Outro dia li uma matéria na BBC, que dava conta do fato de as novas gerações terem pouco interesse em construir carreiras nas grandes empresas e almejar o topo delas.
Ou seja, para as novas gerações, a trajetória profissional que percorro há mais de 30 anos não faz muito sentido. Deve ser este o motivo dos olhares que vez ou outra recebo dos meus filhos adolescentes ao falar sobre os meus desafios corporativos na mesa de jantar (risos)
Quero, então, começar o ano buscando responder a essa pergunta que me fiz e faço sempre: afinal, para que serve ser um CEO?
Já contei em algumas oportunidades que senti o desejo de me tornar um CEO emergir quando eu era um office boy no Recife, tendo acabado de voltar de um intercâmbio cultural nos Estados Unidos. Eu era um office boy bilíngue, embora não usasse o inglês para nada nas filas dos bancos e salas de espera.
Vivia com uma sensação grande de derrota e, entre uma fila e outra, comecei a sentir a “gana” de progredir na vida. De ser líder em uma organização. Queria ser dono ou o presidente de uma empresa. O tal do “número um”!
Essa tal “gana”… Tenho refletido muito sobre ela.
Numa recente entrevista, Jorge Paulo Lemann disse que as pessoas podem estudar mais ou menos, mas o que ele considera mudar o jogo para o sucesso é a garra que elas têm para fazer acontecer.
Acho que essa força que eu sentia — e sinto– nas entranhas até hoje chama-se “gana” mesmo.
O fato é que se arriscar na vida dá medo. É como pular em uma piscina sem saber se ela está cheia de água. A garra, a “gana”, dá essa coragem.
Bom, daquele momento no Recife até abril de 2020 quando, finalmente, me tornei um CEO, muitas histórias foram vividas. E algumas delas, desde então, me fizeram entender melhor para que realmente serve exercer a posição do #1!
Como CEO, tenho a chance de criar oportunidades de desenvolvimento para os milhares de colaboradores com “gana de crescer” na empresa.
E ainda, a fim de aplacar a carência de profissionais de tecnologia no mercado — hoje são 100 mil vagas por ano em aberto –, tenho trabalhado com startups e ONGs na educação de outros milhares de brasileiros com “gana de uma chance” em TI
Aprendo todos os dias como CEO. Conheci mais sobre diversidade e pude atuar nesse sentido dentro e fora da empresa.
Participei da criação de estratégias de fomento à diversidade na organização que lidero e presenciei o surgimento de um novo senso de segurança psicológica e pertencimento em muitos dos nossos colaboradores.
Tive a chance de representar a empresa em diversos fóruns e grupos com outros CEOs também interessados em compartilhar conhecimento e contribuir no avanço deste tema. Tem sido fantástico!
Além de exercitar bastante o lado esquerdo do meu cérebro com todas as decisões a cerca do negócio, tive a oportunidade de aprender mais sobre o lado direito dele.
Como também diretor-presidente da fundação associada à empresa, pude patrocinar e apoiar alguns programas de impacto social, experimentando um pouco da alegria dos participantes e, principalmente, o orgulho e satisfação dos voluntários que se engajaram nos programas.
Sensacional poder proporcionar a chance de alguém exercitar seu propósito em um trabalho voluntário!
Nesses quase três anos como CEO, usei a tecnologia disponível (e criei alguns outros meios também) para poder respirar mais de perto as dores e as alegrias dos hoje mais de 5 mil colaboradores
Em conversas e encontros virtuais, por meio de posts nas redes sociais, pude inspirar as pessoas a estudar mais, a desejar mais, a encontrar a “garra” dentro de si mesmas.
Recebi centenas, talvez milhares de feedbacks de colaboradores que deram passos positivos nas próprias carreiras.
Jamais esquecerei do Jefferson. Ele era motorista de aplicativo em carro alugado e estudante de Direito. Estava com dificuldade para sonhar uma nova vida.
Jefferson estudou com muita garra e dedicação para aprender tecnologia em um dos cursos que comentei. Conquistou a oportunidade de uma carreira e depois engajou a companheira e a mãe no mesmo caminho.
Hoje os três têm trabalhos na área de tecnologia e possibilidade de carreira para a vida. Outro dia, ele me escreveu assim: “Meu filho nasceu numa excelente maternidade graças à chance que eu tive e não desperdicei”.
Como CEO, tive a oportunidade de fazer chegar a alguns dos milhares de Jeffersons que existem pelo Brasil a oportunidade de viver melhor e serem mais produtivos para a sociedade e para o mundo.
Quando se pensa sobre um cargo de CEO, muito se fala sobre os altos salários, os grandes bônus no final do ano.
Claro, o reconhecimento financeiro faz parte do pacote e é muito bem-vindo, mas o que dignifica a existência humana é estar a serviço de mais gente. Em especial daquelas que precisam e querem progredir!
A grande sacada é poder fazer tudo isso balanceando todos os lados da equação para sustentabilidade do negócio, seja ele empresarial, financeiro, social ou ambiental.
Poder fazer escolhas em alocar recursos da empresa em prol de objetivos mais amplos de sustentabilidade (hoje conhecidos pela sigla ESG) e que resultem, claro, na conquista das metas da companhia.
Toda a bagagem de conhecimento que acumulei até aqui me serve para isso: equilibrar todos os pratos em prol de diferentes públicos — desde os investidores até os ainda excluídos do mercado de trabalho (por falta de formação, por exemplo).
É bom começar um ano respondendo a uma pergunta contundente como essa: afinal, para que serve ser um CEO?
Olhar para a própria biografia, costurar os episódios vividos… Enxergar que nada foi em vão
No fim, estou CEO de uma grande empresa, mas me sinto mesmo, desde aquele office boy no Recife, como CEO de minha própria vida. É para isso que serve ser um CEO!
Ricardo Neves é CEO da NTT DATA no Brasil e presidente da NTT DATA Foundation no Brasil. Autor de CEO Virtual: lições de liderança para o mundo pós-pandemia, no qual compartilha a biografia e os aprendizados que teve ao assumir o cargo de CEO pela primeira vez, já em home office, em abril de 2020. Recifense, graduado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco, cursou formação de executivos AMP da Harvard Business School e MBA Executivo Global da Duke University.
Ao mesmo tempo em que abria o leilão de áreas de exploração de petróleo na Amazônia, o governo anunciava o Plano de Transformação Ecológica. Entenda por que o documento é um avanço enorme – e quais são as armadilhas no caminho.
Precisamos demolir a ideia de que as crianças são um obstáculo à carreira dos pais. Michelle Levy Terni, CEO da consultoria Filhos no Currículo, explica como e por que a licença parental unificada pode catalisar a inovação no mercado de trabalho.
Sensibilidade e empatia são incompatíveis com cargos de alta performance? Andrea Janér conta como uma nova safra de CEOs mais humildes e conectados com os problemas do mundo real vai transformar o nosso paradigma de liderança.