Como admitir que aquele negócio inovador que você imaginou, desenhou, tirou do papel, adaptou quando necessário e no qual investiu (emocionalmente, inclusive) por tantos anos não é sustentável e precisa ser vendido?
Esse foi o dilema vivido pelo empreendedor André Melman, 43 anos. Ele aceitou compartilhar a sua história em entrevista para o Sebraecast conduzida por Adriano Silva, publisher do Projeto Draft.
Em 2013, junto com Mikael Linder, André cofundou a Farofa-la, empresa de snacks orgânicos e salgadinhos naturais. Por cinco anos, eles passaram de uma plataforma de intermediação de experiências gastronômicas (como um “Airbnb de alimentação consciente”) para uma marca de produtos respeitada. Essa evolução, porém, não foi suficiente.
Assim, em março de 2018, eles tomaram a decisão de vender o negócio.
“Quando nos vimos sem caixa e sem um plano para atrair mais recursos, fui muito realista comigo mesmo. Eu não tinha clareza de como dar o próximo passo, tampouco os investidores que estavam conosco. Aí ficou claro que o negócio deveria ser incorporado a outro, já mais consolidado”, diz André.
Os fundadores tinham estabelecido um tempo determinado para chegar ao break even (o ponto de equilíbrio, a partir do qual o investimento começa a se pagar). O plano de negócios inicial, porém, era muito aberto, não determinava processos e passos de forma organizada. Em vez disso, os sócios reagiam e pivotavam o negócio conforme os sinais que recebiam da realidade:
“Nós gerávamos expectativas tão altas com cada passo dado que, quando as coisas não aconteciam como esperado, já tentávamos um outro caminho. Acho que foram muitas novidades sem que a gente consolidasse o resultado”, diz André. “Sem uma estratégia clara para conseguir mais tempo para chegar ao equilíbrio, você começa a dissipar energia.”
Embora o produto tivesse qualidade, a empresa não conseguia alcançar um número de clientes que a deixasse no azul. Assim, a solução encontrada para que o desejo de criar algo realmente diferente em termos de alimentação deixasse algum legado foi passar a operação a outra empresa, a OneMarket.
André já deu mais de uma guinada na própria vida. Formado em engenharia civil, ele galgou durante muitos anos uma carreira no mercado financeiro. Ao se descobrir pouco à vontade com os valores que vivia no trabalho, resolveu viajar e conhecer outros tipos de negócios. Voltou com a decisão de colocar em prática o sonho de empreender. Mais recentemente, tornou-se pai de uma menina (outra reviravolta)… Mas e agora?
Passado um momento inicial de vulnerabilidade, André crê que é hora de empreender outra mudança importante na sua própria trajetória – para, quem sabe, conseguir se transformar na pessoa que ele está buscando ser.
“Eu percebi quanto é importante se dar o direito de ficar um pouco quieto e no mesmo lugar, antes de tomar uma decisão – o que é difícil quando se tem pressão de trás, de frente, pessoas te chamando para conversar… [Descobri] como não dizer nem sim, nem não, mas que estou aberto a ouvir, conversar e dar o próximo passo. Está sendo muito interessante”, diz empreendedor. Ele, por sinal, escreveu um texto bastante honesto a respeito dessa reflexão.
Com o fim do ciclo com a Farofa-la, André tirou algumas lições pessoais para a nova fase. Primeira lição: acolher a si e aos outros em momentos de dificuldade, quando o sonho não está acontecendo. Segunda lição: ter uma postura mais flexível quanto a expectativas (que podem não se concretizar). Terceira: formar parcerias estratégicas desde o início, em vez de “proteger” a ideia por considerá-la única (temendo possíveis prejuízos devido à competição com negócios maiores). E quarta: sair de seu próprio mundo para entender, de verdade, o problema do outro que você se propõe a resolver.
Ele resume os aprendizados numa dica preciosa (anote aí, empreendedor!):
“Estude o ecossistema de que você vai participar. Isso envolve os concorrentes – grandes e médias empresas, além de parceiros nos diversos setores do que se quer construir. Vá conversar, coloque o teu sonho e a tua vontade e se abra para ouvir. Isso é o mais importante: se expor. Não fique com aquela ideia de ‘segurar o tesouro’, porque o tesouro compartilhado terá muito mais valor!”
Ainda são poucos os empreendedores no país que se dispõem a falar sobre seu insucesso ou a necessidade de se desfazer de um negócio – algo que dá ainda mais peso ao relato de André. Mas é por meio do erro que se constrói a experiência. Fica o lembrete aos que estão projetando agora o próximo salto.
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O Sebraecast apresenta uma série de entrevistas com empreendedores sobre startups, negócios criativos, negócios sociais, inovação corporativa e lifehacking. Confira a websérie em youtube.com/sebrae e o podcast em soundcloud.com/sebrae!