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“Eu pegava meu filho no colo, mas era um ser ‘estranho’, ainda não havia conexão… Afinal, quando a gente começa a se sentir pai?”

Marlon Camacho / 11 ago 2023
Marlon Camacho, educador parental e palestrante da Filhos no Currículo.
Marlon Camacho - 11 ago 2023
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Desde muito novo eu dizia que não gostava de criança, não levava jeito com elas.

De fato, me sentia totalmente sem jeito quando uma criança se aproximava de mim… Inclusive, já tinha sobrinha e era padrinho dela, mas não conseguia pegar no colo, brincar ou interagir

Mesmo assim, acho que pelas convenções da vida, sabia que um dia eu teria filhos e até comentava que gostaria de ter muitos, ainda que lá dentro este não fosse um real desejo meu.

Me casei aos 24 anos com a Mariana e iniciamos nossa vida. Ela ainda na faculdade de medicina, eu recém formado em engenharia da computação e no início da jornada profissional.

Foram alguns anos bem difíceis, pouco dinheiro e muitas contas. Eu me envolvi em alguns projetos do terceiro setor e fiquei atuando paralelamente na coordenação de uma ONG em Brasília, o Instituto Humanize. 

Após dois anos, a Mariana se formou e começou a estudar para passar na residência, até que conseguiu a vaga que desejava em ginecologia e obstetrícia.

Neste período de estudos e início profissional, o tempo e o sustento escassos eram os grandes desafios. Mesmo assim, estávamos há três anos casados e surgiu nela o desejo de ter um filho

Um desejo que eu não me conectei de primeira, mas também não me opus.

DISTANTE, FRIO, GROSSEIRO, IMPACIENTE E DESCONECTADO: FOI COMO ME AGI DURANTE A GESTAÇÃO DE MINHA COMPANHEIRA

Neste mesmo período eu estava com duas ocupações. Além da atuação na ONG, que me tomava 20 horas semanais, eu trabalhava na administração condominial de um shopping em Brasília, de segunda a sexta em horário comercial.

Não bastasse isso, nas segundas e quartas à noite, iniciei um MBA. Sentia que estava no meu momento profissional de decolar e conquistar novas coisas.

Em paralelo, a Mariana estava na residência médica, trabalhando até 60 horas semanais e mais 20 horas semanais de trabalho na Força Aérea Brasileira.

Dois jovens superocupados, vivendo numa cidade de custo alto e, enfim, ela chegou: a gestação.

Eu comecei a desmoronar. A gestação estava ali, a Mariana estava ali, mas eu não estava

“Distante”, “frio”, “grosseiro”, “impaciente” e “desconectado” são alguns dos termos que traduzem como eu agi neste período.

O planejamento financeiro apertado era um dos grandes causadores do meu distanciamento e esgotamento emocional, atrelado a uma rotina de trabalho superdesgastante.

Lembro do dia que fui levá-la em uma das consultas de pré-natal, e tenho claro na memória a cena da gente atravessando a ponte de acesso ao Lago Sul em Brasília. 

Eu de cara fechada, cheio de desgosto por estar indo. Me sentia como um motorista, apenas…

QUANDO NASCE UM PAI? QUANDO A GENTE REALMENTE COMEÇA A SE SENTIR PAI?

Até que o dia do fim do mundo chegou: 21 de dezembro de 2012. Todos os jornais noticiavam as movimentações em cidades esotéricas, os especialistas na cultura Maia, as previsões de Nostradamus: o mundo vai acabar.

E foi na madrugada deste dia que as contrações iniciaram e eu assisti à cena mais linda da minha vida: o nascimento do meu primeiro filho, Joaquim. Ali, o meu mundo renasceu! 

Não sei explicar, mas a percepção foi de que alguma coisa tinha mudado dentro de mim, algum botão foi apertado e um novo processo começou: agora eu sou pai!

Nos primeiros dias, fiquei superpresente, cuidando da casa, aprendi a fazer arroz pesquisando no YouTube, estudei sobre alimentação saudável (até emagreci uns cinco quilos com a nova alimentação).

Estava ali, pai! Mas ainda não havia conexão. Eu entendi a parte da responsabilidade, do cuidado, mas quando pegava o meu filho no colo, ainda era um ser estranho

Retomei a minha rotina profissional após 20 dias e meu contato com o Joaquim ficou superescasso.

Lembro de um dia que cheguei do trabalho e o peguei no colo, já com seus cinco ou seis meses. Ele, sorridente, puxando minha barba, debruçado no meu peito; e eu sentado no sofá… Mas eu ainda não estava lá.

Quando nasce um pai? Quando a gente realmente começa a se sentir pai? Definitivamente, nesta época eu sabia que eu era pai, mas não me sentia pai

Quando os seis meses da licença maternidade da minha esposa chegaram ao fim, bateu o maior desespero: e agora? Eu trabalhando 60 horas por semana, ela retornando a um trabalho de 60 a 70 horas semanais.

E o Joaquim, como fica? Não tinha como dar certo.

DEIXEI MEU TRABALHO PARA CUIDAR DO MEU FILHO. ERA A COISA CERTA A FAZER, MAS VIVENCIEI VÁRIAS INQUIETAÇÕES

Foi então que eu tive a oportunidade mais difícil e transformadora da minha vida: sair de um trabalho formal, pausar o MBA e assumir o papel como principal cuidador do meu filho.

Na época, era o caminho mais lógico, já que a Mariana ainda estava na residência e isto era imprescindível. Então tomei coragem e embarquei.

Eu ficava com ele pelo menos dois períodos do dia, todas as manhãs e as noites/madrugadas. Na parte da tarde, mantive o trabalho com a ONG de forma remota.

Foi neste período que comecei a questionar tudo o que eu sabia sobre ser pai.

Os pensamentos que vinham eram de que eu estava perdendo o meu tempo, de que a relação com a minha esposa estava errada, de que eu não sabia cuidar de uma criança, que aquela função não era para mim…

Enquanto meu filho aprendia a engatinhar, balbuciar, falar, contar, reconhecer as cores, correr, pular, eu estava aprendendo a cuidar, brincar, abraçar e acolher.

Mas, internamente, era uma guerra. Os meus pensamentos eram repletos de incômodos.

Lembro-me bem de sentar um dia com Joaquim no sofá verde que tínhamos em casa. Ele apoiado no meu joelho, eu cortando as suas unhas e o pensamento que me vinha era: “não é possível que até a unha do meu filho eu tenha que cortar!”.

Sim, sim… Não faz o menor sentido este pensamento, né? Mas para mim, naquele momento, com as ferramentas e condições que eu tinha, pensar daquele jeito fazia todo sentido. E me gerava muito sofrimento.

QUANDO FINALMENTE ME CONECTEI COM A FUNÇÃO PATERNA, COMECEI A QUESTIONAR A FORMA COMO FOMOS ENSINADOS A PENSAR O CUIDADO

Eu olhava para o meu ciclo social sem encontrar espaço para me abrir, e nem mesmo tinha coragem de compartilhar com outros pais o que eu estava sentindo.

Uma jornada solitária, silenciosa, e que foi minando minha energia. 

Foram três anos assim. Até que, quando o Joaquim tinha três anos e meio, fiz a minha primeira viagem sem ele.

Fiquei cinco dias fora em um treinamento e chorei todos os cinco dias de saudades do meu filho. Durante as reflexões deste treinamento, só me vinha uma função à mente: a paterna

Naquela semana, entendi que eu precisava fazer as pazes com a paternidade e simplesmente me permitir vivê-la intensamente, sendo o adulto que o meu filho precisava que eu fosse para o seu desenvolvimento.

Quero te propor aqui a mesma indagação. De quem é a função de cuidar? Quem exerce a função de gestão da casa e das crianças? Quem se ocupa com as microtarefas do dia a dia? Se no meio da tarde o clima fica mais frio, quem pensa “será que coloquei o casaco na mochila da escola?”?

Há muitos séculos, as funções de cuidado e de afeto têm sido desenvolvidas pelas figuras maternas. Sem dúvida, para a grande maioria dos pais de hoje, na sua infância a figura de cuidado era feminina.

Até mesmo no ambiente profissional isso se replica: quando surge algum trabalho mais “doméstico”, são as mulheres que executam. Organizar o coffee break da reunião, preencher a ata, organizar brindes, preparar a decoração…

Tudo isso são ações normalmente gerenciadas — e executadas — por mulheres.

COM A PATERNIDADE, APRENDI SOBRE GESTÃO DE TEMPO, RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E OUTRAS HABILIDADES QUE AJUDARAM MINHA CARREIRA

Não sei se dá para identificar culpados ou causas. Felizmente, o que tenho observado é um número crescente de outros homens que também sentem incômodos e desconfortos com o novo papel paterno, mas estão empenhados em uma paternidade que assume o protagonismo nas tarefas de cuidado e afeto.

O recente estudo “Bem-Estar Parental nas Empresas”, desenvolvido pela Filhos no Currículo e Infojobs, mapeou que quatro a cada dez homens já consideraram deixar o trabalho para cuidar dos filhos.

Agora, a paternidade nos impele a trilhar um caminho desconhecido, onde as vulnerabilidades são expostas, onde o cuidado é compartilhado e o afeto é vivenciado integralmente.

E posso dizer? Como essa jornada é incrível! Quantas habilidades a gente aprende e desenvolve após a chegada dos filhos. E o melhor é que as contribuições da parentalidade também podem ser muito potentes para a nossa carreira!

Foi com meus filhos que eu aprendi sobre gestão de tempo, resolução de conflitos, autorregulação emocional e comunicação eficaz, entre tantas outras coisas.

Ah, e por falar em parentalidade, este termo chegou na minha vida e me ajudou muito. “Parentar” é quando um adulto exerce a função de cuidar, educar, proteger, prover o desenvolvimento de uma criança e adolescente.

Este simples conceito me ajudou tanto a entender o meu papel quanto a ressignificar a relação com os meus filhos. 

ENTENDI QUE EU PODIA APRENDER COMO SER UM BOM PAI — E FOMENTAR O DEBATE SOBRE A PARENTALIDADE

Alguns anos após fazer as pazes com a paternidade, surgiu em mim um desejo de conversar com outros pais a respeito. Então, comecei a guiar rodas de conversa e me apaixonei mais ainda pelo assunto.

Me encantei com os estudos do desenvolvimento infantil e descobri que é preciso estudar e se preparar para ser pai: não é uma função de instinto natural.

Lidar com outro ser humano talvez seja a tarefa mais desafiadora do mundo. E é muito injusto o pensamento de que, quando chega um filho, automaticamente temos que estar aptos para educar, compreender, comunicar, guiar, ensinar

Isto me ajudou muito, pois eu me cobrava ser um bom pai, até compreender que eu não precisava SABER como ser um bom pai e sim APRENDER a ser um.

Marlon com os filhos Joaquim e Antônio (de vermelho).

Essa jornada de aprendizagem foi tão impactante para mim que se tornou também a minha atuação profissional. Tornei-me educador parental e palestrante sobre o tema, encorajando pais e mães que estão no mercado de trabalho a olharem para os seus filhos e filhas como um convite ao aprendizado.

Hoje, atuo profissionalmente com a Filhos no Currículo, uma consultoria de parentalidade e carreira. Nossa meta é transformar os ambientes profissionais em lugares mais amigáveis para as famílias, acolhendo o tema “filhos” como uma potência que gera habilidades e competências para a nossa vida profissional.

Isso deve ser atingido, principalmente, por meio de políticas parentais, processos e benefícios que tornem possível às figuras parentais conciliar filhos e carreira.

A você, pai, deixo o meu conselho. A forma como lidamos com a paternidade impacta toda a sociedade, o mercado de trabalho e o desenvolvimento das crianças e adolescentes. Não diminua o tamanho do seu papel nessa equação

Após o Joaquim, tivemos o Antônio, que chegou alguns anos depois para agregar na nossa família. E a minha sensação é que, com os meus dois filhos, estou no treinamento mais intenso e impactante que poderia existir.

A minha lista de treinamentos de novas competências não para de crescer… Desde o dia do fim do mundo!

 

Marlon Camacho, 38, é engenheiro da computação e pai de Joaquim e Antônio. Por um tempo, decidiu deixar o trabalho para cuidar dos filhos. O impacto foi tanto que fez uma transição de carreira e hoje atua como educador parental e palestrante da Filhos no Currículo, consultoria de parentalidade para empresas.

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