“Objeto de adorno pessoal, geralmente feito com material valioso (ouro ou prata, pedra preciosa ou semipreciosa etc.)”. É assim que o Aulete digital define o substantivo “joia”.
O conceito de “material valioso”, porém, é bem relativo, como comprova o trabalho da artesã Malu Límoli.
Os pingentes, anéis, berloques (enfeites de pulseira), relicários e outros acessórios criados por Malu podem sim levar ouro e prata no acabamento. Entretanto, o valor vem de outro tipo de material: dentes, pelos, mechas de cabelo, e até cordão umbilical e leite materno. Ou ainda as cinzas da pessoa ou do bichinho que morreu.
Essas amostras de DNA são cobertas por resina (veja aqui o processo de confecção) e transformadas em peças que Malu chama de “joias afetivas”:
“São joias que preservam a recordação de alguma pessoa ou de um animal que você ama e deseja ter sempre por perto”
Segundo ela, 90% das encomendas são de tutores que buscam eternizar a memória de seu falecido pet. As joias afetivas, no entanto, não são uma opção apenas para o luto.
Muitas mães, diz Malu, encomendam a peça para homenagear seus filhos em vida, “materializando” assim a lembrança dos primeiros dias de convivência com a criança.
Antes de descobrir o artesanato, Malu trabalhava como assistente comercial, mas diz que não se sentia “contente e realizada com o que fazia”.
Em 2013, no entanto, sua cunhada, que estava grávida, pediu a ajuda dela para preparar as lembrancinhas do chá de bebê da criança. As duas foram à região da Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, em busca dos mimos.
Aquele cenário encantou Malu, que passou a vislumbrar no artesanato um novo caminho profissional:
“Pesquisei sobre o assunto e comecei a fazer aromatizadores e sabonetes para vender. Cheguei até a ter uma banquinha na feira de Embu das Artes (SP) aos finais de semana”
Depois, ela se descobriu no feltro e passou a confeccionar sachês aromatizadores e bonequinhos de decoração de festas. Malu levou essa atividade paralelamente ao trabalho como assistente comercial, até ser demitida em 2016.
Na época, recebeu apoio do marido, Adriano, que tinha uma empresa de paisagismo, para se dedicar exclusivamente ao artesanato. E, inquieta com novas técnicas e materiais, descobriu a resina em 2020, já durante a pandemia de Covid-19.
“Vi no Instagram chaveiros lindos feitos de resina e achei que poderia produzir também”, diz. “Fui atrás de material, comecei a assistir a vídeos e confeccionar essas peças. Mas até aquele momento não tinha ligação com as joias afetivas. Era só decoração mesmo.”
PARA REALIZAR OS PRIMEIROS TESTES, MALU PEDIU AOS AMIGOS, PARENTES E VIZINHOS QUE DOASSEM MECHAS E PELO DE SEUS PETS
Em suas pesquisas, Malu descobriu um curso da artesã Lupe Polizel, uma das pioneiras em joias afetivas com DNA pet no Brasil.
“Fiquei maravilhada e me identifiquei, porque sou apaixonada por cachorros, tenho três. Só que, na época, eu não conseguia pagar pelo curso…”
Ela conversou com o marido, que topou embarcar no seu sonho. “Ele me incentivou a fazer o curso, porque é sempre muito parceiro e sabia que esse mercado pet era promissor.”
Depois das aulas, Malu começou a fazer testes, pedindo aos amigos e familiares que doassem mechas de cabelos e requisitando aos vizinhos tutores de pets que cedessem pelos para suas “experiências”.
Até que sua cunhada pediu que ela fizesse um pingente com o dentinho e fios de cabelo do filho:
“Ela amou o resultado e falou que eu poderia começar a vender. Como minha cunhada tem bom gosto e é bem crítica, decidi que era hora de abrir um perfil no Instagram para oferecer as joias afetivas”
Em junho de 2021, a artesã lançou a marca que leva o seu nome. O perfil no Instagram hoje tem quase 40 mil seguidores. Suas joias afetivas já chegaram a outros países, como Estados Unidos, Grécia e Portugal.
Malu calcula que ela e o marido investiram cerca de 2 500 reais, somando aí o custo do curso mais o material que ela comprou para fazer as primeiras peças. O faturamento anual gira hoje em torno de 200 mil reais.
É possível escolher modelos disponíveis no portfólio de Malu ou adquirir uma peça personalizada.
Hoje, os itens mais vendidos são os pingentes feitos apenas com o DNA e resina, além de opções que levam prata ou ouro 18 quilates no acabamento.
Para se ter uma ideia de preço, um pingente mini em formato de coração, com base de prata, e que pode conter qualquer tipo de amostra de DNA, custa 179 reais. Os pingentes, berloques e chaveiros apenas em resina saem por 159 reais; os anéis, com acabamento em prata, por 259 reais.
Quem não usa joias, mas deseja eternizar uma lembrança de um pet ou de uma pessoa querida, tem como opção as pirâmides de enfeite, também de resina, com 5 centímetros de altura (159 reais).
Ao encomendar cada peça, a pessoa interessada deve enviar a Malu, pelos Correios, a amostra de DNA. “Seja o que for: cabelo, dente, leite materno, cinzas… Mando todas as orientações de como deve ser o envio.” E não precisa ser em grande quantidade, diz ela:
“No caso das joias de cinzas, uma colher de sopa cheia é o suficiente. Para o leite materno, o mesmo volume. Só peço que a pessoa coloque em uma garrafinha para não vazar e em um saquinho”
Para quem não tem DNA disponível, Malu dá um jeito. Ela já confeccionou as peças em resina com outros tipos de materiais.
“Teve um caso de uma pessoa que só tinha uma blusa velha que o pai sempre usava. Ela mandou um pedacinho do tecido e fiz a joia. Também já criei uma peça com o papel que levava a assinatura da avó de uma cliente, que não tinha nada mais guardado dela.”
A partir do momento do pedido, cada peça leva, em média, um mês para ser entregue aos clientes, também pelos Correios.
A artesã diz que há bastante demanda por joias feitas com DNA humano (sobretudo por peças produzidas com leite materno, desde que um vídeo dela viralizou no TikTok).
Em alguns casos, essas encomendas vêm acompanhadas de histórias tristíssimas. Malu se emociona ao lembrar de pingentes que fez para uma mãe com o cabelo da filha que se suicidou, e também com o cordão umbilical de uma criança que morreu ao cair de uma sacada…
A grande maioria dos clientes, porém, são mesmo tutores que perderam seus bichinhos e enviam amostras de cinzas ou de pelos para eternizá-los.
“Além de pelos de cachorro e gatos, já fiz joias com os pelinhos de cavalo e porquinho da Índia, e penas de calopsita, papagaio e pato”
Malu conta que já recebeu comentários nas redes de que o que faz é algo “mórbido” ou de gente minimizando a perda de um animal de companhia, mas ela acha que hoje as pessoas estão começando a entender melhor a questão do luto por um pet. “Recebo inúmeros cartinhas de tutores falando sobre os animais, junto com o DNA”, diz.
A artesã se recorda, por exemplo, de uma cliente que encomendou um pingente com os pelos de seu boxer, Átila.
“Ela falou na cartinha que, na hora em que o cachorro morreu, ligou para o filho dela, que estava no Canadá. E ele disse que já sabia que o Átila havia partido porque naquele momento tinha aparecido um arco-íris lá… Chorei lendo.”
Malu toca sozinha a produção das joias. Dedica pelo menos oito horas por dia, de segunda a sábado.
Adriano, o marido, que a incentivou a começar o negócio, hoje também faz parte da operação, cuidando do administrativo e do atendimento aos clientes.
Para escalar a sua marca, a artesã-empreendedora passou a oferecer também um serviço de mentoria. Em setembro deste ano, ela abriu dez vagas para um encontro online de duas horas, voltado para quem já trabalha com artesanato.
“Elas foram vendidas em 14 minutos e precisei formar uma segunda turma de mentoria, também com mais dez alunos”
Neste mês de outubro, Malu deve lançar outra mentoria (com foco em berloques). Futuramente, ela planeja também montar conteúdos com dicas para quem quer se iniciar na área:
“Meu sonho é criar um cursos gravado para ensinar a técnica, formar outras mulheres e pessoas com interesse nas joias afetivas, para que elas possam ter essa oportunidade que hoje eu tenho de viver do artesanato.”
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