistiram dos produtos plant-based por causa do gosto. Elas achavam os produtos muito carregados de temperos. Pensando nisso, desenvolvemos uma tecnologia de aromatização própria para essa categoria”

Os itens são vendidos apenas para o food service. São mais de 180 endereços no Rio e em São Paulo. 

“Quisemos começar no food service, onde o consumidor pode ter uma primeira experiência com nosso produtos, e estamos estudando a possibilidade de oferecer também no varejo.” 

WESSEL

Empresa familiar há mais de 60 anos no mercado de carnes, a Wessel também resolveu entrar neste nicho. Em parceria com o fundo Bela Vista Investimentos, investiu 20 milhões de reais para construir uma nova fábrica e tirar do papel a Meta Foods

Os hambúrgueres da Wessel imitam a textura da carne animal, mas não o gosto.

Desde janeiro de 2021, a Meta Foods vende hambúrgueres à base de soja, em dois sabores (cebola e ervas; e páprica, tomate e alecrim). 

“Estamos agora desenvolvendo o empanado de frango, que deve ser lançado nos próximos meses e vai manter aquela textura e crocância da carne animal”, diz Titi Wessel, que toca a empresa com o pai, o fundador István Wessel.

Para István, a principal dificuldade foi replicar textura e suculência:  “Queríamos que essas duas características chegassem perto dos hambúrgueres que a gente produz de carne.” 

Outra missão foi criar sabores diferentes, comenta o fundador:

“Como não queríamos que nossos produtos tivessem gosto de carne, como é com a maioria dos plant-based hoje, pensamos em temperos e ingredientes naturais interessantes” 

Sim, esse é um dos lemas da Meta Foods: oferecer um hambúrguer plant-based que não tenha o sabor da carne animal — apenas a textura.

O CUSTO DA MATÉRIA-PRIMA É UM ENTRAVE PARA O GANHO DE ESCALA

Apenas 36,5% dos entrevistados daquela pesquisa do The Good Food Institute topariam pagar a mais por um produto análogo vegetal.

O pacote com duas unidades de hambúrguer vegetal custa R$ 17,99 na Sadia e na NotCo; R$ 22,99 na Seara; 19 reais na Superbom; R$ 18,90 na Fazenda Futuro; e R$ 19,90 na Wessel (a Vegetarian Butcher só abastece o food service, então não há como comparar o preço).

O custo da matéria-prima em dólar é um dos principais entraves para permitir o ganho de escala e reduzir preços.

“Hoje, grande parte da nossa matéria-prima é importada. Existe um trabalho grande, não só da NotCo, mas de outras empresas do setor, de desenvolver fornecedores locais”, diz Ciro.

Raphael diz que a Seara lida com o mesmo problema: 

“Muitos dos nossos insumos ainda são importados, temos o desafio de democratizar essa linha e nacionalizar os ingredientes para não ficarmos tão refém do dólar e da importação”

István, da Wessel, dona da Meta Foods, faz coro. “A soja pode até ser plantada no Brasil, mas a [nossa] matéria-prima não é a soja — é a proteína da soja, que vem de fora do país.”

A FALTA DE SUBSÍDIOS DESEQUILIBRA A COMPETIÇÃO COM A PROTEÍNA ANIMAL

O investimento em tecnologia acaba pesando contra a indústria plant-based, diz Camille, da Vegetarian Butcher:

“A carne de origem animal não demanda tecnologia, é uma indústria que tem seus subsídios, então é difícil de competir nesse contexto. Por isso, hoje o consumo do plant-based [ainda] acaba ficando para algumas ocasiões específicas”

Marcos, da Fazenda Futuro, também cita a questão dos subsídios. “O único jeito de diminuir custo é aumentar o volume — e contar com algum benefício para produzir plant-based aqui.”  

NA PANDEMIA, A DIGITALIZAÇÃO TEM AJUDADO A CHEGAR AOS CONSUMIDORES 

A pandemia, parece, despertou preocupação com hábitos mais saudáveis — o que se reflete nas escolhas alimentares. 

Para se conectar com o público em um momento de restrições no funcionamento dos restaurantes, a Fazenda Futuro resolveu investir em uma hamburgueria “dentro” do iFood (apenas para pedidos na capital paulista): a Futuro Station, com quatro opções de sanduíches plant-based, além de acompanhamentos, bebidas e sobremesas.

Outras marcas também enveredaram por essa estratégia. Além de manter uma loja online, a Seara lançou, no fim de 2020, em parceria com a ghost kitchen Taste Cloud, a Lanchonete Incrível, que vende hambúrgueres e cachorro-quente plant-based pelo iFood:

“Estamos num projeto piloto porque existe uma limitação em termos da área que a gente consegue atender em São Paulo. Mas a ideia é expandir essa proposta”, diz Raphael.

Com o mesmo propósito, a NotCo experimentou, entre outubro e dezembro de 2020, vender hambúrgueres plant-based por meio do restaurante Why Not, que funcionava com apoio de uma ghost kitchen e pedidos pelo iFood.

“Foi uma boa maneira de as pessoas experimentarem nosso produto, desde o hambúrguer à maionese e o sorvete usado nos milkshakes”, afirma Ciro. O Why Not foi desativado, mas loja online da NotCo segue vendendo e entregando produtos em São Paulo. 

A BRF também lançou seu e-commerce na quarentena, a Mercato em Casa, e a primeira loja modelo física, o Mercato Sadia, na Vila Leopoldina, Zona Oeste da capital paulista.

É O FIM DA PECUÁRIA? NÃO TÃO CEDO

A pecuária é responsável pela emissão de 7,1 gigatoneladas de gases de efeito estufa por ano. Além disso, traz dilemas éticos, devido ao confinamento e ao abate de animais.

Enquanto Fazenda Futuro, NotCo e Superbom já nasceram com o propósito de não envolver animais na produção, Sadia, Seara, Wessel e Unilever acreditam que a produção de proteína animal ainda é uma tendência.

A indústria da carne, de fato, não sofreu grandes impactos. A proteína animal manteve-se no prato de 99% dos entrevistados do The Good Food Institute. Para Titi, da Wessel, o crescimento do plant-based é uma realidade por enquanto restrita ao mercado A e B. 

“Existe uma demanda crescente por carnes vegetais, mas a quantidade de churrasqueiros postando nas redes sociais também aumenta. São dois movimentos meio antagônicos e simultâneos”

Raphael, da Seara, vai na mesma linha: “A gente ainda tem um público que consome os dois, não vemos essa linha canibalizando o consumo de nossos outros produtos”.

O FUTURO DO SETOR PODE ESTAR NA CARNE CULTIVADA EM LABORATÓRIO

Os dois segmentos — proteína animal e plant-based — podem conviver bem, mas com estratégias claras para a divulgação de cada um, explica Demetrio, da BRF:

“Se é um produto meat like, provavelmente vamos tocar o coração de um curioso ou de um flexitariano, que não come carne às segundas-feiras, por exemplo. Se o foco for os vegetarianos, temos que pensar em expor nas embalagens os selos de certificação” 

Recentemente, a BRF deu um passo além e se tornou a primeira empresa brasileira a se envolver no desenvolvimento de produtos diretamente a partir das células dos animais, a chamada carne cultivada. 

O anúncio foi feito no começo de março de 2021; a inovação será possível graças a uma parceria com a startup israelense Aleph Farms. Segundo a BRF, os produtos de carne cultivada devem chegar ao mercado brasileiro até 2024. 

 

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