A imensa maioria da população vive nos centros urbanos. A comida que a gente consome, porém, vem do campo.
Encurtar essa cadeia logística, evitar desperdícios e garantir o fornecimento de hortaliças fresquinhas são os objetivos da BeGreen. A empresa constrói e opera fazendas urbanas, instaladas principalmente no espaço externo de shopping centers.
Segundo Giuliano Bittencourt, 31, fundador da BeGreen:
“Aqui no Brasil existe um desperdício muito grande de hortaliças porque a cadeia é muito longa e cheia de intermediários. Nascemos para cortar essa cadeia e entregar um produto saudável, sustentável, direto para o consumidor – e sem desperdício”
Rúcula, agrião, folha de beterraba, alface, tomate, berinjela, pimentão, pepino e abobrinha são alguns dos produtos cultivados pela BeGreen.
A empresa apareceu aqui no Draft pela primeira vez em 2017. De lá para cá, deu um salto e vem ampliando a sua produção e a sua capilaridade.
O tema “alimentação saudável” ganhou relevância na vida de Giuliano a partir de 2014, e de uma forma especialmente dolorosa.
O pai dele era diabético e hipertenso. Naquele ano, pegou uma gripe forte e seu organismo não resistiu:
“Meu pai tinha 57 anos quando faleceu por causa de doenças causadas pela alimentação. Fiquei pensando que não faz sentido a gente ter uma alimentação ruim porque, um dia, o corpo vai cobrar”
Diabetes e hipertensão são doenças sistêmicas que crescem entre a população. Só o diabetes atinge cerca de 10,5% da população adulta no mundo, segundo o Atlas do Diabetes, lançado pela Federação Internacional de Diabetes em 2021.
Ambas podem ser controladas com a ajuda de uma alimentação mais saudável e nutritiva – que não precisa ser sinônimo de comida sem sabor e sem graça.
“A BeGreen vem para entregar sabor, frescor e ajudar as pessoas a descobrir que não existe só um tipo de alface, que a folha de beterraba tem sabor doce, que existe uma acelga amarela com um sabor mais doce…”
Formado em Administração Pública, Giuliano foi um dos fundadores do Seed, programa de aceleração de startups do governo de Minas Gerais.
Nessa fase, a serviço do governo mineiro, ele fez uma imersão no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, e pôde conhecer a proposta local de fazendas urbanas.
Foi assim que surgiu a inspiração para a BeGreen. Junto com (o hoje ex-sócio) Pedro Graziano, ele desembolsou 2 milhões de recursos próprios, como investimento inicial para tirar o negócio do papel.
Os primeiros testes da plantação hidropônica, tecnologia usada nas oito fazendas da BeGreen, ocorreram na propriedade arrendada de um amigo em Betim (MG). Ali, chegaram a produzir até 100 mil pés de alface, rúcula, agrião e temperos.
A iniciativa mostrou que a ideia funcionava, e tinha mercado. Assim, a BeGreen instalou sua primeira fazenda urbana em 2017, em uma área externa do Boulevard Shopping, em Belo Horizonte.
As 25 toneladas mensais de hortaliças produzidas pela BeGreen crescem dentro de estufas fechadas, no sistema hidropônico e sem o uso de agrotóxicos.
Segundo Giuliano, isso permite uma produtividade 28 vezes maior do que a tradicional:
“A gente consegue produzir controlando pH, condutividade elétrica, temperatura, umidade e luminosidade, deixando o ambiente propício para que cresça mais verdura mais por metro quadrado”
Além disso, o sistema fechado consome 90% menos água quando comparado com uma lavoura tradicional, em que a irrigação é feita na terra (com perdas consequentes por evaporação).
“No plantio hidropônico, todos os nutrientes são colocados na água onde as plantas são cultivadas e absorvidos diretamente pela raiz”, diz Giuliano. “Essa água recircula nos tubos e, ao final do processo, é usada na irrigação de jardins.”
As sementes são importadas da Holanda, país que se destaca na produção de sementes. As mudas são feitas no Brasil e todo o processo – fazer muda e colher – leva de 45 a 60 dias.
Pensando em diversificar o portfólio, a BeGreen testa o cultivo de melancia, melão, cenoura e até lúpulo.
“É possível cultivar praticamente tudo. Para ter escala comercial, é necessário fazer algumas adaptações, mas seguimos testando.”
Quando começou em 2017, a fazenda de Belo Horizonte da BeGreen foi considerada a primeira do tipo na América Latina.
Hoje, esse modelo já está mais disseminado e a própria empresa fez uma grande expansão, passando de uma para oito em cinco anos.
Essa expansão foi impulsionada pelo investimento de 14,5 milhões de reais feito, em 2020, pelo grupo Aliansce Sonae, que administra os shoppings onde as hortas estão instaladas.
“Cada vez mais as pessoas estão querendo soluções sustentáveis para seu dia a dia. Entramos nesse nicho de entregar um produto saudável, sustentável – e muito perto do consumidor”
No período entre 2018 e 2019, a BeGreen implementou duas fazendas: uma dentro da fábrica da Mercedes Benz, em São Bernardo do Campo (SP), e outra no Via Parque Shopping, no Rio de Janeiro.
Já entre os anos de 2021 e 2022 foram inauguradas hortas na sede do iFood, em Osasco (SP), e nos shoppings Parque D. Pedro (Campinas), Shopping da Bahia (Salvador), Passeio das Águas (Goiânia) e Plaza Sul (São Paulo).
As duas principais frentes de atuação da BeGreen são a venda B2B para restaurantes e o modelo Enterprise, focado em grandes empresas.
A venda para restaurantes representa cerca de 70% do faturamento. As hortaliças saem das fazendas instaladas nos shoppings e são colhidas no mesmo dia da entrega.
“Quando [o restaurante] compra de um produtor convencional, essa hortaliça chega em dois ou três dias e há um desperdício enorme, porque as folhas chegam murchas, amareladas… A gente consegue entregar no dia da colheita, e o restaurante aproveita 100%, sem desperdício”
No modelo Enterprise, a BeGreen constrói as fazendas sob demanda, de acordo com as necessidades do cliente, que hoje são dois: Mercedes Benz e iFood.
Na Mercedes, os produtos são vendidos para o refeitório da fábrica de São Bernardo do Campo.
“A Mercedes tinha um fornecedor que comprava hortaliças do Ceagesp, que por sua vez comprava de um agregador, que por sua vez comprava de um produtor…”, diz Giuliano. “Chegava até eles, e ainda tinha um desperdício de 40%.”
Já a horta do iFood, segundo o empreendedor, cumpre duas funções. Além do consumo próprio, parte da produção é doada para o banco de alimentos de Osasco, dentro da política social da companhia.
Por estarem localizadas em centros urbanos, diz Giuliano, as hortas da BeGreen cumprem uma função de educação ambiental.
Escolas, por exemplo, podem agendar passeios para os alunos conhecerem de perto as plantações.
Há também o programa Colha & Pague, que permite entrar na horta e colher suas verduras. “É um modelo de experiência, porque a pessoa entende como e por que a gente produz.”
Antes da inauguração da primeira unidade, em Belo Horizonte, Giuliano já tinha cogitado começar pela capital paulista.
“Naquele momento, não estávamos com o parceiro certo. Agora, com a Aliansce fica mais fácil de encontrar os lugares corretos, mas também ter uma parceria que vai além do lugar e chega em marketing e distribuição”
Há planos de expandir para outros pontos da capital (“quais” é uma informação que ele ainda prefere manter em sigilo). Enquanto isso, o desafio, além de preservar a qualidade dos produtos em meio ao crescimento, é organizar estruturalmente uma empresa que em pouco mais de um ano saltou de 30 para quase 100 funcionários.
“Além de escolher bem a equipe para fazer a expansão, estamos aprendendo como garantir que a cultura da empresa vai ser disseminada para três vezes o volume de colaboradores.”
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