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Ele tinha o sonho de ser jogador de futebol. Em vez disso, criou a Flex Interativa, que quer ser a pioneira do metaverso no Brasil

Marília Marasciulo / 8 jun 2022
Fernando Godoy, fundador da Flex Interativa.
Marília Marasciulo - 8 jun 2022
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Engenheiro agrônomo, ele exerceu a profissão por apenas um ano – o bastante para juntar dinheiro e comprar uma passagem só de ida para os EUA. Desembarcou em 1995, com o sonho de trilhar uma carreira completamente diferente: jogador de futebol.

A vida, porém, tinha outros planos. 

Hoje, o paulista Fernando Godoy, 50, é um pioneiro da tecnologia. Ele está à frente da Flex Interativa. Fundada em 2012, a empresa de soluções imersivas redirecionou seu foco na pandemia e anunciou, em 2021, a criação do primeiro metaverso 100% brasileiro. 

A Flex, avisa Fernando, quer ser “a dona do metaverso no Brasil” – mas com fins educacionais. 

“As empresas no Brasil queimam etapas. Todo mundo quer ser bilionário vendendo NFTs, mas o metaverso veio para revolucionar a educação. A partir disso, trago as marcas para criarem experiências para os consumidores”

A empresa tem 30 funcionários e um faturamento anual de 4 milhões de reais. Chamado de Flex Universe, o novo metaverso é um ambiente online para até 40 avatares, que combina recursos dos games e das plataformas de videoconferências para capacitação e aprendizado dos funcionários das companhias assinantes do serviço.

A Flex também tem produtos para ativação de marca em eventos presenciais, como painéis interativos, games, realidade aumentada e virtual, e hélices holográficas 

O INTERESSE POR TECNOLOGIA SURGIU NA ADOLESCÊNCIA, POR ACASO, FOLHEANDO UMA REVISTA SOBRE INFORMÁTICA

O processo de desenvolver o metaverso se deu durante a pandemia, mas é resultado de uma trajetória muito mais longa. 

Começou nos anos 1990, quando Fernando, ainda adolescente, viu pela primeira vez uma revista PC Magazine. O pai dele era professor da USP, e o exemplar pertencia a um amigo, chefe do centro de informática da universidade:

“Por algum motivo ele foi lá em casa com essa revista, e eu fiquei fascinado por aquilo, mesmo sem entender direito, porque era em inglês…. O amigo disse ao meu pai: ensine informática para o teu filho, porque esse é o futuro”

De olho nesse futuro então ainda longínquo, o adolescente se tornou autodidata. Aprendeu a programar sozinho, aos 14 anos, lendo livros sobre linguagens de computação – Basic, Cobol, Assembler. 

“Meu pai comprou um computador, um TK 85, e minha madrinha me deu uma TV, porque ainda não existia monitor!” 

MOVIDO PELA PAIXÃO POR FUTEBOL, ELE LARGOU TUDO PARA TENTAR SER JOGADOR PROFISSIONAL NOS ESTADOS UNIDOS

Mais do que trabalhar com tecnologia, o sonho de Fernando, como de tantos brasileiros, era seguir carreira como jogador profissional de futebol.

“Eu jogava de meia-esquerda… cheguei a treinar no XV [de Piracicaba] e no Guarani, mas meu pai não deixou eu ir treinar no Santos.”

O pai queria que o filho completasse o ensino superior. Fernando decidiu, então, cursar engenharia agronômica na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal. Mais por influência das histórias do irmão sobre a vida na universidade do que por afinidade com o curso. E continuou treinando futebol, escondido do pai. 

Quando se formou, o paulista mudou para o Rio Grande do Sul, para participar de um programa de trainee. Ficou um ano, o suficiente para juntar o dinheiro da passagem para os Estados Unidos. Embarcou em 1995.

Sua esperança era fazer carreira nos EUA jogando futebol. O país tinha acabado de sediar a Copa de 1994, aquela em que o Brasil se sagrou tetracampeão. Parecia um bom momento para um jogador brasileiro, mesmo desconhecido, se encaixar em uma das ligas locais de soccer, como o esporte é conhecido por lá. “Peguei uma passagem achando que ia chegar e conseguir vaga…”

A realidade foi outra. Após alguns meses, Fernando estava prestes a desistir. Numa última tacada, buscou o conhecido de um primo que vivia em Los Angeles. Assim, descolou trabalho dando aulas de futebol para crianças, enquanto jogava pelo (hoje extinto) San Fernando Valley Golden Eagles, no qual atuou por dois anos.

SUA PRIMEIRA GRANDE GUINADA VEIO QUANDO FERNANDO CONSEGUIU ESTÁGIO EM UMA AGÊNCIA DE INTERNET

Até que um dia o amigo de um dos pais de seus alunos, que sabia de suas habilidades com computadores, convidou-o para conhecer a agência de internet que ele havia recém fundado. 

“O cara tinha recém saído da Disney, tinha feito o site do Toy Story, para abrir essa empresa… Cheguei lá, era em Beverly Hills, ele perguntou se eu queria entrar, e eu falei: lógico que quero 

Foi a primeira grande virada em sua carreira. Poucos meses depois, o chefe foi convidado para ser diretor de criação na BoxTop, uma das gigantes de um tempo em que “trabalhar com internet” era sinônimo de “fazer sites”. 

“O Mike [chefe na outra empresa] me levou junto, como estagiário. Então de manhã eu trabalhava no escritório de um advogado fazendo sites, de tarde ia para a BoxTop e à noite dava aulas de futebol.” 

Tudo isso enquanto esperava a permissão para trabalhar legalmente no país. 

UMA CONTUSÃO O OBRIGOU A PENDURAR AS CHUTEIRAS, MAS FOI BEM AÍ QUE SUA CARREIRA NA TECNOLOGIA DECOLOU

O visto chegou em 1998, junto com outra guinada. A iXL, que foi uma das maiores empresas de internet dos Estados Unidos, comprou as três maiores agências digitais de Los Angeles – entre elas, a BoxTop. 

Com o greencard na mão, Fernando foi oficialmente contratado, agora pela iXL, para ser gerente assistente de projetos. Seu primeiro trabalho foi criar o site da Universal Studios.

A contratação veio na hora certa. Semanas antes de um campeonato, Fernando rompeu um ligamento durante uma partida. A contusão significou um “cartão vermelho” definitivo para a sua carreira de jogador profissional. “Deu tudo errado – mas no fim deu tudo certo.” 

Depois de pendurar as chuteiras, ele passou os dois anos seguintes trabalhando “que nem um camelo” na iXL. Em paralelo, empreendeu uma agência com dois colegas para atender às “sobras” da companhia. 

“A iXL era tão grande que recusava contas pequenas ou médias. Então nós criamos a i4 Technology para atender a essas empresas e fazer os sites”

Até que a esposa de Fernando, também brasileira, ficou grávida do segundo filho. Assim, depois de quatro anos nos EUA, o casal decidiu voltar para o Brasil e ficar mais perto da família.

DEPOIS DA EXPERIÊNCIA NO EXTERIOR, FERNANDO ENFIM VOLTOU AO BRASIL, AGORA COM A SUA PRÓPRIA EMPRESA

Inicialmente, a ideia era trazer a iXL para o Brasil. A empresa, porém, optou pela entrada no mercado japonês. Fernando trouxe, então, a i4, associado a um amigo de infância. 

“Era engraçado que nosso cartão de visitas tinha o endereço dos escritórios em Los Angeles e em Piracicaba”, lembra. 

Embora sobrasse demanda, faltavam braços para dar conta do trabalho. 

“Não tinha designer, programadores. Se alguém passasse na frente da i4 pedindo emprego ou estágio, eu dava”

Pouco tempo depois, encerrou o escritório em Los Angeles para ficar só no Brasil — e se mudou de Piracicaba para a capital paulista, para ficar mais próximo a hubs de inovação. 

Fernando seguiu com a I4 até 2008, quando avaliou que o mercado de sites e sistemas de intranet para empresas começava a ficar saturado. 

“Entendi que ser só uma software house seria complicado, pois o Linux passou a dar de graça, o Google também… Fizemos uma migração para ser Flex Interativa, uma agência 360: o que precisassem do online, a gente fazia”

Assim, a empresa logo conquistou clientes como Hospital Bandeirantes, Grupo Protege e Makro Atacadista.

ELE RESOLVEU APOSTAR NA REALIDADE AUMENTADA E “TROCAR A RECEITA RECORRENTE PELA INCERTEZA”

Em 2012, durante uma visita ao antigo chefe na iXL, Fernando conheceu pela primeira vez a realidade aumentada.

“Ele estava com uma revista Vogue, aí passou o celular em cima da imagem e ela se mexia”, conta. “Achei aquilo fantástico.”

A essa altura, o amigo de infância de Fernando tinha vendido sua participação na empresa para Henry Visconde (cuja família era dona da farmacêutica Biosintética).

“Falei para meu sócio que deveríamos jogar tudo para o alto, começar do zero e focar nisso. Ele topou. Cancelamos contratos, não renovamos outros. Trocamos a receita recorrente por incerteza”

Passaram os cinco anos seguintes investindo para transformar a Flex em um estúdio de criação de produtos de realidade aumentada e virtual.

Entre viagens para feiras de inovação e gastos com a compra de equipamentos, Fernando estima que eles colocaram mais de 1 milhão de reais do próprio bolso na agência. 

Até que, em 2018, a empresa começou a dar lucro. “Fizemos projetos interativos para a páscoa da Nestlé, para a Polishop, o posto do futuro da Ipiranga, experiências para a Novartis”, conta. 

Escalar o negócio, porém, ainda parecia um sonho distante. “A gente vendia projetos [avulsos]. E vender projetos é matar um leão por dia.”

A PANDEMIA INTERROMPEU OS CONTRATOS, MAS A FLEX LOGO REDIRECIONOU SEU FOCO PARA INVESTIR NO METAVERSO

Prestes a desenvolver um projeto em parceria com a IBM para tirar do papel um produto de realidade virtual voltado para o varejo, a Flex sofreu o baque da Covid-19 e do fechamento generalizado. 

“As minutas estavam rolando, mas aí vem a pandemia e ninguém assina. Não consegui vender o produto.” 

Em vez de desistir, ele rapidamente se adaptou para investir em um outro produto: o metaverso. 

“A Flex sempre foi uma empresa de experiências digitais imersivas. Então, quando veio a pandemia, vários clientes me procuraram falando ‘Fernando, o Zoom é legal, mas ninguém aguenta mais’”. 

Uma das reclamações vinha da área de Recursos Humanos: como integrar equipes sem o contato presencial? 

“As pessoas não estavam engajadas e interessadas no Zoom, a absorção era pouca, as empresas precisavam de algo para melhorar a participação. Então, juntamos o conhecimento que a gente tinha para criar a primeira plataforma de metaverso 100% nacional”

Deu-se início a um novo ciclo de quase dois anos de trabalho integral de toda a equipe, além de 1,2 milhão de reais investidos, para desenvolver a plataforma. 

“Uma coisa é criar um game, tipo Fortnite, que não tem a parte de áudio embutida. Ou uma videoconferência, que tem áudio e vídeo e não o game. A gente queria colocar as duas coisas no mesmo lugar.” 

PELO APP, AVATARES CIRCULAM E INTERAGEM NO AMBIENTE ONLINE (SEM USO DE ÓCULOS DE REALIDADE VIRTUAL)

O empreendedor relembra o desafio de desenvolver aquela plataforma. “Foi um quebra-cabeça e muita tentativa e erro. Pegamos toda a nossa expertise e jogamos ali.”

O resultado foi um aplicativo em 3D que simula a experiência de salas de aula ou conferências presenciais no ambiente virtual. 

Os avatares podem circular pela sala e conversar entre eles, participar de quiz ou jogos interativos, compartilhar e assistir a vídeos juntos. Para acessar, não é preciso ter um set de óculos de realidade virtual. 

“É um mito que é preciso ter óculos, o [Mark] Zuckerberg fala isso porque quer vender óculos”, provoca Fernando. É necessário, porém, fazer o download do aplicativo no celular ou computador: 

“A versão para navegador seria mais cara, pois consome nuvem. Nós estamos planejando uma versão para navegador, voltada para eventos e convenções, e aí será cobrado por pessoa, por minuto e em dólar”

Por enquanto, o modelo de negócios é o de Software as a Service, em que a Flex vende o acesso ao espaço — que pode ser customizado — a empresas que queiram utilizá-lo, seja para treinamento interno ou para contato direto com os clientes. 

“Elas podem convidar os clientes para mostrar os produtos em 3D, por exemplo”, explica Fernando. 

NO FUTURO, O METAVERSO DEVE MELHORAR A EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL E CRIAR OPORTUNIDADES PARA O VAREJO

Com assinaturas que variam de 3 a 8 mil reais por mês, a Flex já conquistou clientes como a Ingredion, do ramo de alimentos, e a Scania, de ônibus e caminhões. Segundo Fernando, Mercedes Benz, Nestlé, Heineken e Bradesco são outras marcas que “demonstraram interesse” no Flex Universe.

No próximo dia 9 de julho, o empreendedor deve apresentar o Flex Universe durante o evento Roadsec 2022, em São Paulo.

“A plataforma será projetada num telão junto ao estande, com notebooks para as pessoas acessarem o metaverso. E alguns convidados poderão acompanhar o conteúdo de forma remota, acessando o metaverso e criando os seus avatares.”

Hoje, ele vê duas perspectivas para o metaverso:

“A primeira é educacional, de melhorar a comunicação, em que as pessoas vão entrar, ficar um tempo e sair. E a outra é a do ‘metaverso que todo mundo fala’, com oportunidades para o varejo, conceitos de comunidade”

A Flex, diz Fernando, vislumbra um futuro em que um “modelo híbrido” deve prevalecer. “Não estou aqui para falar que ‘tudo vai ser metaverso’. Mas quando eu não puder ir a um local, o que a tecnologia pode me oferecer?” 

Essa é uma das perguntas que Fernando e a Flex Interativa agora buscam responder.

 

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Flex Interativa
  • O que faz: Soluções imersivas através da realidade aumentada, virtual, mista, gamificação e inteligência artificial
  • Sócio(s): Fernando Godoy, Raffaele Cecere, Marcelo Rodino, Décio Sampaio, Alexandre Vellila Garcia, Alexandre Pinto, Renato Kiste e Rogério Miranda
  • Funcionários: 30
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2012
  • Investimento inicial: R$ 500 mil
  • Faturamento: R$ 4,1 milhões (em 2021)
  • Contato: fgodoy@flexinterativa.com.br
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