Vira de um lado. Vira do outro. Checa o celular. Se ajeita de bruços. Muda de posição. Esquece o trabalho, tenta pensar em coisas boas. Vira de lado, de novo. Olha o celular… Caramba, já é quase dia e você nem pregou os olhos.
Se a situação acima parece familiar, talvez valha a pena testar o app da SleepUp. A startup se autointitula o primeiro assistente pessoal do sono.
Seu aplicativo (disponível por enquanto apenas em Android) se propõe a ajudar o usuário a combater a insônia, com terapia digital e indicações personalizadas por meio de dicas de estilo de vida, músicas e mindfulness.
A Covid, vale dizer, vem bagunçando o sono de muita gente. Em inglês, pintou até o termo coronasomnia, ou “corona-insônia” (aliás, você já leu o nosso verbete dedicado ao vocabulário da pandemia?). No Brasil, segundo pesquisa do Ministério da Saúde com mais de 2 mil pessoas, 41,7% apresentaram algum distúrbio do sono após o início do isolamento.
E dormir não é apenas “descansar”. Durante o sono, o nosso corpo realiza o fortalecimento do sistema imunológico, a liberação e regulação hormonal, a reposição energética, a consolidação da memória, entre outras funções.
ELA DESPERTOU PARA O PROBLEMA DA INSÔNIA DURANTE UM MBA
A engenheira têxtil Renata Redondo Bonaldi, de 39, tem 15 anos de experiência nas áreas de inovação, tecnologia, gestão e novos negócios (em empresas como BASF e Rhodia Solvay).
Mesmo com uma carreira consolidada, ela sonhava ter o próprio negócio:
“Apesar de gostar da minha área de atuação no mundo corporativo, queria criar algo com impacto positivo, que melhorasse a qualidade de vida das pessoas e resolvesse um problema maior”
Em 2019, Renata vivia no Reino Unido, cursando um MBA em Inovação na Universidade de Manchester.
No curso, a futura empreendedora pesquisava o uso de wearables (as tecnologias vestíveis) no combate a doenças crônicas. E foi assim que despertou para o problema da insônia — e seu impacto maior sobre as mulheres.
AO SER MÃE, ELA DECIDIU PARAR DE FICAR ADIANDO O SONHO
Renata estava grávida na época. E aquilo ficou em sua cabeça.
Depois do nascimento da filha, ela saiu de licença-maternidade na Rhodia, mas já sabia que não poderia adiar mais o desejo de empreender.
“Muitas empreendedoras que são mães falam que os filhos mudam suas vidas, suas prioridades… Foi o que aconteceu comigo. Decidi que era hora de ter meu negócio”
Ela já sabia com o que queria empreender: usando tecnologia para ajudar no combate à insônia.
Mergulhou de cabeça no tema. Renata já tinha alguma bagagem tecnológica: antes do MBA, fizera um doutorado sobre o uso de wearables na saúde, no qual desenvolveu o protótipo de um sutiã para detectar câncer de mama.
COM A SAMSUNG, ELA FIRMOU PARCERIA PARA UM WEARABLE EM DESENVOLVIMENTO
Ainda em 2019, de volta ao Brasil, Renata levou a ideia do que seria a SleepUp para o programa de aceleração do Founder Institute.
Lá, se dedicou a estudar o problema da insônia e a validar a solução, na forma de monitoramento do sono.
Paula Redondo, sua irmã gêmea e cientista da computação, embarcou como cofundadora e CTO. As duas investiram cerca de 500 mil reais para botar a SleepUp de pé.
Metade dessa grana veio da Samsung, que acelerou a SleepUp em 2019. O investimento de 250 mil reais veio com uma parceria para o futuro wearable da startup — uma faixa de monitoramento cerebral ainda em desenvolvimento — seja integrado a dispositivos da empresa, como Galaxy Watch e Galaxy Fit.
No mesmo período, a SleepUp passou a integrar o hub de inovação em saúde do Distrito, que funciona junto ao Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Mais recentemente, em março, a startup se incorporou ao portfólio da Eretz.bio, incubadora do Hospital Albert Einstein, também na capital paulista.
UM PROTOCOLO DIGITAL PARA O TRATAMENTO DA INSÔNIA
Para ajudar na parte clínica, as irmãs chamaram Gabriel Pires biomédico, mestre e doutor em medicina do sono, e Ksdy Sousa, psicóloga do sono e neurocientista.
Eles se tornaram sócios e desenvolveram um protocolo de terapia digital baseado na Terapia Cognitivo Comportamental para Insônia (Cognitive Behavioral Therapy for Insomnia).
A TCC-I (sigla usada em português) é uma abordagem psicoterapêutica focada nas causas e sintomas da dificuldade em dormir. Nas palavras de Renata:
“Essa terapia é a mais comprovada clinicamente para o tratamento da insônia, sendo mais eficaz que remédio a longo prazo. Enquanto o medicamento é algo paliativo, recomendado por apenas três meses de uso, podendo causar dependência, a TCC-I combate as causas da insônia por meio da mudança de comportamentos”
Com seu aplicativo (lançado em julho de 2020), a startup traz esse conceito para o ambiente digital.
“Nosso objetivo não é substituir os médicos”, explica. “Por isso, trouxemos também o atendimento via chat e vídeo para a plataforma”.
Hoje, a SleepUp tem parceria com uma neurologista e três psicólogas especialistas do sono. O time completo se compõe de 12 pessoas.
COMO FUNCIONA, NA PRÁTICA, A TÉCNICA TCC-I NO AMBIENTE DIGITAL
A TCC-I é dividida em sete módulos (semanais ou quinzenais). A partir de duas semanas, diz a fundadora, já é possível sentir melhora no sono.
Após o tratamento, que dura cerca de três meses, recomenda-se um acompanhamento de um ano.
Por enquanto, só os três primeiros módulos estão liberados no app; os demais estão sendo ainda revisados pela Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária):
“Embora nos Estados Unidos já exista uma empresa utilizando a TCC-I no ambiente digital com aprovação do FDA [Food and Drug Administration], aqui a Anvisa ainda está no processo de regulamentar softwares para a área médica”
O primeiro módulo, “Higiene do sono”, tem conteúdos sobre criação de uma rotina e de um ritual da hora do sono, além do tipo de alimentação adequada.
O segundo (“Relaxamento e meditação”) traz orientações sobre meditação e mindfulness, dicas de práticas e informações sobre a importância dessas metodologias no combate à insônia.
“Aprendendo sobre o sono”, o terceiro módulo, apresenta o que é sono normal, cronotipo, fases do sono e quais são consequências da insônia para o nosso organismo.
CONHEÇA OS RECURSOS DAS VERSÕES GRATUITA E STANDARD
O aplicativo da SleepUp tem recursos complementares.
O plano gratuito dá acesso ao diário do sono (em que você registra a qualidade e duração das suas noites bem — ou mal — dormidas, eventual uso de medicação etc.), além de dicas de vida saudável, um teste clínico e relatórios diários sobre seu tratamento. Segundo Renata:
“Decidimos oferecer uma versão sem custo porque um de nossos propósitos é democratizar o tratamento de combate à insônia, que ainda é muito elitizado”
O plano Standard custa R$ 24,90 mensais (ou 149,90 reais ao ano). Inclui os primeiros três módulos da TCC-I, quatro testes clínicos, monitoramento do sono com recomendações personalizadas e atendimento médico remoto por chat ou vídeo.
Por enquanto, o aplicativo tem 1 000 downloads e 600 usuários ativos. As mulheres são maioria: 85%.
Futuramente, o plano Premium (em desenvolvimento) deverá englobar os quatro módulos restantes, em avaliação pela Anvisa, com assinatura a R$ 69,90 mensais ou R$ 399,90 por ano.
A STARTUP MIRA O MERCADO B2B E A INTERNACIONALIZAÇÃO
Dois meses atrás, a startup começou a oferecer assinaturas no B2B.
Nenhum contrato foi firmado por enquanto, mas 15 estão “em análise”, segundo a empreendedora. Entre os potenciais clientes, farmacêuticas (que ofereceriam o app como um complemento aos remédios) e planos de saúde.
A startup também está dando os primeiros passos rumo à internacionalização:
“Lançamos a versão gratuita do aplicativo nos Estados Unidos. Estamos finalizando algumas traduções para a versão Standard, que logo estará disponível lá também”
O próximo alvo é a Inglaterra. No fim de março, a SleepUp foi uma das três vencedoras do Brazil Medtech Awards.
A competição, promovida pelo governo britânico, buscava empresas brasileiras com soluções na área de healthtech em saúde primária, prevenção, personalização e home care.
“Agora, passaremos por mentorias e embarcaremos em uma missão paga para entender como estruturar a empresa por lá”, diz Renata.
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