Nas mãos de Márcia Fróes, 38, gaúcha radicada em São Paulo, toda celebração ganha cara de piquenique, com muito verde, esteiras e almofadas coloridas pelo chão e comidinhas ao alcance dos convidados, sem garçons por perto. Com sorte, o pacote inclui um belo dia de sol.
A Picnics, fundada por Márcia em 2015, realiza confraternizações em parques da capital paulista. No ano passado, a empresa faturou 420 mil reais com 127 festas — uma a cada três dias. Em 2019, já foram realizados 42 eventos e a expectativa é faturar 510 mil reais.
No início, o carro-chefe eram as celebrações infantis; hoje, 63% dos eventos são corporativos. A lista de clientes PJ inclui os grupos Boticário e Globo e empresas de setores como medicina, recrutamento, móveis e iluminação.
“Cada vez mais as empresas querem sair do tradicional, abandonar auditórios e salas de reuniões, com coffee break de padaria. Elas querem oferecer uma experiência diferente”
Formada em Marketing, Márcia trabalhou por oito anos na área de eventos da LG, no escritório de Porto Alegre. Ela já havia trocado de emprego e trabalhava em uma firma de TI quando foi transferida para São Paulo. Junto vieram o marido e os dois filhos pequenos.
O mais velho (na época com 3 anos) estava com dificuldade de se acostumar à nova rotina. Márcia começou a promover encontros de fins de semana nos parques da cidade com os pais dos colegas dos meninos, tentando ajudá-los a criar vínculos e se adaptar melhor à mudança.
As confraternizações eram caprichadas. Tinham suco natural e lanches como melancia cortada em formato de picolé, bolinhas de melão, sanduíches montados com forminhas de bichos e decorados com cenoura, pepino, uva-passa… Além de toalha colorida e mini caixotes usados como bancos.
Um dia, em novembro de 2014, a mãe de um coleguinha sondou se Márcia topava organizar um piquenique de aniversário para seu filho. Assim, ela conquistou a primeira cliente. O sucesso da festa, no Parque do Povo, gerou outros convites e outros eventos.
“Senti que o negócio tinha potencial, embora ainda não estivesse ganhando o que recebia de salário. Comecei a ser procurada para fazer as festas, mas não podia atender porque estava no trabalho”
Em fevereiro de 2015, três meses e alguns piqueniques (ela não lembra quantos) depois, Márcia pediu demissão para se dedicar inteiramente à Picnics. Para divulgar o negócio, decidiu oferecer coffees breaks gratuitos em eventos e coworkings com presença de mães empreendedoras.
“Nestes coffees gratuitos eu queria mostrar a proposta. Não era algo em que as pessoas pudessem ‘se esbanjar’ comendo. Passava um café, servia água aromatizada e sanduíches simples e decorados. O custo era muito baixo. Eu não tinha capital, usava o dinheiro que entrava do cliente, uma pequena sobra.”
Gastou 2 200 reais para adquirir um kit de mobiliário suficiente para garantir uma estrutura básica para os eventos. Por um ano, trabalhou com o mesmo material: cinco caixotes, dez esteiras, cinco toalhas, duas mesas, almofadas, duas suqueiras e um balde de aço para gelar refrigerantes.
“Trabalhava com isso, era o que tinha. Moldava os móveis de acordo com a decoração e criava em cima com os itens de papelaria. Usava a varanda da minha casa para montar e cozinhava tudo na minha cozinha.”
OS DESAFIOS LOGÍSTICOS PARA COLOCAR OS EVENTOS DE PÉ
Naquele primeiro ano, foram 22 piqueniques infantis. Aos poucos, os caixotes foram sendo trocados por itens melhores. Até 2016, a empreendedora seguia oferecendo coffees em eventos como forma de divulgação, paralelamente às festas bancadas pelos clientes. “As pessoas perguntavam: ‘cadê seus cartões?’. Nunca distribuí, era assim que fazia para mostrar meu trabalho.”
Em 2017, a Picnics já dava lucro, saltou de 30 para cerca de 80 eventos anuais. A empresa passou a realizar batizados, celebrações para adultos e casamentos. Os preços variam de acordo com o serviço e o cardápio servido, mas ficam entre 80 reais e 120 reais por pessoa. Ela chegou a contratar cinco funcionários, mas hoje trabalha apenas com terceirizados.
“Os funcionários ficavam ociosos porque o maior movimento é nos fins de semana. Hoje, tenho uma rede de 18 colaboradores, a maioria mulheres. Quando fecho um evento, já sei quem vai trabalhar comigo.”
Márcia terceiriza toda a alimentação; essas entregas são rápidas, de um dia para o outro. Ela privilegia microempreendedores: é a padaria que fornece pães e sanduíches, a boleira que faz bolos decorativos, um casal que prepara salgados, outro que faz maçã do amor e algodão-doce…
Os eventos atendem, em média, 50 pessoas e demandam quatro ou cinco colaboradoras, que se dividem entre cozinha, bebidas e decoração. O trabalho de montagem começa seis horas antes da chegada dos convidados. Em termos de material, são seis caixas com 90 itens e utensílios. Cada detalhe precisa ser antecipado.
“Tenho de pensar até no palito para pegar queijo. A festa é para criança? Então precisa de uma suqueira diferente, não pode ter pé fino porque vira fácil. Não pode ter mesa muito alta, se não a criança se debruça e corre o risco de derrubar”
Conforme o mobiliário foi crescendo, Márcia tentou alugar garagens próximas aos parques mais procurados para festas, mas a logística era complicada. Então, ela concentrou tudo em um endereço alugado no Ipiranga, Zona Sul da cidade. O acervo hoje inclui 40 mil itens, entre almofadas, esteiras, mesas, pratos para bolos, bandejas, pufes, vasos, armários para lembrancinhas de casamento…
O MAU TEMPO E OS IMPREVISTOS FAZEM PARTE DO NEGÓCIO
Márcia calcula já ter realizado eventos em 80% dos parques de São Paulo. Os mais concorridos são Parque do Povo, Ibirapuera, Burle Marx, Parque CERET e Parque Piqueri, os dois últimos na Zona Leste. Ela evita as praças por falta de banheiro e segurança, mas também organiza festas em sítios e chácaras particulares.
O mau tempo pode ser um grande estraga-prazeres. Nos dias anteriores, a empreendedora monitora a meteorologia via Climatempo. Em meses chuvosos, como janeiro, um “Plano B” é exigido do cliente.
“Quando preciso transferir o piquenique para um salão de festas, levo mais utensílios. Nos parques, as árvores fazem parte do cenário. No salão, é preciso explorar mais e levar mais decoração para tentar criar este clima.”
A empreendedora cita o caso de um aniversário no Parque Lions, no Tucuruvi, na Zona Norte. A meteorologia apontava chuva, mas os clientes insistiram em manter a festa ao ar livre. Dez minutos depois de tudo montado, caiu a tempestade:
“Só deu tempo de levantar a mesa de comida. As pessoas ficaram ensopadas e tentavam se esconder embaixo de um telhado… No fim, os avós do aniversariante começaram a tomar banho de chuva e as crianças foram atrás”
Mesmo com planejamento, imprevistos fazem parte do negócio. Márcia puxa outros perrengues pela memória, alguns em eventos fora da capital. Como um minicasamento nem tão “mini” assim, com 100 convidados e apenas três mesas de comida, em São José dos Campos. As louças de uma das mesas simplesmente não chegaram.
“Como era tudo rústico, em madeira, saímos pela cidade para procurar lojas de decoração. Comprei tudo quanto é coisa de ferro, potinho, vasinho etc. Aí fui pegando troncos pelo lugar da festa, que era tipo uma fazendinha. Mandei limpar os troncos, dividi as louças entre as três mesas e completei com os itens de ferro. Deu certo.”
A criatividade precisa estar sempre afiada. Um desafio é criar uma atmosfera encantadora que se adapte à demanda dos clientes corporativos. Um evento recente ocorreu em março, no showroom da Shaw Contract Brasil, que produz pisos vinílicos e carpetes, e estava lançando uma nova linha de produtos “com traços britânicos”. Márcia sugeriu o tema “chá inglês”:
“Usei uma linha de pratos florais ‘europeia’, com pássaros, detalhes e louças em prata. Servimos o famoso ‘Bolo Esponja da Rainha Victoria’, com frutas e chantilly, pães ‘scones’, recheados, tortinhas de morango e mini éclairs de doce de leite e chocolate.”
Além da alegria de ver seu negócio crescer, as reações dos clientes são fonte de satisfação. Um dos retornos mais marcantes foi de uma mãe de gêmeos que, ao chegar para o piquenique de aniversário dos filhos, no Parque Burle Marx, chorou até borrar a maquiagem.
“As pessoas não imaginam como vai ficar. Quando chegam, veem tudo montado, é muito bacana a reação, a emoção… Também tenho um feedback muito positivo das crianças, elas curtem porque é tudo baixo, pensando nelas. A reação delas é diferente, é muito legal.”
A Covid-19 cancelou o PicniK, festival itinerante que há oito anos fomenta a cena criativa brasiliense, o que levou ao surgimento do Infinu, hub criado para abrigar pequenas marcas de moda, cultura e gastronomia “made in BsB”.