Qual é o valor, de verdade, do seu produto ou serviço para o seu cliente? Responder a essa questão de forma mais precisa é o objetivo da Worthix.
Fundada em 2015 pelo carioca Guilherme Cerqueira, a empresa se anuncia como a primeira a lançar questionários autoadaptáveis para medir tomadas de decisões de consumidores — e entender por que alguns abandonam a marca em favor de um concorrente.
O nome da startup deriva da palavra inglesa worth, usada para designar o valor de algo — seja em dólares ou apenas em termos de “vale a pena”?
Em vez de um formulário fixo, as pesquisas são adaptadas pela inteligência artificial a partir de respostas anteriores, ajudando a abrir um “diálogo” entre as marcas e seus clientes, e permitindo que a companhia entenda o que relevante para o consumidor em cada cidade. Guilherme, 39, afirma:
“Assim, a gente empodera empresas que têm milhares de lojas. O que o cliente de San Francisco quer é diferente do que os clientes de Nova York e Miami querem”
As referências às cidades americanas não são à toa: para montar o negócio, Guilherme trocou o Brasil pelos Estados Unidos.
ANTES DA WORTHIX, ELE EMPREENDEU A QUESTMANAGER, NO RIO
Um cliente satisfeito é sempre “fiel”, alheio à busca de outras oportunidades? Nem sempre.
Essa “ficha” caiu para Guilherme em 2011. Na época, no Rio, ele estava à frente da QuestManager (hoje rebatizada de qwst), empresa de pesquisas de satisfação fundada em 1999 junto com seu irmão Gustavo.
Alguns clientes da QuestManager não viam relação entre os resultados das pesquisas aplicadas e a realidade de seu negócio. Apesar dos altos índices de satisfação, havia fuga de consumidores em níveis alarmantes.
Para ilustrar esse paradoxo, Guilherme cita o exemplo da BlackBerry:
“Em 2009, o índice de satisfação com a BlackBerry era recorde — mas foi também o ano em que eles mais perderam clientes para a Apple. Eu via isso acontecer cotidianamente com empresas que trabalhavam conosco”
Formado em Psicologia, o empreendedor percebeu que índices como o NPS (Net Promoter Score), que avalia o grau de recomendação de um produto ou serviço, poderiam ser insuficientes para entender a tomada de decisão dos consumidores.
“A BlackBerry não fez nada de errado, coitadinha. Só que a Apple fez algo que as pessoas acharam que valia mais a pena, então elas começaram a migrar para o iPhone.”
“VALE A PENA CONTINUAR COMPRANDO SEUS PRODUTOS OU SERVIÇOS?”
De 2011 a 2014, Guilherme mergulhou em pesquisas em busca de uma maneira confiável de avaliar o que de fato leva os clientes a fazerem suas escolhas.
Concluiu que, em vez de questionar a satisfação de seus clientes, as empresas deveriam fazer a eles outra pergunta, mais direta: vale ou não continuar comprando seus produtos ou serviços?
“Quando a gente pensa que algo ‘vale a pena’, combina não só o benefício, mas também o esforço e o custo. Quanto dinheiro eu tenho e quanto estou disposto a gastar? Quem são os concorrentes que fazem uma oferta para aquele mesmo produto?”
Muitas vezes, diz Guilherme, o consumidor não está satisfeito com uma empresa, mas entenda que é a “menos pior” do mercado, então continua com ela. E mesmo satisfeito, o cliente sempre pode mudar caso receba uma oferta que vale mais a pena.
PARA BOTAR A EMPRESA DE PÉ, ELE SE MUDOU COM A FAMÍLIA PARA OS EUA
Decidido a transformar esse insight num novo negócio, Guilherme deixou a QuestManager aos cuidados do irmão, enfrentou uma maratona até conseguir o visto americano e se mudou com a família para a Califórnia — em busca de apoio, no Vale do Silício, para desenvolver a tecnologia de sua nova empresa.
Com a experiência de quem empreendeu nos dois países, ele compara hoje o mercado brasileiro a uma escada rolante vazia que o empreendedor tenta subir pelo lado errado, enquanto nos EUA ele sobe no fluxo certo:
“No Brasil, o ecossistema ainda está em desenvolvimento, é muito retrógrado, então se você parar ele te joga para baixo. Nos Estados Unidos, você chega com mais velocidade, é um ecossistema maduro. A diferença é que nessa escada rolante tem muita gente tentando subir — e se você der mole, vão te jogar de lá de cima”
Foi um período difícil. Guilherme investiu uma grana do próprio bolso no negócio, e trocou, com a esposa e os dois filhos, a cobertura onde viviam no Rio por um quarto e sala em San Francisco, cidade que tem um dos custos de moradia mais altos dos EUA.
Gustavo, o irmão, entrou de sócio, se dividindo entre a QuestManager e a atuação remota como CTO da Worthix, responsável pela estrutura tecnológica.
DOIS PROGRAMAS DE ACELERAÇÃO AJUDARAM A IMPULSIONAR O NEGÓCIO
O negócio começou a “andar” de verdade a partir de 2016. Durante quatro meses, a Worthix foi acelerada pela 500 Startups. O processo ajudou Guilherme a desenvolver a tecnologia e a montar o plano de negócios, além de mudar a chave do seu “mindset”:
“Eu empreendia no Brasil com a visão de que o mundo era Rio-São Paulo. Numa aceleradora, eles te mostram que é muito mais do que isso. Um estado americano sozinho pode ter potencial de receita maior que o Brasil inteiro”
A partir de 2017, ele conquistou também um apoio da Georgia Tech, universidade com foco em pesquisas tecnológicas.
Trata-se de um programa contínuo, que dura até hoje, e que fez o empreendedor mudar sua empresa (e sua residência) de San Francisco para Atlanta, capital da Georgia, no sudeste dos Estados Unidos.
PESQUISAS DINÂMICAS PARA MEDIR UM MERCADO EM CONSTANTE MUDANÇA
Como criar questionários que avaliassem de forma confiável o que vale a pena para um cliente? E como tornar esses questionários igualmente válidos para diferentes áreas e indústrias?
“Ainda que eu criasse um primeiro questionário muito bom, ele ficaria caduco em pouco tempo, porque o mercado é dinâmico. Os consumidores estão mudando cada vez mais rápido, há sempre concorrentes entrando e saindo. Percebi que o questionário teria que ser um instrumento de diálogo com o cliente”
A solução encontrada foi, por meio de inteligência artificial, criar uma pesquisa autoadaptável que desse mais voz aos consumidores, com foco naquilo que o cliente gostaria de escutar (e não só no que as empresas desejariam saber).
Assim, não seria preciso desenhar questionários estáticos — em vez disso, as pesquisas se adaptariam de acordo com as respostas dadas pelos clientes. Às empresas, bastaria selecionar seu tipo de indústria, e a ferramenta faria o resto.
A FERRAMENTA DA STARTUP GERA UM ÍNDICE DE PERCEPÇÃO DE VALOR
A Worthix lançou seu serviço para o mercado em outubro de 2017.
A pesquisa-padrão tem oito questões e tempo médio de 2 minutos de resposta. A LUCI (iniciais de “Listen, Understand, Converse and Improve”), inteligência artificial da empresa, abre perguntas selecionadas a partir de cada resposta do entrevistado.
Segundo Guilherme, as pesquisas mudam de acordo com o aprendizado adquirido em interações com os consumidores, que já seriam milhares.
A partir das respostas coletadas, a ferramenta da startup gera um “worth index” de cada empresa, ou seja, um índice da percepção de valor dos consumidores, numa escala que vai de -100 a +100.
Essa variação é convertida pela Worthix num provável resultado financeiro para seus clientes, de forma a mensurar quanto o faturamento pode aumentar ou diminuir conforme a empresa consiga melhorar o seu worth index.
ENTRE OS CLIENTES, FORD, FIAT CHRYSLER, L’OREAL, SANTANDER, DISNEY...
Hoje, a startup atende 112 clientes, que pagam US$ 1,99 por questionário respondido mais uma licença anual, cujo valor varia em função do número pré-definido de questionários a serem respondidos no ano. Segundo Guilherme:
“Tem empresa pequena com alto volume e empresa grande com baixo volume. Ou seja, o tamanho da empresa não é diretamente proporcional ao preço que ela vai pagar. Depende dos objetivos do projeto e de quantas entrevistas serão necessárias para atender a estes objetivos”
Entre esses clientes estão grandes companhias de setores como o automotivo (Ford, Fiat Chrysler, GM, Volvo e Mercedes-Benz), financeiro (Santander), telefonia (TIM e Oi), cosméticos (L’Oréal) e entretenimento (Disney).
Além do worth index, as empresas têm acesso a relatórios detalhando como a decisão de seus consumidores é afetada, que servem de input a estratégias para reforçar sua lealdade e incrementar as vendas.
UM DOS PLANOS É CRIAR UMA PESQUISA VOLTADA PARA A ÁREA DE RH
A Worthix tem hoje 70 funcionários, divididos entre cinco escritórios: Atlanta (onde fica a sede), San Francisco, Toronto, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, a empresa recebeu US$ 9,3 milhões em investimentos até agora.
Em negociações para um novo aporte, Guilherme se esquiva de dizer o montante investido no começo e o faturamento atual (hoje na casa de “muitos milhões de dólares”). A ambição é tornar a Worthix um unicórnio até 2023.
Para o futuro, ele projeta uma nova proposta de pesquisa interna, voltada à área de Recursos Humanos.
“Queremos medir por que vale ou não a pena fazer carreira em uma determinada companhia, para que ela possa entender os valores que motivam seus funcionários e evitem sua saída para outras empresas”
Obviamente, a pandemia do coronavírus deve bagunçar os planos por enquanto, mas Guilherme é um entusiasta da internacionalização e planeja levar a Worthix para a Europa ou a Ásia.
“Os brasileiros podem ter mais destaque no cenário internacional se a gente pensar global”, afirma. “A síndrome do vira-lata tem que acabar.”
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