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Levanta Botafogo: como uma jornalista assumiu a missão de ajudar a reerguer o bairro que batiza o líder do Brasileirão

Bruno Leuzinger / 11 jul 2023
Carla Knoplech, fundadora da Forrest e criadora do Levanta Botafogo.
Bruno Leuzinger - 11 jul 2023
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Dizer que alguém “ressurgiu das cinzas”, como Fênix, a ave mitológica, é um clichê surrado. Mas um clichê quase obrigatório para um time chamado Botafogo.

Tem muito campeonato ainda pela frente, mas é fato que, após anos de amargura e alguns rebaixamentos, o time da Estrela Solitária surpreende e lidera o Brasileirão 2023. No elenco, brilham atletas que até outro dia eram praticamente desconhecidos, como o goleiro Lucas Perri, o zagueiro Adryelson e o atacante Tiquinho Soares.

O objeto da paixão da jornalista Carla Knoplech, 37, porém, é outro Botafogo: o bairro da zona sul carioca que dá nome ao clube.

“Sempre fui apaixonada pelo bairro. Não sei exatamente o que me fez apaixonar, acho que era a versatilidade… Botafogo hoje em dia é cool, mas antigamente não era tanto assim”

Carla se mudou para Botafogo com 3 anos. Cresceu na Rua Real Grandeza, uma das principais vias do bairro, pertinho do Cemitério São João Batista. “Cemitério é uma coisa que nunca me amedrontou: era do meu lado, eu via da janela.”

Se, na infância, aquela vizinhança “fúnebre” não inspirava nenhum medo, já adulta, ao voltar a viver em Botafogo (após alguns anos longe do bairro), Carla reencontrou um cenário aí sim amedrontador, com ruas desertas e comércio fechado. Era o começo da pandemia de Covid-19.

Ela resolveu então arregaçar as mangas e ajudar o bairro a “renascer das cinzas”. Como? Produzindo conteúdo digital e divulgando pequenos negócios locais, que penavam pra seguir em frente em meio à crise sanitária. E assim surgiu o projeto Levanta Botafogo

ELA FEZ CARREIRA NA VEJA RIO, MAS SE DEU CONTA DE QUE O JORNALISMO IMPRESSO IA FICANDO PARA TRÁS

Formada pela PUC-Rio com pós em jornalismo cultural pela Uerj, Carla passou pela revista Caras e pelo Jornal do Brasil antes de migrar de área. 

“Trabalhei na Palavra, que foi uma assessoria de imprensa de cultura, durante anos”, diz. “Mas sempre quis voltar para redação.”

A oportunidade veio em 2011, quando ela começou a trabalhar na Veja Rio.

“Com 25 anos, assumi uma das principais colunas, a ‘Beira-Mar’, equivalente ao ‘Terraço Paulistano’ [da Veja São Paulo]. Foi superdesafiador, amei trabalhar lá”

Era uma época em que o Rio fervilhava, com Copa do Mundo e Olimpíadas no horizonte. O otimismo parecia palpável no ar, e Carla capturou essa euforia em uma das reportagens que tocava em paralelo à coluna:

“Lembro de uma [matéria de] capa que fiz, ‘Eu voltei’, que eram só pessoas do mundo inteiro voltando a morar no Rio…”

Aos poucos, porém, Carla começou a se sentir deslocada no jornalismo impresso.

“Lembro de uma sensação muito louca; fiz uma capa na Vejinha com aquele nível de detalhamento, uma pesquisa de semanas, superdifícil — e só os pais das minhas amigas leram. No meu mundo as pessoas não estavam lendo”

Ela diz que foi então que se deu conta que “a notícia estava mudando de lugar”. E em breve, Carla também mudaria de lugar.

CARLA DESCOBRIU SUA VEIA EMPREENDEDORA E BATIZOU A AGÊNCIA EM HOMENAGEM A SEU FILME FAVORITO

Hard user de redes sociais, Carla recebeu, em 2014, um convite para trabalhar na frente digital da campanha de Luiz Fernando Pezão ao governo fluminense.

“Apesar do rumo que as coisas tomaram [Pezão foi eleito e mais tarde preso no âmbito da operação Lava Jato no RJ], foi uma experiência fantástica, rodei o interior do estado inteiro.”

Depois disso ela ainda voltou à Vejinha, mas apenas como repórter. “Coluna é insano, ainda mais fazendo sozinha…”. Porém, Carla já se via trilhando outra etapa:

“Foi quando comecei a pensar, de fato, em abrir a minha agência. Não tenho ninguém na minha família ‘superempreendedor’, mas eu já tinha passado por empresa junior na PUC. Já tinha essa veia empreendedora em mim”

Com a ideia de ajudar marcas a se comunicar no digital, Carla começou a desenhar sua agência, ainda enquanto trabalhava na Vejinha. 

Sua vida pessoal também deu uma guinada nessa fase. No final de 2015, Carla se casou e foi morar com o marido, trocando Botafogo pela Tijuca, na zona norte do Rio.

Carla tomou coragem e tirou seu negócio do papel. Começava ali a jornada da Forrest, que se posiciona como uma “agência butique” para contar histórias de pessoas e marcas.

“O nome é por causa do Forrest Gump, meu filme preferido. Ele é um contador de histórias — um storyteller. Agora essa palavra está na moda, todo mundo sabe o que é, mas lá em 2016, quando comecei, ainda era uma coisa nova”

O networking dos tempos de repórter veio a calhar na hora de prospectar clientes e alavancar o negócio. Em paralelo, ela começou a dar aula na pós-graduação de marketing digital da Universidade Estácio de Sá.

Mesmo feliz no amor e na vida profissional, Carla sentia que alguma coisa acontecendo em seu coração. E ela sabia o que era: saudades de Botafogo.

O AGUARDADO RETORNO PARA BOTAFOGO ACONTECEU NO MESMO DIA EM QUE PANDEMIA FECHAVA TODA A CIDADE

Assim como o clube ao qual empresta o nome, Botafogo também viveu seus altos e baixos.

Outrora visto com desdém pelos cariocas, que o tratavam por “bairro de passagem”, como se fosse apenas um acesso até partes mais valorizadas da cidade, Botafogo floresceu, ganhou restaurantes e bares descolados e o apelido de BotaSoho.

“Eu gostava da Tijuca, mas sempre falei pro meu marido: sinto muita falta de morar em Botafogo, gosto daquele lugar, sou dali… Vamos voltar?”

O marido topou. O casal conseguiu alugar o apartamento de uma amiga; Carla também correu atrás de um novo escritório para a Forrest, até então baseada na Glória.

“Começamos a fazer todo o trâmite pra voltar. Só que, perto da arte, a vida é muito maior… Foi muito simbólico: nos mudamos em 14 de março de 2020 — o dia que começou o lockdown. Entrei no apartamento novo e ‘nunca mais’ saí”

A frustração de não poder “viver” o bairro era evidentemente o menor dos problemas. O coronavírus despertava medo naquele momento pré-vacina, e trazia incertezas também para os negócios. 

De uma hora para a outra, Carla se pegou pensando: como a minha empresa vai sobreviver? Ela queria evitar demissões. Entretanto, a performance da Forrest acabou surpreendendo.

“No primeiro mês, 60% dos meus clientes cancelaram… ‘Carla não dá, não dá, não sei o que vai ser…’ mas aí o que aconteceu? Todo mundo voltou no mês seguinte, a demanda foi absurda. A gente cresceu na pandemia.”

DEFINHANDO DURANTE A CRISE SANITÁRIA, O BAIRRO PARECIA UM CENÁRIO DE APOCALIPSE ZUMBI

Se a Covid fez explodir a demanda por comunicação digital, por outro lado devastou o comércio de rua. Os meses passaram: abril, maio, junho… Em julho, esgotada pelo confinamento prolongado, Carla pôs sua máscara N95 e se permitiu dar um passeio. 

Era uma manhã de domingo, momento em que, Carla recordava, o cheiro de pão e o rebuliço das crianças com suas famílias conferiam um ar bucólico a Botafogo. Nada mais distante do que o cenário que ela encontrou:

“O bairro estava definhando: placas de aluga-se, vende-se, tudo fechado e sujo. Parecia uma cena de Walking Dead… Dei uma volta no quarteirão, não tinha ninguém. Me deu um ódio imediato: caralho, que merda, o que está acontecendo…?!”

O casal tinha planos de engravidar e, como tantos outros, ia adiando os sonhos e a vida pra depois. Ver o bairro naquela situação, porém, despertou em Carla um sentimento de revolta. “Voltei pra casa e falei pro meu marido: vou fazer o que eu sei, conteúdo digital.” 

Carla conta que passou o resto daquele domingo rascunhando o projeto: um Instagram para postar pessoas e negócios dentro de duas premissas: tinha que ser em Botafogo e respeitar às normas sanitárias. 

“Não dá pra ficar botando aquela galera negacionista que não exige máscara, álcool gel, distanciamento entre as mesas…”

COMO O LEVANTA AJUDOU A REERGUER BOTAFOGO E TURBINAR O COMÉRCIO LOCAL

No dia seguinte, em sua reunião semanal de alinhamento, Carla apresentou o Levanta Botafogo ao resto do time da Forrest. E já foram correr atrás de criar uma identidade visual e fazer o registro da marca. 

O movimento em favor do comércio local já vinha reverberando na pandemia, e o Levanta ajudou a potencializar essa tendência no bairro: 

“Se eu posso ajudar o cara que eu gosto a não quebrar, vou comprar do lado… Tivemos 2 mil seguidores em uma semana. Orgânico: nunca investi um real em tráfego no Levanta

Pragmática, Carla conta que se impôs uma meta: “Vou fazer isso por dois anos. Se o projeto não se pagar, vou ter cumprido a minha missão; mas se conseguir, coloco como um braço da Forrest e vira um projeto interno.”

Logo ela viu que o Levanta iria deslanchar. “Deu tão certo que na primeira semana já me ligaram do Opportunity: a gente está subindo um condomínio aqui do lado, estamos vendo o que você está fazendo, rola de fazer um publipost? E essa era o meu mundo, sei todas as regras.”

O projeto ia se viabilizando financeiramente. Mais importante que isso era ver o impacto que gerava:

“A gente postava um prato de um restaurante que só estava aberto no iFood, e ele esgotava. As pessoas pediam: ‘vocês podem postar outro prato? Vocês postaram uma receita de peixe e eu tive vinte pedidos, e não tenho vinte peixes na loja, porque não é a média’…”

Hoje, o Insta do Levanta (há também um perfil no Facebook) já soma mais de 1300 publicações. E o número de seguidores decuplicou — saltou daqueles 2 mil para 20 mil pessoas.

“A FÓRMULA ESTÁ AÍ”: A EMPREENDEDORA INCENTIVA QUE OUTRAS PESSOAS REPLIQUEM A PROPOSTA EM SEUS BAIRROS

Com cinco funcionários, todos CLT, a Forrest está na ativa há sete anos. “A gente atende clientes de diversos tipos, desde hidrelétricas a institutos de arte. Também fazemos muito terceiro setor.”

O Levanta na prática é um cliente interno, que exige dedicação como qualquer outro. E que vem diversificando suas fontes de receita, para além do publipost:

Desenvolvemos um braço de curadoria de experiência: marcas que querem de alguma maneira fazer um buzz em Botafogo e contratam a gente pra gente pensar junto, ter ideias, montar projetos…”

Agora em julho o Levanta completa três anos. Orgulhosa, Carla coleciona uma série de histórias envolvendo pequenos comércios, empreendedores individuais e personagens folclóricos do bairro.

Pelo feed passam desde hamburguerias a corretoras de imóveis com foco no bairro, passando por cafés, massagistas, artistas plásticos… 

“No mesmo dia que posto um shopping, posso postar o pipoqueiro. Para mim, isso é contar histórias. Contar a história deste bairro e entender como ele é um organismo vivo”

Há negócios superespecíficos, como o cara que transfere filmes de fitas VHS para pendrive (e teve que esticar o prazo de entrega para 15 dias depois que o perfil bombou a procura pelo serviço). 

E tem o Homem de Lata, como chama Carla: “Ele vende ralinhos de pia, coisas assim. Só que é um artista nato, ele fez uma fantasia em alumínio, é surreal. Fizemos um videozinho com ele, depois ele falou que teve uma mega repercussão.”

Ela define o impacto do projeto como “maravilhoso”. E para quem pensa em replicar a proposta, ela dá a maior força:

“Inúmeras pessoas já me perguntaram: ‘posso fazer um projeto igual no meu bairro?’ Pelamordedeus, façam! Essa é a ideia! Eu vou fazer só de Botafogo porque é o bairro que eu amo, mas a fórmula está aí, vai lá!”

 

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