Só em novembro de 2020, a produção moveleira no Brasil foi de 44,9 milhões de peças, segundo dados do IBGE apresentados pela Abimóvel (Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário).
Uma indústria desse porte traz impactos ambientais, claro, como o uso de madeira ilegal e a geração de resíduos que contaminam o solo e o ar.
Os irmãos Danilo, 45, e Murilo Linhares, 40, decidiram empreender no setor sem descuidar da sustentabilidade. Eles são os fundadores da Fitto Design. A empresa fabrica móveis de encaixe (que dispensam pregos e parafusos) sob demanda. Segundo Murilo:
“Cuidamos de todos os detalhes, desde a fabricação do compensado até a embalagem, buscando sempre soluções ecológicas, aproveitando as chapas e minimizando o desperdício”
Com sede em Curitiba, a Fitto usa compensados multilaminados de madeira reflorestada na fabricação de camas, poltronas, mesas, cadeiras, banquetas e araras, entre outras peças. E, com um contrato de licenciamento, acaba de internacionalizar a sua atuação.
DA PRODUÇÃO DE ESTANDES PARA FEIRAS À CRIAÇÃO DE MOBILIÁRIOS
Antes de se imaginarem criando móveis, os irmãos cresceram no mercado de laboratório fotográfico, trabalho dos pais.
O negócio ficou em baixa com a chegada da fotografia digital. A família então migrou de área e montou a Ticcolor PDV, empresa de impressão publicitária para pontos de venda do comércio.
Foi assim que os irmãos começaram a manusear a madeira: produzindo estandes de compensado de MDF para eventos; displays de encaixe facilitavam o transporte.
Acostumados à matéria-prima, eles tiveram a ideia de fabricar mobiliários.
“Para produzir móveis, logo descartamos o MDF devido à instabilidade — sua espessura varia conforme a umidade da madeira, além de não apresentar durabilidade, pois é frágil. E com o compensado sofremos por causa de inconsistências técnicas”
Em sua fabricação, o compensado de madeira não é bitolado, de modo que de um lado pode ter 18 cm e no outro 19,5 cm.
Assim, Murilo conta que no começo o conjunto de corte de todas as peças não se encaixava, ficando frouxo ou apertado na hora da montagem.
PARA SEGUIR EM FRENTE, ELES DECIDIRAM CRIAR O PRÓPRIO COMPENSADO
O empreendedor conta que ele e o irmão bateram na porta de várias fábricas, em busca de um compensado que servisse para eles e não apresentasse aqueles nós característicos da madeira, que deixam o material desnivelado.
“Para fazer o móvel de encaixe ser funcional, o compensado precisava ser padronizado com a mesma espessura de um lado ao outro, e com um miolo bem feito, para não ter problema no acabamento”
Ou seja, o fabricante teria de padronizar um compensado específico para a empresa. Porém, a proposta da Fitto de produção sob demanda tornava o custo do fornecedor proibitivo.
“Eles precisariam nos passar a peça a um preço astronômico ou então arcar com o prejuízo”, diz Murilo. “Por isso, tivemos que criar o nosso próprio compensado”.
ESPECIALISTAS DO SENAI AJUDARAM A DESENVOLVER O MATERIAL
Desenvolver, do zero, esse material e o sistema de encaixe levou os irmãos a uma jornada de aprendizado que durou cinco anos.
Nos primeiros testes, Murilo e Danilo chegaram a criar compensados à base de cola ureia-formol. Porém, a irritabilidade e o cheiro do material era o oposto do que desejavam.
Hoje, a Fitto usa uma cola sem cheiro e sem formaldeído (substância que emite diversos gases tóxicos, muito utilizada na fabricação de móveis).
Estudos com profissionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ajudaram os irmãos a evoluir na produção do compensado. “Mas a peça final ainda sofria o mesmo problema do MDF, com instabilidade de espessura devido à umidade”, diz Murilo.
Eles recorreram então à consultoria de especialistas do Senai em Arapongas (PR). A 380 quilômetros de Curitiba, a cidade tem a fama de ser a maior produtora de móveis do país.
“Trabalhamos juntos e desenhamos todo o processo: a cura e a secagem das lâminas, a umidade certa para corte e acabamento, a temperatura ideal e o tipo de cola. E foi deste jeito que desenvolvemos uma linha própria, com um compensado fino e muito bem acabado”
O compensado, diz Murilo, é 100% fabricado com lâminas de madeira de floresta plantada, mesclando Pinus e Paricá, uma madeira de reflorestamento de árvore nativa brasileira de rápido crescimento.
O DESENHO DE CADA PEÇA É PENSADO PARA REDUZIR DESPERDÍCIOS
Produzir o próprio compensando permitiu alcançar o padrão de qualidade que os irmãos buscavam para seus móveis de encaixe, mas acaba sendo uma solução mais custosa do que adquirir o material no mercado.
O jeito é aproveitar a matéria-prima ao máximo.
“Quando desenhamos a peça, a visualizamos e fazemos adaptações em sua estrutura e funcionalidade. A partir do momento em que a entendemos, pensamos como ela pode ocupar o menor espaço possível dentro da chapa, para que tenhamos menor desperdício e custo”
As sobras do recorte na produção de camas e cadeiras viram peças menores, como bandejas e vasos. E a própria produção sob demanda, ajustada naquela fase de testes, torna a operação mais sustentável.
“Esse conceito transforma o processo produtivo, com menor uso de energia, redução de desperdício e sem contaminação, já que minimizamos a geração de resíduos de madeira e o que sobra revendemos para olarias.”
COMO ALIAR O CONCEITO DE DO IT YOURSELF À DURABILIDADE
Para precificar os móveis, os sócios recorreram ao PCP (Planejamento e Controle da Produção), ferramenta que permite a gestão dos recursos operacionais e do processo produtivo.
“O preço final vem dos valores entre o custo e a margem, e também se espelha em players do mercado, apesar de sermos exclusivos no que fazemos”, diz o empreendedor.
Uma cama de casal queen da Fitto, por exemplo, custa 3 490 reais. Uma mesa de centro sai por 789 reais.
Ao receber as peças, o consumidor pode acessar o canal da marca, no Youtube, que ensina o passo-a-passo da montagem em poucos minutos. “Em nossos móveis, as pessoas não conseguem nem perceber onde fica o encaixe”, diz Murilo.
A marca aproveita a ideia de Do It Yourself, mas enfocando uma maior durabilidade.
“O pessoal das faculdades, nos TCCs [de design de produto] fazem um banquinho de encaixe de topo, mas no final não funciona bem… O que fizemos foi utilizar o conceito, mas com uma qualidade maior no desenho final e no material, pensando em uso contínuo e de longo prazo”
Segundo Murilo, móveis de decoração não possuem normas técnicas ABNT; assim, os sócios resolveram aplicar as normas de móveis de escritórios em seus produtos.
“Pegamos nossa cadeira e levamos para testar dentro do laboratório do Senai, passando pelos mesmos teste de resistência dos móveis de escritório.”
EMBALAGENS MENORES FACILITAM A ENTREGA, COM GANHOS AMBIENTAIS
O mobiliário da Fitto, diz, foi planejado para utilizar o menor espaço possível em uma embalagem. Desmontados, os móveis possibilitam que se reduza a dimensão da caixa, com ganhos ambientais:
“Uma poltrona desmontada, por exemplo, reduz em sete vezes a dimensão da entrega. Com uma embalagem menor, reduzimos o uso do material e do transporte, e com isto se reduz a emissão de CO2”
As embalagens são feitas de um papelão com certificação FSC (Forest Stewardship Council, ou Conselho de Manejo Florestal), que tem uma composição mista: uma parte de material virgem no kraft — necessária para suportar a peça — e outra reciclada.
O USO DE IMPRESSÃO DIGITAL PERMITE LEVAR ARTE AOS MÓVEIS
A maioria dos móveis da Fitto são de linha natural (sem estampas), com uma pegada mais minimalista, em estilo escandinavo. Há, porém, a opção de estampar as peças com qualquer tipo de arte, a partir da impressão digital diretamente na lâmina do compensado.
Murilo teve a ideia de estampar os móveis quando viu um amigo desenhando na prancha de surf. “Com a ideia em mente, voltei até ele com um pedaço de madeira para que desenhasse nela”, conta.
Algumas artes são estampas produzidas no móvel; outras — e a cor dos móveis — são impressões digitais autorizadas de diversos artistas, e reproduzidas na madeira. Como a Fitto ocupa o mesmo galpão da Ticcolor PDV, a empresa de impressão da família, já tinha à disposição o maquinário necessário.
O processo utiliza grandes impressoras de mesa digitais UV, que chegam a 3×3 metros; a depender da peça, a chapa inteira pode ir para a impressora, sendo posteriormente acabada e cortada (e em outros casos, a chapa é cortada antes da impressão).
“Podemos trabalhar com milhares de opções de cores e colocar a arte. Esse é um diferencial do nosso móvel de design funcional, que também é uma peça de decoração”
O designer Ricardo Marques, dono do Coffeeterie Cine Passeio, em Curitiba, é um dos que estamparam os móveis da Fitto com a sua arte. O mobiliário, composto por mesas, cadeiras e poltronas, rendeu ao seu estabelecimento o prêmio Bom Gourmet (promovido pelo jornal Gazeta do Povo) em 2019, na categoria “melhor ambientação”.
AGORA ELES QUEREM CONQUISTAR O MERCADO EUROPEU
O modelo de negócios está voltado ao varejo, com vendas diretas em seu site.
Os irmãos tentaram vender no atacado, mas a margem exigida pelos grandes lojistas tornava o valor do produto acima do alcance do consumidor.
“Mantivemos a atuação em nossa loja online e atualmente vendemos em alguns marketplaces, como Hometeka, Fast Shop e Deezign.”
Durante a pandemia, eles foram procurados por um grupo português que curtiu a marca. Em dezembro, assinaram o contrato de licenciamento para a Fitto Europe, com a permissão para venda, pelo site, em todo o continente.
Murilo diz que a Fitto já estava em conformidade com as normas de sustentabilidade europeias, com um compensado livre da emissão de formol e com controle na emissão de poluentes. Foram cinco meses para montar a estratégia e produzir amostras, até o lançamento, no fim de março.
“Para nós é um mercado importante com um campo mais desenvolvido e maior aceitação para o produto sustentável. É outra visão. Temos boas expectativas.”
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