Muitos de nós crescemos aprendendo com os livros didáticos sobre a história do mundo e como chegamos até aqui.
Mas conforme adquirimos uma profissão e passamos a tomar decisões que constroem o futuro, nem sempre acordamos e dormimos refletindo sobre a história que estamos vivendo e registrando.
Talvez daqui a alguns anos, quando olharmos para trás, seja mais fácil constatar que estamos neste momento construindo uma das passagens mais enfáticas do mundo: uma transição de era
Mais do que mudanças, a aceleração digital vem possibilitando transformações estruturais de uma sociedade que sempre respondeu ativamente a um grande estímulo: a sobrevivência.
A parte de nós que reluta pelas mudanças se prende a somente responsabilizar a ascensão da era digital pelas chamadas “doenças do século”.
De acordo com a International Stress Management Association (ISMA – BR) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é hoje o país com a maior taxa de pessoas que sofrem com a ansiedade, o segundo com o maior número de pessoas afetadas pela Síndrome de Burnout e o quinto em casos de depressão.
E, de fato, não faltam estudos legítimos para atribuir boa parte dos atuais desafios ao excesso de informação e agilidade de ações do mundo digital.
Porém, o que em alguns momentos deixamos de enxergar, quando nos esquecemos do que aprendemos nos livros didáticos, é que historicamente os desafios foram os grandes provocadores da evolução — justamente por apontar fragilidades e obsolescências que nos forçam a sair da zona de conforto.
Apesar de muito conhecida pelos seus números, métricas e precisão racional, a era digital evidencia a humanização e vem para romper com o princípio quantitativo da massificação, da padronização e dos excessos insustentáveis que cresceram na era industrial
Daqui para frente, o que se é muitas vezes se torna mais importante do que aquilo que se tem. A experiência está acima da posse e a conexão se faz uma fórmula para o lucro.
É assim, pelo menos, que 88% dos consumidores declaram preferir comprar de marcas que defendem algo maior do que seus produtos e serviços (Purpose Premium Index Brasil, 2021).
Se existe uma palavra para definir a era digital, e que também se faz resposta para muitas das nossas dores da atualidade, essa palavra é propósito.
Este substantivo não tem uma definição precisa, apesar de amplamente explorado há séculos. Os filósofos gregos estoicos, por exemplo, acreditavam na necessidade de um sentido para justificar as nossas vidas.
Na prática, propósito remete a valores e missões que nos conectam à nossa essência humana de ser, pertencer, criar e construir, e vem atualizando as verdades sobre como produzimos e consumimos.
Enquanto o nosso “eu consumidor” se conecta ou boicota marcas com base em valores – realidade para 76% das pessoas (estudo da McKinsey & Company, 2021), 70% dos profissionais declaram buscar uma carreira mais alinhada a seus interesses e propósitos de vida (Tera + Scoop & Co, 2020).
Buscar significado naquilo que preenche boa parte do nosso tempo e agrega para o legado da nossa existência, refletindo também na saúde, bem-estar e construção de relacionamentos, é a base da Economia da Paixão, um movimento para quem está buscando fazer o que ama e se apropriar de uma jornada de propósito
Para isso, é preciso assumir protagonismo, ultrapassando padrões sociais e se voltando para o processo de autoconhecimento, encarando de frente o desenvolvimento pessoal, a descoberta de habilidades e encontrando o amor por si e suas individualidades.
Claro que isso não é fácil, mas é um dos maiores segredos da jornada do propósito.
Apesar do movimento da Economia da Paixão muitas vezes ser encarado de forma individual, ele depende de um segundo princípio fundamental, o pertencimento.
Mais do que alinhar o trabalho a um propósito pessoal e se apaixonar pelo que constrói, ter consciência do seu papel nas necessidades do ecossistema que a sua força de realização habita é o que completa o ciclo de produzir e consumir com significado
A ausência deste segundo pilar, o pertencimento, é o gatilho para o insucesso de empreendedores ou de organizações que batalham pela conquista de seus públicos, seja consumidores ou colaboradores, visando somente os seus propósitos individuais – e muitas vezes egocêntricos.
Vale destacar aqui que aproximadamente metade da geração Y e também da geração Z prefere marcas que as façam sentir parte de algo maior e conectem pessoas em torno de causas e crenças comuns, segundo um estudo da Accenture.
Experienciar a Economia da Paixão, trabalhando com propósito, depende de transformações que acontecem de dentro para fora.
Da mesma forma que preços competitivos já não são mais suficientes para fidelizar o mercado, cargos, salários e até mesmo condições de trabalho flexível ou nômade não são suficientes para reter talentos na era digital, se não estão atrelados a protagonismo e pertencimento
É preciso abrir espaço para pessoas descobrirem e manifestarem suas individualidades, se apaixonarem por quem são e atingirem a melhor versão de si, em uma jornada autônoma e com liberdade de expressão.
Tudo isso em contextos que fomentam a conexão de propósitos conscientes dos seus impactos, para que pessoas pertençam a comunidades que condicionem as suas existências como agentes de transformação.
Este é o princípio que vem hackeando ecossistemas e estruturas de organização da sociedade e de empresas. Tendências como a economia de influenciadores, novos modelos hierárquicos e o surgimento de organizações autônomas descentralizadas (DAOs) fazem parte deste movimento
E todas essas mudanças e transformações se justificam pela sede de sobrevivência de uma sociedade que entende que as urgências complexas do mundo BANI só poderão ser sanadas por pessoas, profissionais e organizações apaixonados e unidos por propósitos que norteiam sentidos sólidos.
Por isso, de forma muito simples, em contextos individuais ou coletivos, a Economia da Paixão inicia a partir de três perguntas.
As duas primeiras são: onde estamos?; e onde queremos chegar?
Muitas vezes a forma mais fácil de encarar esta dura reflexão é começando pelo fim:
Quando chegar em meu último dia de vida, o que quero ter deixado de legado? Quais ambientes quero ter frequentado? Com quais pessoas quero ter me conectado? E ainda, de qual mundo quero ter feito parte?
Por fim, é preciso questionar: o que é preciso fazer para alcançar tudo isso?
Esta última pergunta é o ponto de partida para as jornadas de propósito, que podem colocar de pé o mundo que queremos chamar de nosso — dos pontos de vista social, econômico, humano e ambiental.
Paula Costa é comunicóloga formada em publicidade pela ESPM, especializada em inteligência de mercado, pesquisa de comportamento e consumo e análise de tendências, coautora do livro Economia da Paixão e professora de MBA pela ESPM. Baseada na Europa, atua como Retail, Marketing & People Trendsetter, ministrando talks, workshops e consultorias e liderando a área de Marketing e Pessoas da empresa de inteligência de varejo Vimer Retail Experience.
Ao mesmo tempo em que abria o leilão de áreas de exploração de petróleo na Amazônia, o governo anunciava o Plano de Transformação Ecológica. Entenda por que o documento é um avanço enorme – e quais são as armadilhas no caminho.
Ao longo da vida, vamos colecionando papéis sociais que “definem” quem somos – mas só na superfície. Quando foi a última vez que você se despiu dessas personas e se viu no espelho? Ou enxergou de verdade quem estava ao seu lado?