Apesar de os abrigos no Rio Grande do Sul receberem visitas de equipes médicas, a demanda neste momento inicial da tragédia ainda é alta. Para ampliar o apoio à saúde dos desabrigados — e também dos desalojados — a WebMed, parte do ecossistema do Tecnopuc (Parque Científico e Tecnológico da PUCRS), entrou em ação.
A plataforma paga, com soluções para conectar o ecossistema de saúde — pacientes, médicos, hospitais, clínicas, indústria farmacêutica, operadoras de saúde e SUS –, criou em tempo recorde e de forma voluntária uma solução para o encaminhamento dessa população a atendimento médico online gratuito.
Luciano Lorenz, CEO e fundador da startup, e vários colaboradores passaram o fim de semana de 4 e 5 de maio ajudando nos resgates e em abrigos. Mas na segunda-feira, ele fez uma provocação ao time para encontrar uma nova forma de voluntariado usando a tecnologia do negócio. Assim nasceu o ShortMed SOS Enchentes, que conecta pacientes a médicos voluntários para a realização de teleconsultas. Emocionado, o empreendedor comenta:
“Nós passamos três noites sem dormir para criar essa solução, pensando que se a gente impactasse ao menos uma pessoa já teria valido a pena. E hoje a gente já conseguiu conectar mais de cem pacientes a médicos”
A plataforma teve o apoio da classe médica por meio da Amrigs (Associação Médica do Rio Grande do Sul) e do Simers (Sindicato Médico do Rio Grande do Sul),
A seguir, Luciano fala sobre o funcionamento do ShortMed SOS Enchentes, o apoio que tem recebido, as principais questões de saúde dos desabrigados até o momento e o envolvimento dos médicos voluntários nessa ação.
Como a equipe da WebMed se mobilizou para criar essa solução?
A gente começou a desenhar a ideia na segunda, dia 6 de maio. Vimos que seria possível fazer esse questionário de triagem de forma rápida porque já tínhamos essa tecnologia.
Mas a gente precisava também engajar a sociedade médica para ter êxito, sabe? Então, mandei mensagem nos grupos que eu participo do Instituto Caldeira e do TecnoPuc para ver se alguém tinha o contato dos presidentes da Amrigs e do Simers, enfim, qualquer pessoa que pudesse nos ajudar.
Nisso também me ligou a assessoria do deputado Adolfo Brito (PP), que é o presidente da Assembleia Legislativa, oferecendo apoio. E a minha terça-feira foi assim, focada em conseguir o suporte dessas entidades. Depois, começamos a desenvolver a solução.
E como foi esse desenvolvimento?
Criamos dois questionários, enxugando bastante os que a gente já tinha na nossa plataforma. Um deles, com validação médica, é para fazer uma triagem muito básica de saúde, para que as pessoas possam indicar o que precisam, um atendimento médico mais imediato — por ter tido contato com a água das enchentes — ou um atendimento psicológico até a renovação de uma receita, por exemplo.
O outro questionário foi criado para captar médicos voluntários, para que eles possam indicar como conseguem ajudar e a área de atuação. E com o apoio dessas entidades da classe médica conseguimos validar os registros dos interessados para confirmar se são mesmo médicos.
Na terça-feira à noite, 7, fechamos o layout da plataforma. Na quarta, a gente começou o desenvolvimento e de quinta para sexta, às 4 da manhã, colocamos o ShortMed SOS Enchentes no ar. Começamos, então, a receber os cadastros dos médicos voluntários e chegamos a 500 de todo o Brasil em três dias
Ainda na sexta, o Grupo DOC, dono da Teledoc, maior plataforma de telemedicina do Rio Grande do Sul, com 5 mil médicos registrados, se juntou à iniciativa para cuidar dos atendimentos após a nossa triagem. Então, já são 5.500 médicos de 55 especialidades que fazem parte dessa mobilização.
Quantas pessoas já foram atendidas por meio da intermediação do ShortMed SOS Enchentes, qual a dinâmica dessas teleconsultas e as principais demandas dos pacientes até aqui?
Até terça-feira (14), 100 pessoas já tinham sido atendidas, antes mesmo de iniciarmos a divulgação da ferramenta nos abrigos. Depois de preencher o questionário, a teleconsulta acontece em até um dia ou mesmo horas.
O médico que vai atender na plataforma da TeleDoc conversa com a pessoa por WhatsApp ou e-mail para entender quando ela consegue realizar o atendimento e manda um link para que possa entrar na teleconsulta. Não é necessário baixar nenhum aplicativo.
As principais questões dos desabrigados por enquanto são de renovação ou emissão de receita e problemas de saúde mental. Por enquanto, temos conexão com psiquiatras — os psicólogos ainda não estão se cadastrando na plataforma, mas eles podem, sim, se registrar
E se há alguma demanda urgente, os próprios médicos podem chamar o Samu para realizar o atendimento presencial.
Como está sendo feita a divulgação da ferramenta para que as pessoas desabrigadas tenham acesso à teleconsulta?
Começamos a divulgação em abrigos de Porto Alegre levando cartazes com um QR Code e o link por meio do qual as pessoas podem acessar o questionário de triagem.
E a ideia é disponibilizar esse material para abrigos de todo o Rio Grande do Sul, com o apoio da Secretaria de Estado da Saúde, levando a solução para o máximo de pessoas possível.
Muitas dessas pessoas que estão em abrigos ou hospedadas com familiares perderam tudo ao deixar suas casas, o que inclui os celulares. Como elas podem acessar esse serviço sem a tecnologia em mãos?
Elas não precisam usar o próprio celular para fazer isso. Pode ser o de outra pessoa.
Tem ainda uma empresa que está disponibilizando kits para atendimento nos abrigos — e o Elon Musk doou para o Rio Grande do Sul antenas da Starlink, então as entidades médicas já estão se organizando para que os abrigos tenham um local para a realização das teleconsultas
E uma coisa importante de ser dita é que a nossa solução foi pensada para funcionar com uma internet muito baixa, então não requer uma conexão tão boa.
A WebMed, baseada em Porto Alegre, foi afetada diretamente por essa tragédia?
Nós tivemos um colaborador que foi afetado diretamente, a casa dele foi alagada e ele teve que sair. E também teve um colaborador que se deslocou para outra cidade porque o fornecimento de água ainda não voltou na casa dele. Mas todos estão bem, não tivemos casos de morte, o que já é um alívio.
O negócio também não sofreu nenhum problema. Hoje mesmo o Sebrae entrou em contato porque estão preocupados com o empresariado do Rio Grande do Sul.
Diferente da pandemia, quando perdemos quase todos os contratos, agora nós não passamos por isso, pelo contrário: nossos clientes estão nos apoiando e nos deram um tempo para que pudéssemos organizar o trabalho voluntário.
Diante disso, resolvi dividir o time em dois, um para continuar atendendo a questão das enchentes e o outro para dar atenção às entregas dos nossos clientes
Então, até agora, nós não fomos afetados economicamente, porém seremos porque, apesar de a maioria dos nossos clientes estar estar em São Paulo e Rio de Janeiro, nós tínhamos muitos clientes prospectados no Rio Grande do Sul. Além disso, as nossas viagens comerciais foram canceladas porque o aeroporto está fechado
Só eu tinha três [viagens] neste mês para fora do estado, mas não tenho nem como ir de ônibus. Para um desses compromissos, que é o mais importante de todos, a maior feira da América Latina no segmento de saúde, vamos mandar duas pessoas e eu que vou levá-las daqui até Caxias, numa jornada de quatro a cinco horas porque ainda não tem linha de ônibus funcionando.
O futuro a gente não sabe como vai ser, mas uma certeza é que vamos continuar a ajudar as pessoas com o ShortMed SOS Enchentes. Nossa solução vai continuar sendo gratuita.
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