Filha de uma professora de geografia e de um caminhoneiro, Adriana Meira, 41, nasceu e foi criada em Brumado, no sertão baiano. Cresceu desenhando escondida, porque a família não entendia a funcionalidade do trabalho manual, apesar dos hábitos dos próprios ancestrais.
“Meus valores estéticos vieram das minhas avós bordadeiras e dos meus avôs, que eu sequer conheci”, diz Adriana. “Um deles era sapateiro e o outro vivia na roça fazendo gibões para vaqueiros.”
A avó materna, por sua vez, fazia colchas de retalhos:
“E eu ficava viajando, imaginando que aquele patchwork não precisava ser usado só dentro de casa, mas como roupa, mesmo. Sempre soube que queria fazer algo que envolvesse desenho…”
Aquela menina cresceu e fez do desenho e da moda o seu meio de vida. Hoje, com o Adriana Meira Atelier, ela cria roupas e vestidos coloridos que fazem sucesso entre atrizes da Globo, através de um processo artesanal que envolve desenhar no pano e bordar à mão.
Porém, como toda boa história, esta também é cheia de curvas, de idas e vindas.
O desejo de trabalhar com algo que envolvesse desenho foi ficando cada vez mais latente dentro de Adriana. “Até que resolvi fazer faculdade de Moda em Salvador, aos 18 anos”, diz.
Antes de se formar, ela estagiou em uma fábrica de moda masculina; mais tarde, morando na capital baiana, trabalhou em confecção de jeans e moda feminina.
Adriana viveu ainda um tempo em Brasília, onde assinou uma coluna de moda em uma revista de política. Depois, voltou a Brumado e abriu uma confecção com uma amiga. Passou a se ver como estilista, mas não tanto como empreendedora.
É que, naquele momento, o negócio próprio ainda não tinha engatado – “por autossabotagem”, justifica.
Em 2010, ela se mudou para São Paulo. Quando chegou à capital paulista, teve contato com uma realidade desconhecida até então.
“Começaram a questionar meu diploma [em Moda] da Bahia. A xenofobia era forte… Por outro lado, entendi a dinâmica de algumas fábricas e que não bastava criar um produto: era preciso saber se vender”
Ela trabalhou em uma antiga confecção (Modamont, no Bom Retiro, na região central da capital paulista) e em lojas da Cavalera e Vanessa Montoro.
Esta última – marca de luxo brasileira que se destaca pelo crochê com linha de seda, com peças feitas à mão – foi uma grande inspiração profissional para Adriana.
“Depois que passei pela Vanessa Montoro, uma amiga me fez a seguinte pergunta: ‘Por que você está realizando os sonhos dos outros e não o seu?’ Foi quando decidi abrir minha empresa.”
O CNPJ saiu em 2014, com um investimento inicial de 5 mil reais (quantia que pegou emprestada dos irmãos).
Inicialmente, Adriana fazia batas, camisetas e vestidos simples, com algumas aplicações. Ainda não era algo personalizado. Mesmo assim, o faturamento no primeiro mês de operação foi de 17 mil reais.
A personalização começou pouco tempo depois, quando um amigo bartender pediu uma roupa específica para ilustrar seu trabalho e uma prima encomendou uma peça com aplicações que formassem a imagem de Iemanjá.
A relação de sua moda com as religiões de matriz africana se intensificou quando Adriana criou algumas peças em parceria com a estilista baiana Isa Isaac Silva.
“Ela me encomendou orixás em tamanho grande e, a partir daquele momento, a moda me aceitou. Tinha, também, uma onda forte de trabalho manual, de modo autoral, slow fashion… Era tudo muito intuitivo, e fui evoluindo aos poucos, sentindo prazer em ser eu mesma”
Paralelamente, a produção de itens sob encomenda vinha aumentando. E o tempo para confeccionar cada modelo passou a ser de 10 a 15 dias.
Para Adriana, a grande “virada de chave” na carreira aconteceu em 2020, quando sua história estampou duas páginas da revista Vogue.
O período coincidiu com o retorno dela para a Bahia, para ficar com os pais durante o isolamento social na pandemia.
“Eu tinha voltado para a minha cidade porque pensei que o mundo ia acabar. A partir daquele texto, me entendi melhor e resolvi ter meu ateliê em Brumado”
Como não tinha espaço para trabalhar na casa do pai, ela, então, resolveu ir para a fazenda da família, um imóvel de 1838, com 14 cômodos.
O lugar estava praticamente abandonado, necessitando de várias reformas, mas o isolamento e o contato com a natureza “fizeram bem, criativamente falando”, segundo Adriana, que começou a treinar a mão-de-obra local.
No dia a dia de trabalho na fazenda, foram vários testes de técnicas que não deram certo – como usar tinta de tecido nas peças, o que diminuía a durabilidade –, até chegar ao processo atual.
As peças criadas por Adriana são desenhadas no pano e bordadas manualmente.
Antes, porém, há uma etapa fundamental: conversar com a pessoa e sacar a sua personalidade, seus gostos – e como ela ou ele gostaria de se ver naquilo que vai vestir.
Essas conversas em geral rolam por chamada de áudio ou vídeo no Whatsapp.
“Por exemplo, teve uma cliente vegana que queria um desenho dela segurando um porquinho rosa, com uma arara no ombro e uma borboleta no cabelo. Aí, eu tive outras ideias a partir do que ela pediu, desenhei no papel, enviei e ela disse: ‘nossa, sou eu, que maravilha!’”
Depois de aprovada, a ilustração vai para um molde e é ampliada para, na sequência, ser recortada e virar uma espécie de quebra-cabeça.
Antes que os pedaços sejam aplicados na roupa, há ainda uma etapa de lavagem e, só depois disso, cada parte é colada na peça que será vestida. Finalmente, a peça inteira (já com as aplicações) é lavada novamente para soltar a cola.
Os tecidos utilizados são, normalmente, Neoprene, camurça, scuba e suede, que não soltam muita tinta. O custo da matéria-prima varia conforme a gramatura e tipo de pano: alguns custam 25 reais o metro, outros podem chegar a custar 150 reais.
Hoje, o tempo de produção de uma peça de roupa varia entre 30 e 60 dias. Considerando todas as etapas (entrevista, molde, confecção e acabamento), um vestido médio já pronto é vendido por 2 500 reais, em média.
A clientela de Adriana é majoritariamente de São Paulo, mas ela já vendeu até mesmo para a África do Sul. Um dado curioso é que nem sempre a representação da pessoa na vestimenta é literal.
“Já tive cliente ateu que me pediu para desenhar uma deusa, ou santa e, assim, acabo passeando por várias religiões e crenças”, diz a artista visual.
Independentemente do que a pessoa peça, há uma regra que ela estabeleceu para si. Não basta vender: é preciso criar uma conexão.
“Vejo muitas pessoas entrando no comércio sem conhecer o próprio cliente, mas eu gosto da proximidade, do pós-venda. É um conforto saber que minha roupa foi para a pessoa certa”
Adriana já fez vestido de casamento cuja barra foi adornada com lírios para homenagear a mãe da noiva, que amava aquela flor e tinha morrido de câncer sem poder ver o casamento da filha.
Outro destaque do portfólio da estilista foi ter vestido uma família inteira para uma renovação de votos matrimoniais. A mulher, seu marido e os dois filhos do casal: cada um era representado, na roupa, pelo próprio orixá.
As representações de iabás das religiões de matriz africana viraram uma marca de seu trabalho, que ganhou projeção ainda maior a partir da divulgação de famosos.
Tudo começou quando uma amiga de Adriana lhe apresentou a atriz Letícia Colin, que passou a usar roupas da marca nos Estúdios da Globo, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro.
Aos poucos, a estilista fez amizade com figurinistas e maquiadores da emissora e conheceu (e vestiu) outros artistas, como Mariana Ximenes, Adriana Esteves, Preta Gil, Alejandro Claveaux e Milhem Cortaz.
Ela garante, entretanto, que toma cuidado para não se deslumbrar.
“Tenho consciência de que, uma hora, tudo passa. Hoje posso estar na crista da onda e, amanhã, ser esquecida. Acho que, de alguma forma, virei, sim, uma referência, mas faço terapia há muito tempo para só esticar a mão até onde dá”
O cuidado com a saúde mental, diz Adriana, serve também para lidar com eventuais clientes que, por algum motivo, acabam não gostando do produto entregue.
“Raramente alguém diz que não gostou, mas recentemente acabou acontecendo. Uma pessoa queria o figurino de determinado jeito e não amou, sabe? Mas aí falei: ‘tudo bem, me manda de volta que tem 300 pessoas na fila esperando’. É nessa maioria da fila de espera que eu preciso me concentrar. Não vou agradar a todos.”
Hoje, a equipe da marca é composta por seis funcionárias, que se dividem entre costura e contabilidade.
Para dar conta da produção, às vezes é bem cansativa (com refações de figurinos inteiros quando um desenho sai errado, por exemplo), Adriana precisa transmitir adiante os seus conhecimentos.
É aí que entram parcerias com gente como Jussy Passos, 24, que chegou ao ateliê sem saber direito sobre moldes, cores e tecidos – e hoje, nas palavras da chefe, “se encanta com a profissão”.
A médio prazo, o plano de Adriana é hospedar clientes para que acompanhem de perto a produção de suas encomendas:
“A pessoa vai desenhar junto comigo, tomar café da manhã, comer cuscuz, almoçar e, de noite, ver uma apresentação de Reisado”.
A ideia é que a primeira turma faça a imersão no ateliê em 2024.
Enquanto esses planos não se concretizam, Adriana se dedica à reforma da fazenda, conhecida pela vizinhança como “a casa da bruxa”.
O apelido nasceu com conotação pejorativa, a partir do estranhamento da comunidade diante de uma mulher vivendo em uma propriedade enorme e antiga, no meio da caatinga. Apesar disso, Adriana decidiu abraçar essa denominação:
“Eu realmente gosto de ter contato com a terra, com os bichos e poder fazer meus rituais de consagração, acender minhas velas, incensos, fazer banho de ervas”
Criada em uma família católica, mas frequentando rezadeiras desde a infância, a artista visual já trabalhou como médium em centro kardecista e, em paralelo, tem um contato próximo com adeptos da umbanda e do candomblé. E reconhece que há uma “aura mágica” na forma como escolheu viver e trabalhar.
“Vestir alguém é como colocar na pessoa uma capa protetora, principalmente se estou falando de orixás, de deusas. Como minha amiga mãe de santo costuma dizer, minha mesa de trabalho é meu terreiro.”
Até os 6 anos, Sioduhi se comunicava apenas em tukano, língua falada por seu povo, os piratapuya. Hoje, o estilista se baseia nas tradições indígenas para produzir roupas com fibras da Amazônia e um corante têxtil à base da casca da mandioca.
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