Durante sua infância, na fazenda do pai, os quatro filhos de Maria Dalva Couto Mendonça viram a mãe fazendo o queijo, o polvilho, a rapadura e a goiabada que consumiam, além de toda a comida do dia a dia. Com o queijo e o polvilho, dona Dalva ainda preparava o pão de queijo para o lanche das crianças. Eram os anos 60 em João Pinheiro, no Noroeste de Minas Gerais. Em 1972, dona Dalva mudou-se com a prole para Belo Horizonte, para que os filhos tivessem mais oportunidade de estudo, mas continuou a produzir seu pão de queijo caseiro com o leite enviado pelo marido. Até que ele faleceu num acidente de carro, no ano seguinte, e a vida da família virou de cabeça para baixo.
“Minha mãe ficou viúva aos 31 anos, com quatro filhos – a mais velha, que era eu, com 12 anos. Vendeu a fazenda, virou corretora de imóveis. Mas nunca deixou de produzir o próprio pão de queijo, como a maioria das mães mineiras dos anos 70. Para o mineiro, o melhor pão de queijo é sempre o que a mãe dele faz. Mas o da minha mãe era especial mesmo. Ela desenvolveu uma receita própria, com queijo feito por ela. Lá em casa, na minha adolescência, os amigos eram sempre recebidos com pão de queijo e suco de caju”, relembra Hélida Mendonça, filha mais velha de dona Dalva e sócia-fundadora da empresa Forno de Minas, junto com a mãe e um dos irmãos, Hélder.
Foi de Hélder a ideia de transformar a tradição familiar em negócio. Em 1990, de volta de um período morando nos Estados Unidos, ele contou para a família que ficou impressionado com o consumo de produtos congelados pelos americanos. E expôs seu plano: vender o pão de queijo congelado da mãe. Hélida conta que na época teve dúvidas. “Como convencer o mineiro a comprar um produto que todos fazem em casa? E como tornar esse produto parte do dia a dia de brasileiros de outros estados? Naquele momento, nós nem imaginávamos que poderíamos vender no exterior.”
Hoje, quase três décadas depois, a Forno de Minas exporta mais de 1.200 toneladas de pão de queijo anualmente, o que representa mais de 5% da receita da empresa. “O objetivo é chegar a 10% do mercado no exterior até 2020”, revela Gisa Santos, gerente de marketing do grupo. Para viabilizar essa meta, a empresa prevê investir cerca de R$ 30 milhões na expansão da venda de alimentos para consumo fora do lar (foodservice), ampliação do mix de produtos e exportação.
Selo de qualidade internacional
O maior mercado no exterior é justamente o americano, no qual a Forno de Minas chegou timidamente em 1998 e foi crescendo. Há dois anos, a empresa abriu um escritório em Miami. E há cerca de cinco meses, passou a ter seus produtos comercializados na rede Target, uma das maiores varejistas americanas. Com isso, alcança mais de 3 mil pontos de vendas no país – incluindo a rede de cinemas Cinemark e o Walmart.
“No início, atingíamos apenas o mercado étnico (brasileiro) de lá. Mas a chegada ao Walmart e, agora, à Target está diversificando esse mercado”, diz Gisa. “Fizemos uma pesquisa recente para avaliar a forma de consumo nos Estados Unidos, e o pão de queijo lá é snack, lanchinho. E a aposta é na versão do pão de queijo congelado já assado, que só precisa ir para o forno por 5 minutos.”
O produto é vendido também em Canadá, Portugal, Inglaterra, Chile, Peru, Uruguai, Emirados Árabes, Japão e Panamá, e está prestes a chegar a Colômbia, Paraguai, Argentina e México. Em 2016, a Forno de Minas conquistou a certificação BRC (British Retail Consortium) – Norma Global de Segurança de Alimentos, com maior índice de aprovação (AA), para as linhas de pães de queijo (crus e assados) e waffles. O selo, renovado em 2017, é um passo importante para o crescimento das vendas no exterior.
“O BRC é como o ISO, uma certificação de qualidade importantíssima para a exportação, que assegura ainda nosso processo industrial. O pão de queijo, por exemplo, é um produto sem glúten, que não admite contaminação cruzada, e o selo BRC atesta isso”, explica Gisa.
Aqui no Brasil, segundo a consultoria Euromonitor International, o pão de queijo é o principal item na categoria de produtos de panificação congelados, tendo crescido 7,3% em volume em 2016, alcançando 46,3 mil toneladas – em receita, subiu 15,6%, chegando a R$ 708,2 milhões. Com 53,2% das vendas, a Forno de Minas é a líder do mercado. A empresa, que já expandira há tempos seu portfólio de varejo, vem investindo desde 2013 no mercado de foodservice, com folhados, empanadas, empadas, croissants, tortinhas, broinhas, pão de batata e quiches – além de pão de queijo, claro.
Percalços pelo caminho
Dona Dalva segue firme e forte à frente da empresa. “Ela está com 75 anos e é muito presente na área de inovação e desenvolvimento de produtos e na fiscalização para que a qualidade não caia”, diz Hélida. Mas a trajetória da Forno de Minas não se deu sem percalços. A família Mendonça vendeu a empresa em 1999 para a multinacional americana Pillsbury, comprada pouco tempo depois pela também americana General Mills.
Nos dez anos em que ficou nas mãos dos americanos, as vendas caíram pela metade. Uma das explicações estaria na alteração da receita original de dona Dalva: para economizar, os novos donos reduziram a quantidade de queijo da receita, usando aromatizantes no lugar. Com o investimento do grupo Mercatto, a família recomprou a empresa em 2009.
Uma das primeiras ações foi justamente retomar a receita original: com 20% de queijo na fórmula, sem aromatizantes. “No varejo, não existe outro pão de queijo sem aroma”, diz Gisa. O crescimento tem sido contínuo desde então. A companhia tem hoje cerca de mil funcionários, oito filiais no Brasil e a subsidiária nos Estados Unidos.
Hélida conta que a mãe sempre foi muito exigente com os ingredientes. “Em casa, usava ovo caipira, queijo meia cura que a gente mesmo maturava.” Mais tarde, para seguir as exigências da Anvisa, a empresa passou a usar ovos e leite pasteurizados. “Em 1995, abrimos a fábrica de laticínios e contratamos um especialista em queijos da Universidade Federal de Viçosa para nos ajudar a desenvolver um produto que tivesse o sabor e a textura do queijo que minha mãe fazia artesanalmente.”
Entre pesquisa e desenvolvimento “para chegar ao queijo perfeito”, Hélida diz que a Forno de Minas levou cerca de um ano. “Esse queijo minas específico só é usado por nós. Temos ainda produtos que levam mussarela, ricota, parmesão, cheddar, creme de leite, todos produzidos no nosso laticínio.” Várias empresas alimentícias brasileiras usam os queijos do Laticínios Forno de Minas, localizado em Conceição do Pará (MG); suas marcas Gran Condessa e Leiteria de Minas também são exportadas para países da Ásia e Oriente Médio.
Aposta no integral e no multigrãos
Oferecer um produto saudável sempre esteve na pauta de mãe e filhos. Por ser assado, e não frito, não conter glúten e não levar aromatizantes, o pão de queijo Forno de Minas é identificado ao bem-estar pelas pesquisas feitas pela empresa com o consumidor. As exigências aumentaram nos últimos anos, fazendo com que novos produtos fossem desenvolvidos.
“Em 2012, fizemos uma pesquisa que revelou que as escolhas do consumidor estavam mudando”, diz Gisa. “Nós lançamos o waffle integral no fim daquele ano, junto com a versão tradicional. Em três anos do waffle, percebemos o crescimento da procura pelo integral. Depois, lançamos o quiche multigrãos. Os dois produtos no varejo e no foodservice. A saída da quiche no foodservice logo ficou meio a meio, entre tradicional e multigrãos, e isso depois se confirmou no varejo.”
Uma nova pesquisa, em 2015, foi direcionada para comportamento de consumo. “Foi aí que realmente decidimos aumentar a linha. De 2016 para cá, focamos em produtos que agregam ainda mais em saudabilidade. Foi quando lançamos o pão de queijo fit, que é integral e multigrãos, e, no portfólio de foodservice, empanada, folhado e tortinha multigrãos”, completa Gisa.
A diversificação e a aposta em grãos integrais têm rendido frutos para a Forno de Minas. Nada que possa destronar o pão de queijo do posto de carro-chefe da empresa – 1.500 toneladas são fabricadas todos os meses. Um produto 100% made in Brazil, que segue a receita tradicional de uma mãe mineira e que, após conquistar o mercado interno, busca se tornar um sucesso global.
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